Capítulo 1

Ivy

— Não deixem aquela vagabunda escapar, dessa vez ela foi longe demais...

— Supremo, por favor, eu imploro... — vejo de longe minha mãe chorando.

Ele ignora. Havia se tornado um homem frio desde que perdera a companheira, não que isso me livrasse da culpa.

— Aqui tem dez mil lunares pra quem trazer ela para mim — ele ergue uma sacola preta no ar, pelo barulho com que caiu no chão estava pesada.

A situação acabou de piorar muito pro meu lado.

— Apesar de terem acobertado aquela filha da puta durante todo esse tempo, podem participar da caçada, claramente precisam do dinheiro — o Supremo fala com desdém.

Tá, deixa eu voltar do início pra você entender porque eu tô tão fudida agora.

É bem simples, na verdade.

Eu sou a salvadora.

Uma profecia muito antiga foi feita há séculos atrás e nela dizia que uma garota pobre, humilde, ruiva e linda iria derrotar o Supremo Alfa e salvar seu povo das mãos daquele tirano filho da puta.

Gostou? Hahaha.

Você não acreditou mesmo nessa história, né?

— ANDEM LOGO, QUERO TODOS OS RASTREADORES NA FLORESTA AGORA! — o tirano grita.

Tá, agora deixa eu contar a verdade enquanto eu corro.

Meu nome é Ivy-Rose, só Ivy já está bom. Sempre gostei de narrar todas as partes da minha vida como se fossem um filme. Vi filmes poucas vezes na loja de um senhorzinho gentil na infância, até que a loja faliu. Minha família era pobre demais para usufruir do luxo de ter uma televisão.

Voltando a história de narrar minha vida – eu acho que é uma puta forma de meditação, também uma forma de escapar deste mundo cinza e sem graça para um mundo onde eu era a heroína protagonista fodona que salvava todo mundo.

Isso era o que eu queria.

A realidade? Eu era uma ladrazinha miserável.

Mas, antes que você pense alguma do merda tipo: "Ai, mas isso é errado", "Você devia arrumar um emprego", "Isso é vergonhoso".

Quer saber o que eu acho? Você tá certo(a)!

Eu concordo com você, porém, deu uma olhada na minha alcatéia? Notou o povo chorando por migalhas porque o Alfa só concede permissão de caça aos amiguinhos ricos? Notou as roupas surradas das pessoas e as barrigas vazias? Notou como nosso querido Supremo fez todos se ajoelharem diante dele para ameaçar e depois ordenar que me capturassem?

Ok, acho que já deu. Você já deve ter entendido meu lado.

Eu não era nenhuma protagonista, não era uma pessoa importante nem nada, mas eu fazia o melhor que podia para ajudar meu povo. Estávamos praticamente abandonados.

O Alfa na maior cara de pau disse cinco anos atrás que nós, o povão, estávamos comendo muito e a comida estava ficando escassa, então surgiu a ideia brilhante de pedir comida às alcateias vizinhas e ao Supremo. A comida chegou por um tempo, mas logo eles mandaram para nós a mesma desculpa: a comida está acabando para nós então não temos como dividir com vocês.

O que eu fiz? Primeiro eu chorei de fome como só uma jovem adulta de 20 anos sabia fazer, depois eu peguei uma faca de cozinha, um capuz e uma pedra. Vocês já vão entender o motivo da pedra.

Deixa eu só...

Os lobos se aproximavam rápido, minhas perninhas mixurucas não conseguiam correr tão rápido. Olho para cima e começo a escalar a árvore em minha frente. Ao chegar bem no alto, pronuncio algumas palavras. Sinto meu corpo formigar e vejo que funcionou, estou invisível.

Lá embaixo, os lobos farejam as folhas no chão. Merda.

Penso em uma saída...

Noto algumas árvores mais ao fundo e movo as mãos, faço com que uns galhos se partam. Deu certo. Os lobos vão naquela direção e já posso descer da árvore.

Sinto algo escorrer no meu rosto, era sangue saindo pelo meu nariz. Minha cabeça doía um pouco, usar magia devia ser fácil para uma híbrida como eu, mas não tive com quem estudar ou aprimorar meus poderes, por isso, me cansava rápido.

— POR ALI! — ouço alguém gritar lá atrás. Volto a correr.

Onde eu estava antes de me interromperem? Ah sim, a pedra. Um belo dia escutei o despertador tocar e... Mentira, não tínhamos despertador, tínhamos um galo dois anos atrás, mas tivemos que vender. Certeza que virou comida.

Um belo dia eu acordei e decidi que não ia mais ficar sentada sem fazer nada, não podia entrar na floresta, era vigiada por centenas de lobos do Alfa e os pobres lobos camponeses que tentavam acabavam sendo chicoteados em praça pública, igualzinho os tempos medievais. Então, eu tive a ideia de roubar.

Meu método começou bem simples: o capuz era para não revelar minha identidade secreta, a faca era para o caso de surgir algum problema. Já a pedra... Eu pegava uma pedra e tacava em uma janela, ou um carro, ou em qualquer coisa de valor que fizesse barulho. Enquanto todos estavam distraídos, eu entrava e pegava um pouquinho de comida, não ia fazer falta para os riquinhos.

Com o tempo, eu comecei a ficar gananciosa e aprimorei meus métodos. Arrumei uma corda, amarrei ela na janela do sótão de uma casa e a outra ponta no telhado de uma mercearia. Eu tive até um ajudante, o Jason.

Deslizava com um pedaço de madeira pela corda até chegar na casa, pegava o que precisava e saia. Algumas vezes era preciso nocautear alguém, Jason era bom nisso.

Ele também era uma ótima distração em algumas noites frias... Ele as deixava um pouco mais quentes... Enfim...

É óbvio que eu não ficava com tudo só pra mim, nós dividíamos com as outras famílias. Éramos como Robin e Hood. Não me pergunte se o nome está certo porque eu só ouvi essa história uma vez na escola e eu tinha quatro anos. Eu gostava, era legal. Até que um belo dia o supremo resolve visitar a alcatéia... E eu resolvi roubar dele.

Era uma jóia, não podia comer, então, não valia muita coisa pra mim. Pensei que seria justo tirar algo valioso dele, já que ele nos deixava passar fome.

Erro meu.

Minha vingança deu totalmente errado, como pode ver.

Ainda estou com o colar. Aparentemente era para ser da companheira dele, mas ele nem tem uma... Não sei porque está tão bravinho.

— Ali na frente! — ouço vozes se aproximando. Que saco.

Eu devia estar perto do limite do território, me escondo atrás de uma árvore e me dou o luxo de parar por alguns segundos. A invisibilidade não duraria pra sempre e logo sentiriam meu cheiro.

Minha barriga ronca. Porra, o imbecil nem havia me deixado tomar café da manhã.

Eu estava faminta, exausta e encurralada.

Magnoria Falls era uma floresta infinita e eu não sabia nem ao menos para que lado deveria ir e apenas voltei a correr sem rumo. Possuía apenas minha fraca magia comigo e uma mochila que peguei às pressas. Sozinha eu não tinha chance, em breve a alcateia me alcançaria.

Precisava de alguém pra me guiar, precisava de alguém pra me proteger.

Cometo o erro de olhar pra trás e tropeço na porra de uma pedra e caio no chão igual uma anta. Sinto minha pele arrepiar quando ouço algo se aproximando.

Era sútil, não era como um lobo que saia quebrando todos os galhos pela frente e fazendo barulho para assustar a presa. Não éramos caçadores sutis, por isso caçavam em bando. Ele surge entre as folhagens, um grande monstro laranja com listras pretas. Grande demais pra ser um tigre comum, ele era Shifter. Poderia me ajudar.

Estava prestes a falar com ele quando ouço uivos e olho para minhas mãos. Cacete, eu não estava mais invisível.

O tigre sente meu cheiro e olha na minha direção, ergo uma mão em direção a ele e reúno todas as forças para fazer com que aquilo dê certo. Era minha única chance, não havia tempo pra explicar.

— Me desculpe... — Digo para o tigre assim que termino. Levanto e saio correndo.

Não fico ali pra ver se deu certo, havia sido um tiro no escuro. Eu já tinha feito alguns feitiços rápidos de controle em Jason só por brincadeira, nunca tinha feito algo assim. Se tiver funcionado, espero que ele entenda que eu não tive escolha.

Ai, Deusa. Por favor, me proteja.

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