A tumba dos wlegdars

Estavam os quatro ao redor da mesa, Halle, Balkan, Skeniev e Illya. Ou melhor, cinco, contando-se Urguda. Tomavam o café da manhã e discutiam calorosamente.

— Explica melhor, vozinha, pois não entendi lhufas! — Halle desabafou.

Urguda soltou um suspiro agudo, era muito educado, mas a dificuldade de diálogo o fatigava.

Balkan prontificou-se — Deixe-me explicar, Bremmen. Apenas uma cirurgia mágica poderia romper a conexão entre os dois, mas quanto ao tumor.... — apontou para Ilya e Urguda.

Halle completou o raciocínio — Enquanto estiverem unidos Ilya está fora de perigo. O tumor foi encapsulado, é isso?

— Sim, Sr. Rudeza — assentiu Urguda numa voz ressentida.

— Não ligue para o Halle, Mestre Urguda. — lamentou Ilya — Ele sempre coloca apelido nas pessoas.

— Verdade frango! E você até foi promovido... De frangote a frango foi um grande salto!

Balkan ignorou aquilo e disse — O problema é que quanto mais tempo durar a conexão, mais arriscada a separação. A vida de ambos ficará em risco.

— Bem — intrometeu-se Skeniev, fazendo pausa para engolir — se querem saber minha opinião, acho que devemos ir para Sisqua ou para o país dos elkin. Como disseram, apenas nestes lugares poderá haver alguém capaz de restaurar Urguda. Sair de Durkheim é o melhor para todos nós.

— Não posso ir, não antes de encontrar a última ruína! — retrucou Halle com os olhos brilhando de empolgação — Ela é a chave, sei disto! O que me diz, Ilya? Sente-se melhor? Podemos explorar a tumba agora? Tenho certeza que você vai solucionar o enigma. Só precisa de mais informações.

— Sim, sinto-me melhor.

— Pois saiba que eu discordo — disse Urguda — não deveríamos entrar em tumbas wlegdars, e também, não deveríamos fugir dos problemas. O melhor seria irmos ao encalço de Drogorn. Assim, deixo Ilya em paz e Balkan terá chances de aprisioná-lo novamente.

— E você vai obrigar Ilya a fazer o que você quer, vozinha? Confrontar aquela criatura é suicídio!

— Não, não, Sr. Rudeza. É um sacrifício. E temos que atacá-lo antes que volte a se fortalecer.

— A droga da tumba está logo ali, a cinquenta passos, quanto tempo vamos gastar, algumas horas?

— E o que acha que vai encontrar na ruína, hã Sr. Rudeza? Riqueza? Poder? — voz fina e irritada de Urguda atingia picos incômodos.

— Isso não é de sua conta, vozinha! E então? Vai liberar meu amigo Ilya? Ou vai controlá-lo para seguir seus desejos?

Ilya suspirou. Estava dividido, mas sentia que devia ajudar Halle, mesmo sem muita fé nos resultados. — Veja, Mestre Urguda, Halle me ajudou inúmeras vezes. Preciso ajudá-lo em sua busca, significa muito para ele. Em seu próprio tempo o senhor também não possuía amigos?

— Ah! Grande coisa isso tudo! Não impedirei nada, mas repito, não vem coisa boa alguma dos malditos wlegdars e seus mausoléus malignos.

— Ótimo! — Halle bateu as mãos e esfregou-as, excitado. Seguiram para a tumba. Ele tirou da mochila uma lamparina manótica e encaixou um cristal carregado. Uma forte luz branca surgiu.

— Impressionantes todos esses utensilhos modernos — admirou-se Urguda. Em seu tempo a magia era abundante e magos gozavam de alto status. Agora, pessoas comuns podiam utilizar magia através de inúmeros objetos, armas e veículos. Os novos conhecimentos da engenharia thaumatônica despertavam a curiosidade do ancião, sempre atento a cada novidade.

Halle liderou o grupo adentro dos portões da tumba. Desceram uma extensa escadaria até chegarem a um ambiente frio e cheio de pó e coisas antigas. Uma câmara com pé direito de cerca de cinco metros tinha forma de uma elipse. Ilya reconheceu as proporções como semelhantes às do mapa de Halle. Ao lado do portão de metal havia duas estátuas de wlegdars, também de metal. Eles pareciam segurar algo que fora removido.

— O que eles tinham nas mãos — indagou Balkan.

— Eram longos cristais isoquânticos. Foram removidos para análises. Acredita-se que eram usados como fonte de luz.

— Nada disso — intrometeu-se Urguda — Não dispediçariam peças assim para mera iluminação, além do mais, os olhos dos wlegdars podiam se adaptar à diferentes condições, além de ver no escuro, viam outras coisas invisíveis para os humanos.

— Ou isso — Halle deu com os ombros.

Um longo corredor os levou a um outro salão oval, mas muito maior que o primeiro. Nas paredes havia inscrições e esculturas em baixo relevo. Eram cenas obscenas aos olhos de Urguda. Esferas sendo destruídas, uma referências a planetas conquistados e destruídos pelos wlegdars, mas que aos olhos dos nativos daquela terra, tinham um significado difícil de assimilar. A noção de cosmos e sistemas planetários, assim como suas formas esféricas, ainda era recente e pouco difundida em Durkheim e outros países.

O piso da câmara também era decorado com inscrições e cruzado por centenas de linhas finas semelhantes a rejunte entre placas de madeira. Enquanto Ilya se ocupava de observar detalhes do solo, Halle seguiu para uma espécie de altar no fundo do salão.

— Este lugar é sinistro — Skeniev comentou.

— Aqui, como na maior parte das outras tumbas, encontramos o esquife vazio. — Halle mostrou o enorme caixão de pedra polida, empoeirado e vazio.

— Luz, luz! — pediu Ilya.

Halle sentou-se na beirada do caixão e entregou a lamparina para Balkan que a levou até Ilya. A luz forte incomodou os olhos de Urguda e este recolheu seu pescoço para dentro da roupa de Ilya. O rapaz agachou para soprar a poeira do chão. Isto revelou mais detalhes do intrincado padrão de linhas.

— Danton, venha aqui, por favor. — Chamou Ilya.

Skeniev aproximou-se desconfiado.

— Me empreste seu rifle. Todo ele.

O soldado teve tirou da mochila o cordão condutor, a caixa de carga e das costas, o rifle. Ilya desmontou cinco dos cristais que alimentavam a caixa de carga. Ao removê-los e colocá-los sobre o solo, percebeu o sutil padrão de energia no interior dos cristais oscilando.

— Existe campo manótico aqui — constatou o rapaz.

Balkan confirmou — é verdade. Posso sentí-lo, tênue, mas presente.

Halle saiu do canto e se aproximou, interessado.

— Não é possível! — ele disse — Estas e outras tumbas já foram testadas minuciosamente por especialistas.

— Elkins estavam entre os especialistas? — indagou Balkan.

— Não, é claro. Elkins sempre se recusaram a visitar tumbas dos wlegdars.

— Hum, então pode ser isto! — Balkan estava animado.

— O que?

— O campo de ter sido ativado por Urguda. Afinal, em essência ele é um Elkin, e como sabemos, estes são primos dos wlegdars. Possuem a mesma herança física e energética.

— Vejam — indicou Ilya — apontando o emaranhado de linhas.

— O que?

— Aqui, não estão vendo? Em torno deste ponto focal da elipse.

— Hein? Do que ele está falando? — Skeniev gesticulou com as mãos para dar ênfase.

— Você tem um giz aí, Halle?

Halle tirou uma pedra da mochila e entregou a Ilya.

Ilya ficou de joelhos e engatinhou até completar um círculo de cerca de dois metros de diâmetro. Traçou com o giz um círculo perfeito, simplesmente seguindo uma das centenas de linhas que se cruzavam num padrão confuso. O círculo saltou aos olhos de todos e se perguntaram como era possível não tê-lo visto antes.

— No mapa do complexo de ruínas — Ilya explicou — há grande importância para os pontos focais das elipses que se cruzam. Várias delas, compartilham pontos focais umas com as outras. Parece que de uma maneira distinta de nossa thaumato-física, os wlegdars tinham domínio dos mesmo princípios. Suas construções e naves parecem ter sido construídas com o intuito de canalizar e centralizar campos manóticos, assim como nossas armas e veículos fazem.

Ilya soprou o chão e um pouco de pó saiu fazendo aparecer um orifício. Na realidade, milhares de pontos como aqueles se espalhavam pelo salão sem formar qualquer padrão geométrico reconhecível. Ilya encaixou no orifício a ponta mais fina de um dos cristais do rifle de Skeniev. Deixou-o reto e firme e colocou outros em pontos que tangenciavam a esfera destacada, dividindo-a em quatro partes iguais. A energia dos cristais fluiu para dentro do solo e a linha riscada de giz, brilhou numa tonalidade púrpura e vibrante, também conhecida como luz negra.

Urguda disse alarmado — Ilya, meu rapaz, tem alguma ideia do que está fazendo?

Ilya deu com os ombros. Tudo aquilo apenas lhe parecia natural, pois combinava perfeitamente com os modelos de equação que havia desenvolvido no dia anterior.

Uma forte sequência de estalos soou, como se a rocha adormecida por séculos despertasse num sobressalto. Aquilo assustou a todos. Balkan sentiu o chão vibrar e precisou realinhar os pés para manter o equilíbrio. Todo círculo central começou a afundar. A movimentação iniciou lenta e depois acelerou. Antes que ficasse distante demais, Halle, movido por extrema curiosidade resolveu saltar para dentro da plataforma, deixando apenas Skeniev para trás, ainda atônito.

— Arranje uma corda, Danton — pediu Halle enquanto desciam — poderemos precisar!

Então os três afundaram mais e mais. Skeniev ficou assombrado ao ver a luz que eles carregavam encolher até tornar-se um ponto, denotando um túnel muito profundo.

O chão tremia e Balkan, assustado, atirou-se no chão — Grandes gênios! Quando isso vai parar?

Halle estava de joelhos. Sob a velocidade de descida incrível, sentiu seu estômago leve, como se quisesse sair pela boca.

Quando todo o movimento cessou, ficaram um tempo olhando ao redor, embasbacados e sem conseguir entender bem o que viam. Estavam num salão impossível. Nenhuma construção humana se compararia àquilo em termos de proporções. A luz da lamparina parecia escorregar lentamente e tecer um desenho de sombras geométricas em parede longínquas. Milhares de cápsulas semi-transparentes estavam dispostas em círculos concêntricos na horizontal e presas a colunas de pedra, ou metal, que se erguiam por centenas de metros até o topo do salão. Presas a estas colunas colossais, andares e mais andares de cápsulas, havia milhares delas...

Ilya percorreu com os olhos e sussurrou — Trinta e seis mil... Não! Céus! Muito mais! — caminhou por entre as colunas percebendo o padrão pelo qual se expandiam — Quarenta e seis mil e oitocentas.

Halle chegou próximo de um dos casulos e o examinou. Era turvo, mas não era vidro. Sua superfície era ligeiramente macia.

— A luz, Ilya, a luz! — pediu Halle.

Ilya demorou um pouco para responder, pois estava completando mais alguns cálculos. Balkan foi até Gregorvich, tomou a lamparina de sua mão e levou até Bremmen. Seu coração estava acelerado, tinha medo, mas também, muita curiosidade.

— Que horror — sussurrou Urguda, mas nem mesmo Ilya pode ouví-lo.

Com a luz bem próxima de uma das cápsulas, Balkan e Bremmen puderam ver que em seu interior havia uma sombra. A silhueta de um ser humanoide.

— Veja — observou Balkan — Quatro dedos!

Halle retrucou — wlegdars?

— Não, menodrols.

— Cinco milhões, cinquenta e quatro mil e quatrocentas unidades — disse Ilya em voz alta produzindo um pouco de eco.

— Cinco milhões? — riu Balkan olhando ao redor — Ridículo!

— Se somarmos as demais cento e oito tumbas do complexo.

— Isso significa... — Urguda ia dizendo, mas foi interrompido por Halle.

— Que estamos fudidos se essa galera acordar!

— ...significa — prosseguiu Urguda, sua vozinha vibrava de horror — que quando derrotamos os malditos, séculos atrás, não era o fim... Eles... Eles se deixaram derrotar.

Balkan pensava alto — A invasão pode estar ligada... E se estiver... Grandes Gênios!

— Agora tudo faz sentido — declarou Ilya.

— Hã? Como assim? Por que para mim, frango, está tudo muito confuso. Essas metades de raciocínios do vozinha e do Balkan não fizeram sentido nenhum...

— E talvez não façam — retrucou Ilya — Não me referia a nada disto! É a geometria e os números. Agora eu sei onde está a peça faltante. Os mapas — ele pediu a Halle.

O veterano tirou-os da mochila e Ilya colocou-os no chão. Os três se agacharam para examiná-los.

— Aqui, o eixo principal. É uma hipérbole! O foco está aqui, fora. Ilya apontou um ponto com o dedo, distante do complexo de tumbas, no meio da cordilheira, além de Vetrocrav.

— A cidadela de Kaleor... — murmurou Urguda.

— Não foi destruída? — indagou Balkan.

O monstrinho estava chocado — Não. Depois do que vimos aqui hoje, compreendo que não. Não completamente...

— Então a ruína está sob a velha Kaleor! Como não pensei nisso antes? — Halle estava emocionado. Abraçou Ilya, mas logo se arrependeu torcendo os lábios quando seu rosto tocou a pele fria e úmida de Urguda.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top