Capítulo 4
Duas horas depois, ficou extremamente claro que isso não ia acontecer. O relógio zombava de mim ao ostentar seus ponteiros indicando a meia-noite, e eu, apesar de cansada, não conseguia fechar os olhos.
Sendo assim, decidi pegar um copo com água, mas não querendo acordar as minhas criadas, levantei-me da cama e saí do quarto sem fazer barulho. Só quando eu já tinha descido as escadas, foi que eu percebi que não sabia nem onde ficava a cozinha. Frustrada, virei-me para voltar ao meu quarto e pedir ajuda, mas então eu notei uma porta aberta, revelando uma estante de livros. Olhei ao redor e só vi dois guardas ao longe, provavelmente protegendo a saída para o jardim, do qual meu quarto tinha uma vista maravilhosa.
Curiosa, apressei-me e passei pela porta, estacando com o que vi. À minha frente, estava a maior biblioteca que eu já tinha posto os olhos na vida. Com certeza os livros que eu queria estavam ali em algum lugar, então comecei a passear pelas estantes a procura deles. Certo, já era tarde, mas porque eu não deveria fazer isso? Ler um pouco poderia me ajudar a dormir. E ninguém precisava ter conhecimento de nada.
Uns minutos depois, subi num banquinho para conseguir alcançar os livros mais altos da segunda seção da letra C. Eu estava quase achando um dos meus títulos preferidos quando um som me paralisou.
— Quem está aí? — Perguntou alguém num tom de voz um pouco grosso, altivo e de ordem.
Não consegui acreditar no tamanho do meu azar. Como eu ia me livrar dessa?
— Se não aparecer agora, chamarei os guardas.
Oh não! É melhor eu sair e ser repreendida logo de uma vez. Certamente serei mandada de volta para casa agora mesmo.
Suspirando, comecei a me mover. Só que na tentativa de descer do banquinho, meu nervosismo acabou me descoordenando e eu caí em cheio no chão.
— Ai! — Gritei involuntariamente.
Pude ouvir a pessoa que falara se aproximar correndo, guiada pelo meu barulho. E quando ela despontou do lado da estante, todo o sangue do meu rosto sumiu.
— A senhorita está bem? — Perguntou o príncipe Osten, com o semblante preocupado, observando-me de longe.
— Alteza, eu posso expli...
— Não é hora para isso. — Ele se aproximou de mim e sentou-se ao meu lado. — Veja, está sangrando. — Disse, apontando para o meu joelho ralado. — Precisamos limpar isso. Vamos.
Antes que eu pudesse assimilar suas palavras, o príncipe se levantou, me pegou no colo e foi em direção a uma estante. Logo após, ele retirou um livro dela, fazendo uma porta secreta se abrir à nossa frente. Eu não sei se eu estava mais espantada com o fato de estar nos braços dele ou com a existência de portas em estantes assim como nos contos.
— Ainda bem que o meu pai, e agora a minha irmã, ainda mantêm os abrigos supridos com todos os tipos de materiais, inclusive os de primeiros socorros. — disse ele, passando pela porta, que se fechou assim que entramos.
Ele me colocou sentada num grande banco de madeira e começou a vasculhar o lugar enquanto eu ficava cada vez mais desconcertada com toda a situação. Se eu queria ir embora do palácio? Sim, queria. Mas não na primeira noite, seria humilhante demais.
— Alteza, eu sinto muito. — Tentei me explicar.
— Por ter caído? Não sinta. — Ele falou, e sua voz denotava certo bom humor. — Não é como se você pudesse controlar isso.
— Não mesmo. — Eu sorri.
— Ah, aqui está. — Disse, pegando uma caixa branca.
Ele veio até mim e se ajoelhou na minha frente. Quando ele levantou a cabeça, nós dois nos encaramos e eu percebi que seus olhos eram muito mais bonitos assim, ao vivo e de perto. Ok, acabei de constatar que eu tenho uma certa fixação pelos olhos dele, mas nada muito grave.
Quebrei o contato visual, sem poder evitar corar com o ato. O príncipe baixou a cabeça e começou a tratar do meu machucado.
— Sabe, — disse ele. — eu não esperava me ajoelhar na frente de ninguém logo na primeira noite.
Eu ri do seu comentário. Com ele naquela posição, eu quase me permiti imaginar como seria a cena se na verdade ele estivesse com uma caixinha de veludo e não uma pomada na mão. Quase. Parei-me a tempo de fazer isso ao lembrar-me de que ele devia agir assim com todas as garotas.
— O que houve? Você cessou a risada de repente. Está doendo muito?
— Não, eu só estou tentando entender você, Alteza. — Fui seca. Não podia permitir qualquer aproximação muito íntima.
Ficamos em silêncio até ele terminar o curativo. Quando isso aconteceu, ele guardou a caixa de primeiros socorros e veio sentar-se ao meu lado no banco de madeira.
— Como assim, tentando me entender?
— É melhor nós não falarmos sobre isso, Alteza. A propósito, como vamos sair daqui? — Desconversei.
— Bem, pois eu quero falar sobre isso. — Ele rebateu. — Mas só para te mostrar que você não é obrigada a nada, eu vou abrir a porta com a minha chave e você vai poder sair quando quiser.
Ele bateu a mão no bolso do paletó, depois nos bolsos da calça e franziu a testa. Fez os movimentos de novo e empalideceu. Não, não me diga que ele...
— Perdi a chave. — Disse, completando meus pensamentos. — Ou melhor, não perdi, eu não a trouxe já que não esperava entrar em nenhum abrigo.
— O quê? — Levantei-me num sobressalto, só para sentir uma pontada de dor no joelho. — Ai! — Gemi, sentando-me de novo.
— Fique calma, senhorita Wightman.
— Como faço isso se nós estamos presos aqui, sem nenhuma chance remota de sairmos? — Me desesperei. — E desde quando você sabe o meu nome?
O príncipe olhou para o teto, parecendo estar sem jeito. — Bem, eu olhei as fichas da Seleção algumas vezes. — Me senti uma tola completa. — E, tecnicamente, nós poderemos sair daqui em dois dias.
— Dois dias? — Exclamei horrorizada.
Ele voltou seus olhos para mim. — Sim. Como quase ninguém mais usa esses abrigos, provavelmente ninguém irá nos procurar aqui, mas as trancas da porta são abertas automaticamente em dois dias. Esse mecanismo impede que as pessoas fiquem presas e esquecidas.
— Não podemos gritar por ajuda?
O príncipe suspirou. — Esse abrigo contém abafadores de som. Não podemos ouvir ninguém, e ninguém pode nos ouvir.
— Nós vamos passar necessidades. — Constatei o que me parecia óbvio.
— Não necessariamente. Como eu disse, apesar de não serem mais usados, os abrigos ainda são abastecidos com suprimentos. Nós temos comida e água para pelo menos 1 semana. E quanto as outras necessidades fisiológicas, há um pequeno banheiro ali no fundo.
— Me diga que isso é um pesadelo. Melhor, belisque-me para que eu acorde.
O príncipe Osten sorriu. — Não é tão ruim assim. E agora você pode me dizer o que significa realmente "tentar me entender".
— Sabe, — avisei — você não vai gostar da resposta.
— Não me importo, pode falar. — Deu de ombros.
— Não tenho alternativa, tenho? — Suspirei. — Não tenho certeza se você é o que eu procuro. — Preferi contar parcialmente a verdade ao contrário do que fiz com as garotas. Mas decidi omitir os fatos mais pessoais, como o desastre aos meus cinco anos.
Ele arqueou as sobrancelhas, surpreso. — Perdão?
— Eu não quero ser mais um impulso na sua fama de príncipe "Destruidor de Corações".
— Príncipe "Destruidor de Corações"? — Ele ficou levemente irritado. Mas para o azar dele, eu também fiquei. Ainda não tinha esquecido sua reação à minha foto. E tinha acabado de descobrir que ficaria trancafiada num espaço minúsculo por dois dias. Estava no meu limite.
— Isso, você jura amor eterno para as garotas, faz elas ficarem caidinhas por você e depois as descarta.
— Espere aí, você lê e acredita naquelas porcarias de fofoca?
— Não, mas quase não tem como não ver uma reportagem sobre uma nova "conquista" sua assim que ela sai. E quanto ao fato de acreditar, as entrevistas das garotas parecem bem convincentes.
— Você não deveria me julgar sem antes me conhecer.
— Assim como você também não deveria, Alteza. — Rebati, seca. — Não pense que eu não vi sua expressão surpresa com a minha foto no dia do anúncio dos nomes. Estava clara sua desaprovação a mim.
— Você não sabe do que está falando! — Ele exclamou, se levantando muito mais irritado.
— Eu avisei a Vossa Alteza que era melhor não falarmos desse assunto. — Eu disse.
— Ah claro, era melhor deixarmos você continuar pensando que eu sou um monstro insensível. — Ele rebateu, irônico.
— Chega, é melhor nós tentarmos dormir, isso não vai dar em nada. — Falei, tentando apaziguar o clima. Afinal, íamos passar dois dias trancados juntos. Brigar não era o melhor jeito de fazer isso.
— Essa conversa ainda não acabou, senhorita Wightman, pode ter certeza. — Ele suspirou. — Mas por ora, acho melhor pararmos mesmo. Você parece cansada. — Sua irritação sumiu subitamente e só pude pensar em como ele ainda pensava em ser gentil comigo depois do que eu falei. Deve ser um truque para que eu deixe minhas defesas de lado. Só que isso não vai acontecer.
O príncipe Osten foi até uma das prateleiras, pegou dois cobertores e voltou para me entregar um. — A senhorita já deve ter percebido que aqui é muito frio, estou certo? — Assenti, quase tremendo. — Então seria melhor fazermos um só cobertor de duas camadas e dormirmos juntos. O calor dos nossos corpos também vão ajudar a nos aquecer adequadamente.
— De jeito nenhum! — Exclamei decidida.
— Olhe senhorita, eu já sei que você pensa que eu só quero me aproveitar de todas vocês e partir-lhes o coração, mas posso lhe assegurar que não sou esse tipo de homem. Precisa confiar em mim. Venha. — Ele tentou me convencer.
— Não. — Respondi, mas num tom já não tão forte quanto antes.
— Por favor, essa é a ideia mais sensata e você sabe disso. — Ele argumentou. E o pior era que eu sabia Física e Biologia suficientes para ter certeza de que ele estava certo.
No entanto, seria perigoso demais para mim dormir ao lado dele.
Balancei a cabeça e o príncipe suspirou, não irritado, mas derrotado. Em silêncio, ele simplesmente se afastou dois passos e se deitou no chão, cobrindo-se.
— Boa noite, senhorita Wightman. — Disse ele, virado para o lado do banco onde eu estava sentada.
— Boa noite, príncipe Osten. — Respondi, me cobrindo com o cobertor e me acomodando melhor.
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Pouco tempo depois eu já não estava tão certa de que recusar a proposta do príncipe fora uma decisão realmente inteligente. Eu tremia tanto embaixo do cobertor que parecia estar tomando um choque elétrico.
— Já chega. — O príncipe Osten disse, levantando-se subitamente e vindo na minha direção. — A senhorita vai ter que confiar em mim, porque eu não vou permitir que nenhum de nós morra de hipotermia.
Concordei, assentindo com a cabeça levemente, incapaz de fazer mais alguma coisa em meio aos múltiplos tremores.
O príncipe me pegou no colo e me deitou no chão com cuidado, usando os dois cobertores para me cobrir. Lentamente, ele escorregou para o meu lado por baixo deles, me abraçando por trás pela cintura e colando seu corpo no meu numa conchinha. Percebi que ele também tremia, mas muito menos do que eu. Ele estava de terno, sem paletó, gravata e sapatos, e eu estava de pijama.
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Segundos mais tarde, nós dois já nos encontrávamos envoltos num calor demasiadamente aconchegante.
— Boa noite, Alice.
— Boa noite, Osten.
Não sei por qual motivo, mas eu não hesitei em chamá-lo pelo primeiro nome. Diante disso, comecei a tentar me lembrar dos porquês de me obrigar a não sentir nada por ele, mas falhei miseravelmente. Tudo o que eu podia fazer naquele momento era me arrepiar, sentindo sua respiração quente no meu pescoço ficar cada vez mais calma.
E o meu sono veio muito mais rápido do que achei ser possível.
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