A frente de batalha
Aquela batalha era a coisa mais assustadora e caótica pela qual Ilya já havia passado. Chegou a desejar que seu inimigo fosse novamente o Vorn-Nasca em lugar das centenas e centenas de menodrols que desembarcavam na costa disparando seus rifles. O frio da manhã fora substituído pelo calor e agitação da batalha.
— Corram, corram! — ordenou o tenente Soukanthikoff.
Ilya não precisava daquela ordem, pois já estava correndo. Atrás deles, um dos fortes quase arruinado tremia consumido por chamas azuladas e esverdeadas das bombas lançadas pelos navios inimigos.
Mais uma explosão caiu por perto produzindo um cogumelo de fumaça negra e fogo verde. Uma chuva de terra e detritos fumegantes caiu sobre os membros remanescentes do pelotão de Ilya. O rapaz tropeçou e rolou sobre a terra enlameada apagando pequenas labaredas que tomavam seu uniforme. Outros também haviam sido projetados pela explosão. Ilya ficou zonzo no chão com os ouvidos apitando.
— Balkan, de pé! — gritou Soukanthikoff.
Skeniev estava igualmente imundo, mas de pé. Deu a mão para o aspirante e depois veio para auxiliar Ilya a se erguer. O forte estava perdido, mas ainda resistiam outras torres e casamatas nas proximidades. Milhares de inimigos desembarcavam na praia, bem abaixo, e subiam correndo e atirando contra o fogo dos canhões e metralhadoras das fortificações menores. Reagrupados, puderam examinar os arredores. O tenente percebeu que uma casamata, distante uns cem metros deles, parou de disparar contra o inimigo. Os operadores do canhão tinham sido abatidos. Uma boa centena de menodrols tomava proveito da situação e subia para conquistar o ponto de defesa.
— Vamos homens! Temos que retomar aquela posição à qualquer custo! Skeniev, a mim!
Skeniev recebeu do tenente uma garrafinha que Ilya soube ser super-soro. Recebeu instruções e após bebê-la, o soldado desceu até a fortificação correndo numa velocidade espantosa. Os doze homens restantes do pelotão seguiram Skeniev. Ilya hesitou e não os seguiu, ao invés disso encontrou um ponto para parar e atirar contra o inimigo. O estômago estava revirado e sua mente pensava apenas uma coisa "Matar, ou morrer". De joelhos, tomou mira e abateu um menodrol com um tiro certeiro no peito. Mesmo daquela distância, de mais de cem metros, seguiu abatendo inimigos que subiam para casamata como um enxame de insetos. Calculou que em menos de um minuto, trinta ou mais inimigos chegariam à casamata. Seus treze companheiros travariam combate direto sob grande desvantagem.
A parte final da subida à partir da praia era inclinada, mas não requeria escalada. Ilya surpreendeu-se quando avistou uma serpente voadora translúcida que se movia como um chicote no ar. Vários menodrols foram derrubados pela criatura convocada pelo aspirante Balkan. Com isso, Skeniev conseguiu chegar e voltou a disparar o canhão derrubando menodrols aos montes. A posição estava temporariamente segura. Só então, Ilya resolveu descer. A casamata tinha apenas três cômodos, o central com o canhão e os laterais com pequenas janelas para atiradores. Havia homens abatidos no chão. Viu Balkan ajoelhado no cômodo da direita traçando símbolos na parede com giz branco. Então, Ilya foi tomado por um deja vu. Já havia visto aquela cena, exatamente daquele jeito.
Balkan era o rapaz que vira morrer em seu sonho!
A explosão era eminente. Ilya entrou e puxou Balkan pelo braço pondo-o de pé.
— O que há Gregorvich?
— Venha, não há tempo para explicar!
— Mas o tenente ordenou...
— Ora que se dane! Vem comigo agora!
Desconcertado, ele seguiu com Ilya. No momento em que saíam da construção escutaram o tenente gritar.
— Para fora! Rápido homens, para fora!
Mal tiveram deram uns passos e a casamata explodiu sob as bombas atiradas pelos navios. Todos foram atirados no chão. Tudo girou e Ilya, Balkan, Skeniev e outros ficaram zonzos. Ao longe escutava vozes distantes dizendo: — Recuar! Recuar!
Ilya sentiu-se pesado e não conseguiu se erguer. Estavam todos cobertos de pó negro e cinzento. Apenas os olhos injetados e os dentes claros se destacavam nos rostos escurecidos. Fora atingido por um estilhaço na cabeça e um fio vermelho de sangue dividia sua face em dois. Balkan e Skeniev arrastaram-no até que conseguiu de alguma forma firmar os pés no chão e caminhar debilmente. A infantaria inimiga conquistou o morro contornando pelos dois lados a casamata que ardia em chamas amarelas e esverdeadas.
— Linha de defesa! Atirem homens! — gritou o tenente.
Ilya se recuperou do choque e se ajoelhou junto com Skeniev para defender o flanco esquerdo. A vantagem do terreno mais alto persistia, mas agora era reduzida.
Ele e Skeniev derrubaram dois, depois mais dois dos que vinha à esquerda. O tenente e os demais ocupavam-se do flanco direito, porém acertando menos alvos que Ilya e Skeniev. O combate era cerrado e cerca de quinze menodrols avançaram morro acima. Dois membros do pelotão de Ilya sucumbiram. Balkan apavorou-se e procurou cobertura atrás de uma pedra, ao passo que o tenente avançou deixando de lado o trabuco em favor de um rifle. Este, cuja ponta parecia um espigão cheio de espinhos disparou. Um clarão cegou a todos momentaneamente e foi seguido por um trovão e de um zumbido chiado. Um raio elétrico propagou-se como um galho de árvore seca atingindo dez ou doze inimigos que tombaram para frente, horrivelmente queimados e envoltos numa fumaça branca.
Ilya e Skeniev continuaram a disparar e derrubar inimigos mesmo com a visão embaçada. Foi quando um disparo dos menodrols atingiu o tenente arrancando-lhe parte do tórax antes que o rifle de raios voltasse a disparar.
Restavam apenas cinco homens do pelotão. Cinco que resistiram à primeira onda de inimigos. O Aspirante Balkan, Ilya, Skeniev e dois soldados, Nereyt e Birke. Ilya esforçou-se para ficar de pé e cambaleou morro acima. Balkan viu o rapaz passar e foi prestar apoio enquanto Skeniev e os outros dois soldados davam cobertura para a retirada. Via-se fogo e explosões em todos os lados. Ao longe, os dois outros fortes ainda resistiam. Talvez por azar, o pelotão de Ilya estivesse no ponto fraco em que o inimigo rompeu as defesas e avançava.
Skeniev aproveitou uma oportunidade e avançou para recuperar o potente rifle de raios que estava com o tenente. Ficou de joelhos, pegou o rifle, também arrancou do peito a medalha de identificação do tenente e do cinturão, algumas cargas de cristal que brilhavam sob o toque de suas mãos. Também levou três frascos de super-soro, um de poder curativo e os outros dois que não soube identificar. Resolveu arriscar e tomar um destes. Sentiu-se zonzo e tudo pareceu parar. Viu quando uma segunda onda de menodrols emergiu pelos lados da casamata. Sentiu muita confiança e calma e, mesmo daquela distância, abateu dez menodrols sem errar nenhum disparo. Talvez, mais de uma centena de menodrols circundava a casamata naquele momento. Surgiam mais do que conseguiria abater, ficar ali seria suicídio, concluiu. Correu morro acima sob fogo de cobertura de Nereyt e Birke.
— Toma isso aqui, Gregorvich!
Ilya tomou o soro curativo e em instantes conseguiu voltar a andar sem ser apoiado por Balkan. O aspirante transpirava muito fazendo a sujeira escorrer da face e revelando o rosto muito vermelho. Respirava com dificuldade, praticamente sem fôlego.
Conseguiram alcançar um grupo de rochas que deu razoável cobertura e puseram-se a defender aquela posição sem muitas esperanças de sobreviver. Uma forte explosão arremessou um grande grupo de menodrols pelos ares.
— Reforços! — comemorou Ilya.
Da retaguarda, a artilharia disparava morteiros contra a horda de soldados que cobria a parte inferior da colina. A despeito dos morteiros, a massa de menodrols avançava. Uma explosão ao lado do grupo de Ilya abateu Birke.
— Fogo amigo! Fogo amigo! — Balkan gritou, em vão, com toda energia que lhe restava.
— Balkan! — Ilya gritou — Temos que sair daqui. Pelos céus, conjure algo!
Balkan caiu em si e pensou: "Sim, Vladmir!" O aspirante tomou a DP esférica em mãos e convocou o gênio. Um som de vento tomou o local e uma lufada radial abriu a fumaça em torno deles, deixando nítida a visão das proximidades. A criatura surgiu de um vórtice multicores que se desfazia à medida que surgiam as patas, tórax e por último a cabeça da criatura. Era um enorme lagarto de escamas verdes e azuis brilhantes, corpo esguio e forte, pescoço curto, cabeça que lembrava a de um lobo, exceto pela ausência de pelos e pelo par de cornos negros e curtos saindo de onde ficariam as orelhas. Balkan estava habituado a montar a criatura de estatura um pouco superior a de um cavalo. Ilya e Skeniev tiveram ajuda do aspirante para montar enquanto o soldado Nereyt apavorou-se com a aparição e correu.
O lobo-dragão corria e saltava vigorosamente e teria derrubado os três não fosse por um feitiço usado por Balkan que criou arreios com sela e estribos que se ajustaram ao trio. Mesmo com essa ajuda, ficar sobre o dorso era um desafio.
— Aguentem firme! — disse Balkan.
A criatura em meio a saltos sucessivos os levou para fora da zona de combate. Lá do alto, puderam assistir ao desenrolar. O forte da esquerda tombou, sob forte bombardeio. Parecia que as linhas de defesa ruiriam.
— Obrigado pela ajuda, Vladmir! — Balkan disse e convocou a partir de outra DP uma ovelha. O grande lagarto abocanhou-a em poucos instantes.
— Mas o quê? — adminou-se Ilya.
— Vladmir precisa comer, sabe?
— Você não disse que as outras garrafinhas estavam vazias?
— Não exatamente vazias, o que quis dizer é que não traziam gênios.
Vladmir comeu ferozmente até ficar satisfeito e deixou de lado carcaça da ovelha. Estremeceu e girou uma vez antes de prostrar-se no chão. Balkan ativou a DP e a criatura de desmanchou-se gradualmente até sumir.
Um zumbido chamou a atenção do trio. Era o som do um veículo se aproximando em alta velocidade, um carro pequeno e estranho. O chassi era de um carro de passeio, mas tinha eixos largos e pneus grandes. Uma nuvem de poeira subia no rastro deste na medida em que avançava pelo terreno irregular chacoalhando e guinchando, como se fosse se desmontar. Seus vidros estavam imundos impediam de ver quem estava dentro.
O sangue de Ilya chegou a gelar quando pensou que o carro iria atropelá-los. Porém, pouco antes disso, numa manobra rápida o veículo freou girando de lado até parar a poucos metros do grupo.
A porta se abriu e um sujeito saltou para fora. Usava um capacete antigo, do período imperial, túnica verde escura, botas e luvas de couro marrom e uma jaqueta volumosa do mesmo material. No rosto, óculos largos para proteger da poeira e um lenço que protegia o pescoço, colocado sobre a face.
— Ilya? — disse o homem — Frango? É você mesmo?
— Halle? — Ilya mal pode acreditar, pois julgava que o amigo tivesse morrido.
— Vambora Frango, não temos tempo para papear.
— Não mesmo! Não vou me tornar desertor! Isso seria assinar minha sentença de morte.
Halle colocou os óculos sobre a testa e puxou o lenço para baixo, revelando seu rosto. Ele sorriu — Eu pareço morto? Vambora Frango, morto você vai estar se ficar nesta frente de batalha maluca por mais um dia!
Skeniev notou que o terceiro forte já estava envolto em chamas e comentou — Acho que seu amigo tem razão.
— Eu bem que poderia me aproveitar de uma carona para longe daqui — concordou Balkan.
— Vamos logo! Se tiverem sorte, serão apenas dados como mortos!
— Não é que isso é uma ótima ideia? — Skeniev tirou seu colar de identificação e fez menção de descer morro abaixo.
— Nem pensar — retrucou Halle — Vamos agora, não vou esperar nem mais um minuto sequer.
Um explosão atingiu a colina uns poucos metros abaixo.
Skeniev deu com os ombros e resmungou — Teria sido uma ótima saída...
— Este é Skeniev e... — Ilya foi interrompido.
— Sou Ian Balkan.
— E eu, Halle Bremmen. Vamos cambada, todos subindo!
Os quatro tiveram que escalar para subir no veículo que tinha pneus altos e não havia sido adaptado para entrada e saída. Era escalar para subir e saltar para descer.
Ilya sentou-se ao lado do motorista e os demais no banco traseiro.
— Como me achou num lugar como esse? — Ilya quis saber.
— O velho Xir me deu instruções precisas. E agora...
Uma outra explosão fez com que deixassem o assunto de lado. Halle deu partida no motor e arrancou. Ilya mergulhou em seus pensamentos. Devia haver um motivo para o velho elkin mandar buscá-lo...
— Não acredito na nossa sorte! — disse Skeniev.
— Sorte? Essa é boa... — retrucou Halle — já deixei de acreditar nisso há um bom tempo.
— Então crê em destino? — indagou Balkan.
— Deixe-me dizer no que acredito... Acredito que estamos todos encrencados!
— Você diz, nós quatro? — rebateu Balkan.
— Não aspira, acho que ele quis dizer, nós, de Durkheim. — concluiu Skeniev, amargo.
— Antes fossemos apenas nós. A coisa deve ficar feia para todos, Durkheim, Karisheim, Horff, Salzbragg, Nargom Ertax, Sisqua e até mesmo para os Makluskey.
— Uma guerra mundial? — arriscou Skeniev.
— Já ouviu a expressão, essa é apenas a ponta de um iceberg?
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