Capítulo 2
— Alice, querida, o Jornal Oficial começou. — Minha mãe gritou, provavelmente já acomodada na sala.
Eu sabia que ela viria me puxar pela orelha se eu não descesse na mesma hora, então saí do quarto com a minha roupa de balé mesmo.
Sentei no tapete em frente à televisão, tentando ao máximo ficar confortável.
Duas semanas haviam se passado desde que eu me inscrevi na Seleção, e hoje era o dia no qual os nomes das "filhas de Illéa" seriam anunciados. Mamãe estava tão alegre que passou o dia inteiro cantando. Já eu estava calma, certa de que a matemática da coisa estava a meu favor.
— Boa noite, Illéa — A rainha Eadlyn começou — Tenho certeza que todos estão ansiosos para conhecer as senhoritas que disputarão um lugar especial no coração do meu irmão, o príncipe Osten Schreave. Mas antes, como é de praxe, temos alguns comunicados a fazer para vocês.
A rainha falou algo sobre a diminuição gradativa do preconceito pós-castas, e da importância de continuarmos sendo mais compreensivos com o próximo. Logo após, a primeira-ministra Brice, que acabara de ganhar sua terceira eleição seguida, comentou sobre os novos projetos de habitação do país. Quando ela acabou, a figura carismática de Gavril Fadaye tomou conta do palco.
— Olá Illéa — ele falou sorrindo — Devo dizer que vai ser uma honra para mim poder acompanhar essa nova Seleção com todos vocês. Esta será a quarta vez que ficarei frente a frente com 35 pretendentes e apenas um coração disponível. Quem será a próxima princesa do nosso país? — Gavril fez uma pausa dramática, arqueando uma sobrancelha — Eu sei, a expectativa é angustiante, então, sem mais delongas, que suba ao palco o dono do coração a ser arrebatado, príncipe Osten Schreave.
O príncipe subiu no palco, e a plateia suspirou enfaticamente. Tudo bem, admito, ele é bonito, seu cabelo é loiro, seus olhos são castanho escuro, seu porte é robusto e seu andar é confiante, mas nada demais. Ah, por favor, a quem eu quero enganar? Ele é a própria personificação dos heróis dos meus contos de fadas. É o sonho de qualquer menina que estiver assistindo a esse programa. Mas eu estou determinada a não fazer dele o meu sonho.
— Boa noite Illéa, Gavril — Ele assentiu para o apresentador — Tenho certeza de que por mais ansiosos que vocês estejam, eu ainda consigo estar mais um pouco.
Gavril riu. — Mas é claro, Alteza. Afinal, não é todo dia que você encara 35 fotos de moças que desejam se casar com você. Ainda mais sabendo que terá que escolher uma delas e decepcionar as outras 34.
— Oh, realmente, não é todo dia — O príncipe repetiu sorrindo, mas seus olhos me delatavam apreensão.
— Ele parece um pouco nervoso — Comentei, virando-me para minha mãe e meus tios sentados no sofá.
— Para mim ele parece bem confiante — disse minha tia Abigail.
— Não sei — continuei — Seus olhos castanhos estão me dando uma outra impressão.
Os três desviaram a atenção da televisão e me encararam em silêncio, com enormes sorrisos nos rostos. Eu olhei confusa de volta para eles, mas logo percebi o que tinha acabado de acontecer: eu deixara subentendido que tinha reparado muito bem, muito bem mesmo, nos olhos do príncipe Osten.
— Não que eu tenha notado muito ele, quer dizer, eles, ou melhor, os olhos dele. — Meu Deus, eu sou patética. — Vejam, já vão anunciar os nomes. — Desconversei, voltando-me envergonhada para a televisão.
Gavril terminou de contar uma piada a qual eu não prestei muita atenção, e logo depois tirou do bolso as fichas com os 35 nomes selecionados. Ele olhou para elas e riu.
— Aposto que vocês aí de casa queriam estar no meu lugar, já sabendo quem são as garotas de 16 a 20 anos mais sortudas desse país, não é? — Ele levantou as sobrancelhas sugestivamente. — Então não se preocupem, vou realizar vosso desejo agora mesmo. Senhoras e senhores, preparem-se para conhecer as mais novas filhas de Illéa.
A tela ficou dividida em duas: um espaço preto e um close do rosto do príncipe Osten. Minha nossa! Ele realmente tem olhos bonitos. E os cabelos parec... Espera, mas o que é que eu estou fazendo? Pare com isso Alice Wightman. Lembre-se agora mesmo de como ele é.
E eu teria feito exatamente isso, se a voz de Gavril não tivesse cortado meus pensamentos.
— Senhorita Mia Young, de Midston, 17 anos.
A foto de uma ruiva de olhos muito escuros tomou o lugar antes ocupado pelo espaço preto do outro lado da tela. O príncipe sorriu.
— Senhorita Leah Martinez, de Columbia, 20 anos.
Dessa vez, a foto mostrava uma radiante morena de olhos verdes, claramente bem vestida e bem maquiada. O sorriso do príncipe se alargou, mas eu ainda podia sentir uma certa apreensão emanando dele. Era como se ele quisesse por uma máscara em suas verdadeiras emoções. Claro, eu podia só estar imaginando coisas... No entanto, eu tinha certeza do que via.
— Senhorita Emma Hill, de Calgary, 17 anos.
— Volto já
Levantei do tapete e fui à cozinha antes de ver a reação do príncipe para a foto da Senhorita Hill. Com certeza, ele apenas manteve o seu sorriso brilhante de fachada.
Assim que cheguei ao fogão, comecei a fingir que estava procurando algo para beliscar, a fim de tentar não ver a decepção no rosto da minha mãe quando outra garota fosse nomeada no meu lugar. E isso funcionou, mas só até a décima vez que ela me pediu para voltar a assistir o Jornal.
Segurando um copo com água, caminhei até a porta da sala e me recostei nela. Não dava para ver o rosto da minha mãe dali. Com certeza, ela deveria estar arrasada porque nosso estado já devia ter passado e eu não havia sido a selecionada.
— Querida. — Ela falou sem se virar para mim. — Só falta o nosso estado.
— Como é? — Falei sem pensar, encarando a televisão.
— Senhorita Alice Wightman, de Carolina, 17 anos.
E lá estava, a minha foto, tomando o lugar do espaço preto.
O príncipe Osten inclinou a cabeça para o lado, ainda sorrindo, mas tentando não deixar transparecer sua evidente surpresa. Certamente me achou inadequada para seus padrões. Uma pontada repentina no meu coração me deixou furiosa. Quem ele pensa que é para me julgar? Pois bem, Alteza, eu não queria estar em sua Seleção, mas agora que eu estou, você vai ter que me engolir, mesmo que me mande de volta para casa no primeiro dia.
Espera, meu Deus, eu estou na Seleção. O choque dessa informação veio atrasado, mas me atingiu em cheio.
O copo se partiu em vários cacos de vidro quando caiu. E tudo o que senti depois foi o impacto do meu próprio corpo no chão.
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No outro dia, um médico me examinava cuidadosamente. Claro, claro que a minha mãe tinha que ter falado para a equipe do palácio que eu tinha desmaiado ontem. Já não bastava o jeito como eles entraram na casa dos meus tios, invadindo a minha vida, agora eles estavam invadindo também o meu espaço pessoal.
— Senhorita Wightman, perdoe a minha indiscrição, mas há alguma possibilidade de a senhorita estar grávida?
— Meu Deus, isso não está acontecendo. — Enterrei meu rosto nas mãos.
— Então isso é um sim?
— Que absurdo! — Exclamei irritada — Isso não é um sim. — Olhei para ele. — Não há probabilidade alguma de eu estar grávida.
— Suponho que a senhorita seja virgem então.
— Por favor, meu Deus! Eu não vou discutir detalhes da minha vida particular com você. — Suspirei, cansada e envergonhada ao mesmo tempo. Aquele médico não precisava saber de nada, muito menos do fato de eu nunca sequer ter beijado alguém.
— Mas eu preciso da confirmação de que... — ele tentou continuar.
— Já chega, o senhor quer saber? Pois eu sou virgem sim. Satisfeito? — Bufei.
— Senhorita, não vêm ao o caso eu ficar ou não satisfeito. A virgindade não é mais um requisito para A Seleção há anos, mas ainda é uma informação adicional de verificação obrigatória. De qualquer forma, acho que o príncipe, esse sim ficará satisfeito.
Corei vergonhosamente. E o fato da minha pele ser muito branca não deve ter ajudado a esconder o rubor que se espalhou rapidamente pelas maçãs do meu rosto.
— Está tudo bem com ela, Doutor Philips? — Perguntou um secretário real, abrindo a porta.
O doutor começou a guardar suas coisas enquanto respondia. — Tudo certo, o desmaio deve ter sido proveniente de uma súbita queda de pressão causada pelo calor da notícia. Ela só está com os níveis de vitamina D um pouco baixos. Me responda, senhorita Wightman, você não costuma tomar sol, correto?
Assenti. — Geralmente eu passo meu tempo aprofundando os meus estudos ou praticando balé. Sempre dentro do meu quarto.
— Bem, isso poderia ser um problema. Mas o clima de Angeles é perfeito para reverter esse quadro. A senhorita só precisa passear no mínimo 10 minutos por dia pelos jardins do palácio para que seu nível de vitamina D volte ao normal.
— Certo, vou fazer isso.
— Então ela está liberada? — Perguntou o secretário.
— Sim. — O médico respondeu.
— Ótimo, venha comigo senhorita Wightman, temos muito trabalho a fazer.
Suspirando, o segui pelo corredor. Quando nós chegamos à sala, os maquiadores, cabeleireiros, estilistas e todo o tipo de profissionais da beleza que estavam sentados se levantaram, me encarando.
Mal tive tempo de processar toda aquela atenção, pois logo alguém me puxou para uma cadeira e começou a lavar meu cabelo.
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Não me lembro exatamente em que parte da noite do meu desmaio eu tomei a decisão de aceitar a minha condição de Selecionada. Mas dos motivos eu me recordo claramente. O primeiro deles, é óbvio, foi a minha mãe. Eu começara nessa Seleção preenchendo o formulário com o pensamento fixo nela e nas suas aspirações para mim, e decidi continuar também por ela, que ficaria arrasada se eu desistisse agora. O segundo motivo foi que, para começo de conversa, todo mundo sabe que quando não se quer participar da Seleção, é só não inscrever. Mas eu me inscrevi. Que tipo de impressão eu passaria desistindo logo após de me inscrever e ser sorteada? Certamente, de louca.
O terceiro motivo... é aquele que eu incessantemente tentara negar a existência. Mas ele se alojou no meu coração, protegido por aquela chama de esperança que eu vergonhosamente já falhara em apagar. Isso era muito aterrorizante, porque esse motivo estava intimamente relacionado com certo par de olhos castanho escuro nervosos que somente eu percebi por trás de uma máscara de perfeição.
— Alice? Oh querida, você está... maravilhosa. — Mamãe falou com os olhos banhados de lágrimas, tirando-me me do meu devaneio.
Eu tinha acabado de passar por uma sessão de 5 horas de "embelezamento" e agora estávamos todos na porta da frente vendo a multidão que se juntou na rua da casa dos meus tios.
— Mãe. — Eu disse, abraçando-a com um peso no peito. Não queria deixá-la.
— Vá minha filha, se não der certo, não se esqueça, eu ainda estarei aqui. — Ela enxugou algumas lágrimas, depois sorriu. — Mas de alguma forma, eu sei que vai dar certo.
Eu ainda não entendia de onde vinha essa sua certeza, primeiro de que eu seria sorteada, agora de que eu me casaria com o príncipe, mas assenti mesmo assim.
Abracei meus dois tios ao mesmo tempo, e com todos chorando ficou quase impossível não chorar também, mas o maquiador me mataria se eu borrasse algo no meu rosto. Ele era legal, mas era melhor não medir forças e não destruir o trabalho dele.
Antes de eu passar pela porta, minha mãe chegou perto de mim novamente e sussurrou: — É intuição de mãe. — Falou ela, como se tivesse lido em meus pensamentos o fato de eu não entender a fonte de sua certeza inabalável. — Tenha fé, e tudo pode acontecer. O destino se encarrega de fazer o certo, nós só precisamos dar uma ajudinha. — Ela piscou para mim e eu sorri.
No carro, a caminho do aeroporto, eu tentei me lembrar de tudo o que me fez rejeitar A Seleção inicialmente, construindo uma armadura para o meu coração, e prendendo a chama e o meu terceiro motivo lá dentro. Por enquanto, eles não se rebelariam mais.
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