Capítulo 15

Ivy

Minhas temporadas latejam. Embora esteja pelo menos trinta graus lá fora eu estava suando frio. Que porra estava acontecendo comigo? As lembranças inundam minha mente de uma vez. Me sento rápido na cama e a dor de cabeça piora, tudo parecia girar e como se não bastasse me sinto enjoada.

— Ei, eu tô aqui — ele segura minha mão.

Tenho que forçar a vista para que o borrão na minha frente suma e eu finalmente consiga vê-lo.

— Erick... — digo seu nome e após uma pausa eu formulo o que eu queria saber — O que você sabe sobre a situação da alcateia?

Ele fica em silêncio por alguns segundos, pensando em maneiras de responder e eu me preocupo.

— Eu não sei nada, só sei que devia descansar.

— Para... — peço — Por favor, não mente pra mim.

Meus olhos recuperam totalmente o foco e eu observo sua expressão preocupada. Erick acaricia meu cabelo. O gesto não serviu para apaziguar a dor mas ao menos era reconfortante.

— O que você foi realmente fazer lá no dia em que nos conhecemos? — pergunto.

Desconfiava que ajudar uns lobisomens a fugir para um lugar melhor era tudo o que ele foi fazer, não fazia sentido, aquilo não era problema dele. Pra que se dar ao trabalho apenas por caridade? Lembro da história de sua antiga companheira, de como aquela era a alcateia dela... Tenho a impressão de que ele esconde muita coisa de mim desde o momento em que nos conhecemos, e eu não aceitaria "nada" como respostas, éramos companheiros e ele precisava confiar em mim para compartilhar esse tipo de coisa.

— Alguns dias antes de sair eu recebi a informação de que ele estava indo pra sua alcateia. Eu sabia que estavam passando fome há algum tempo, por isso eu consegui me infiltrar por tempo suficiente pra me comunicar com as pessoas de lá e oferecer ajuda, mostrei a elas como chegar aqui caso precisassem fugir.

— Ele quem? O Supremo?

— Eu não fui lá só pra oferecer abrigo, eu fui lá pra mata-lo.

Tento associar o que acabei de ouvir com alguma informação que talvez eu tenha perdido. Ajudar era uma coisa, agora matar? Até onde eu sei eu era mais prejudicada ali, afinal eu vivi lá a vida inteira, eu tinha mais motivos para matar o Supremo do que ele.

— Eu não tô entendendo...

— Não se preocupe com isso agora, quero que descanse.

— Eu não posso descansar, ele está com a minha família! — ergo a voz — Quero saber qual o motivo!

Erick cerra o maxilar, odiando meu tom de voz, odiando a ideia de ser compelido a dizer algo, mas eu não estava nem aí para seu ego no momento.

— Erick?! — alguém vem chegando.

Me ajeito na cama conforme os passos se aproximam. Que ótima forma de começar o dia. O dia estava começando? Não sei dizer ao certo, mas ao olhar pelas janelas o sol lá fora parecia mais fraco, estávamos no meio da tarde.

— Desculpem, estou interromependo algo? — Makayla chega interrompendo.

— Não — Erick se levanta.

— Finn está aqui, ele quer falar com você.

— Ok — ele vai em direção a porta e para, penso que vai me dizer algo, uma despedida talvez, mas não — Traga algo para ela comer, por favor.

Erick sai pela porta, alguns segundos se passam até que a raiva me consome e eu atiro o travesseiro no chão, fazendo Makayla dar um pulo de susto. Me levanto rápido demais, acabo me sentindo mais tonta do que quando acordei.

— Ei? Que isso? Calma... — ela vem para o meu lado me ajudar a sentar novamente — Acho que eu interrompi uma briguinha pelo visto.

— Uma briguinha? — vocifero. Não lembro de um momento onde me senti tão raivosa e doente ao mesmo tempo — Você tem noção do que Erick quer com a minha alcateia? Se tem alguma possibilidade da minha família ainda estar viva eu tenho que saber. O que você sabe sobre isso?

— Eu não sei nada mesmo, desculpa, ele não discute nada disso comigo e eu também não saberia como ajudar... Eu entendo que esteja assim, o bebêzinho mexe com o nosso humor, não é?

Makayla pronuncia as palavras com tanta naturalidade e tranquilidade, como se eu já soubesse e ela estivesse apenas comentando um fato notório em uma conversa informal. Eu paro subitamente, prendendo a respiração, e até minha dor de cabeça parece dar uma trégua para que eu absorva a informação. Minha falta de reação faz com que ela prossiga:

— Como eu sei? Magia de sereia... — ela dá de ombros — Parabéns?

Suspiro me sentindo derrotada. Eu não vou fingir que estou surpresa... Estou em choque na verdade, mas aquilo não era nada fora do comum... Afinal, o que eu achei que fosse acontecer depois de transar sem nenhum tipo de proteção?

— Eu preciso da sua ajuda — digo me acalmando, um pouco surpresa pela minha própria atitude. Será que eu finalmente estava amadurecendo?

— Pra que?

— Não conta pra ele, ou pra ninguém, ainda não — peço.

Makayla assente. Ela me ajuda a levantar e eu não tenho certeza se a notícia fez meu corpo dar uma trégua nas dores e tontura. A cada passo que eu dava eu me sentia um pouco melhor, por isso ao invés de seguir Malayla em direção a cozinha, eu fico invisível e vou para fora, tomando o cuidado de esconder meu cheiro também.

Erick cumprimenta um homem como se não o visse a muito tempo, mas ainda assim estava contido.

— Vi você quando os refugiados chegaram mais cedo, e os outros já estão recuperados e querem ir embora, eles não se sentem bem em uma terra estranha vivendo sob o domínio de seres que não são de sua própria raça — diz o homem que eu julgo ser o tal do Finn.

— Eles disseram isso?

— Não explicitamente, mas Makayla pode sentir as emoções deles, estão angustiados. Não se cobre tanto, você fez o que pode, tenho certeza que ela ficaria orgulhosa de você...

— Não me importo mais tanto com ela — Erick responde desviando o olhar, como se fosse difícil admitir — Eu encontrei minha companheira, ela estava na mesma alcateia dela, eu a trouxe comigo.

Finn não diz nada, parece pensar a respeito e de repente franze o cenho.

— Aquela garota que tava com você... — Finn começa — A ruiva, magra de cabelo cacheado... É ela?

Sinto uma pontada de desdém em sua voz e quase pulo em cima dele pra esmagar seu pescoço, mas se Erick não disser nada nos próximos segundos será no pescoço dele que vou pular.

— Sim — ele responde firme, não gostando de seu tom.

— Ela não te lembra ninguém? — Finn quase grita com ele.

Erick suspira de olhos fechados, já tinha visto aquilo, o tipo de expressão que estava se controlando para não dar na cara de alguém.

— Acha que eu não sei disso? Acha que eu não queria que fosse ela?

— E não é? Cara acorda elas são idênticas, pelo menos até onde eu me lembro...

— Eu não ligo pro que você acha. Lyanna morreu e Ivy está viva, eu vou protegê-la não importa o custo, não importo se ela acabe me odiando, não vou perdê-la.

Não faço ideia do que estão falando, mas não posso perder tempo. A última frase de Erick me fez perceber que eu mesmo teria que agir, afinal ele havia acabado de dizer, eu não sairia dali se dependesse dele.

Saio dali em direção a... Aonde? Eu não podia voltar pra casa de Makayla, ou pra casa de Erick, e não conhecia mais ninguém ali que eu pudesse pedir ajuda. Tinha que encontrar os refugiados que estavam querendo ir embora e me juntar a eles. A ideia de deixá-lo sem me despedir era dolorosa, mas o que mais eu poderia fazer? Deixar minha família para trás era mais doloroso ainda.

Não importava se eu era adotada, não importava se mentiram pra mim dizendo que eu era loba e que não conseguia me transformar porque ainda não tinha um companheiro, apesar de eu sempre querer acreditar nisso, era óbvio que era mentira. Todas as outras meninas da minha idade conseguiam se transformar desde a adolescência, menos eu.

Ando sem rumo por sei lá quanto tempo, até que percebo que estou no meio da mata. Não tenho certeza se foi por aqui que viemos, mas continuo na esperança de achar a saída secreta e voltar para a floresta gelada e infinita. Até ali no meio de tanta sombra era quente, abafado. As árvores vão diminuindo aos poucos, vejo uma cobrinha verde enroscada num galho alto e aperto o passo. Ser picada por uma cobra era só o que me faltava.

Depois de andar por quase uma hora, eu chego na outra ponta da ilha. Dali dava pra ver outras duas ilhas menores no meio do mar, e mesmo dali eu podia ver construções antigas e abandonadas. Ando mais um pouco e quase caiu ao esbarrar em algo enterrado na areia. Me agacho para desenterrar um... Brinquedo?

Retiro o carrinho de madeira, a tinta estava desbotada, como se fosse antigo e estivesse ali há muito tempo. Dou uma olhada em volta, aquela parte da praia era deserta, e a esquerda havia mais construções em ruínas.

Deixo o carrinho no chão e vou caminhando até lá.

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