Capítulo 17

— Isso é um absurdo, Lady Brice! — A rainha Eadlyn esbravejou ao se levantar no meio da refeição, fazendo todos se calarem. — Não podemos sucumbir às ameaças de um grupo isolado de rebeldes.

— Mas também não precisamos anunciar que não pretendemos fazer isso. — Respondeu a primeira-ministra.

Ela foi chamada às pressas ao palácio para discutir o que deveria ser feito em relação à ADL. Mas eu não imaginava que esse debate fosse começar justamente durante o café da manhã.

— Eu nunca mais deixarei que as pessoas ditem a minha vida. Você sabe muito bem o que quase aconteceu da última em que fiz isso.

A rainha olhou de relance para o príncipe-consorte e estremeceu, engolindo em seco como se quisesse espantar lembranças ruins.

— Você. — Disse apontando para uma criada. — Por favor, chame o general Leger, agora.

— Certamente, Majestade.

— Eadlyn, nós não podemos arriscar. — A primeira-ministra continuou, mas a rainha não parecia disposta a aceitar seu ponto de vista.

— E nós não vamos. — Ela rebateu. — O povo está feliz com o nove regime, Lady Brice. Você como chefe de governo e eu como chefe de estado. Podemos conferir em qualquer jornal o quão alta é a nossa taxa de aprovação. — A monarca jogou as mãos no ar. — Pelo amor de Deus, você própria foi eleita pelo voto deles.

— Não acho que...

A rainha interrompeu sua interlocutora. — Lady Brice, eu sou mãe. E a senhora em breve vai ser também, pois está grávida. Você iria querer que seu filho nascesse em um país governado por tiranos?

— É claro que não. — A primeira-ministra suspirou. — E nem coloque a conversa para esse lado, porque já basta o Carl achando que eu deveria tirar uma licença até o nosso filho nascer.

— Bom, seu marido está certo. Mas eu sei que a senhora não vai fazer isso. Pelo menos não enquanto achar que eu quero declarar guerra aos rebeldes diante da primeira câmera que surgir na minha frente.

— Mas você quer fazer isso.

— Tem razão, eu quero.

— Você não está pensando bem, Eadlyn. Nós devemos permanecer calados.

— Não concordo com sua posição.

— Pois bem, então não temos outro caminho a não ser acionarmos o nosso pacto. Diante de uma discordância nossa, nenhuma das duas pode fazer nada sem o consenso uma da outra, lembra-se?

A rainha parecia incrédula. — Mas isso é exatamente o que a senhora quer! Que eu não faça nada.

— Admito que dessa vez nosso acordo acabou me favorecendo. Mas ambas concordamos em cumpri-lo em qualquer circunstância.

A monarca deixou o corpo cair na cadeira.

— Calma, meu amor. — O príncipe-consorte virou a rainha na direção ele e o semblante dela amoleceu.

— Eu não vou deixar, Eikko, eu não vou deixar uma ameaça daquelas à nossa família passar impune.

— Eu sei, rakkaani. Eu também jamais permitiria que algum mal fosse feito a você ou aos nossos filhos, mas pense com clareza. Não decida nada de forma precipitada.

Particularmente, eu achava que a rainha estava certa, mas é óbvio que eu não iria me intrometer.

Nesse momento, um homem trajando uniforme militar entrou na sala de jantar e foi direto até a mesa da família real.

— General Leger. — A rainha se levantou e o abraçou.

— O que deseja, Majestade?

— Comece a...

— Eadlyn. — A primeira-ministra falou com receio e a rainha se virou para ela.

— A senhora não deixa que eu os confronte porque tem medo que o povo não nos apoie, — A monarca suspirou. — mas pelo menos pode deixar que eu os investigue?

A primeira-ministra hesitou por alguns segundos mas depois assentiu resignada, fazendo a rainha arfar de alívio.

— Ótimo. — Ela se virou para o homem de uniforme novamente. — General Leger, eu quero saber tudo sobre eles. Quantos são, quem são, e principalmente, quanto do que disseram naquele vídeo é verdade.

— Meu pessoal vai realizar as pesquisas.

A rainha olhou para a filha e respirou profundamente. O que ela disse depois foi um só sussurro, mas eu ainda consegui pegar as palavras: Eu vou acabar com eles.

_____________________________________________

A monarca passou os dias seguintes numa pilha de nervos. Dava para notar isso pela maneira com que às vezes ela explodia do nada, mas se assustava com a própria atitude e pedia desculpas logo depois.

Eu estava cada vez mais convencida de que ela estava certa. Para mim, censurar-se perante aos rebeldes significava declarar impotência e fraqueza.

Os meus pesadelos com aquela voz da televisão estavam piorando a cada noite. Eu sabia que eles só parariam de me atormentar quando eu dormisse nos braços de Osten mais uma vez, mas eu não tinha coragem de pedir isso a ele. Apesar de não ter se afastado de mim como prometeu, o príncipe também era um fracasso em não esbarrar comigo no meio dos seus encontros, e vê-lo com as outras garotas estava me deixando cada vez mais temerosa.

Portanto, tentei me focar no problema da rainha. E até cheguei a ter uma ideia para ajudá-la. Uma pena eu ter imaginado logo em seguida que poderia parecer prepotente da minha parte pensar que alguém como ela, que tinha vários servos à sua disposição, poderia sequer cogitar aceitar a ajuda de alguém como eu.

_____________________________________________

— Isso mesmo, princesa Kerttu. Está correto.

A princesa sorriu para mim. Estávamos na biblioteca e eu estava lhe dando uma das 4 lições de matemática do dia.

— Não tem como errar com a sua explicação. — Ela soltou a caneta. — Sabe, você deveria ser a minha tutora até se casar com o tio Osten.

O livro que estava na minha mão escorregou subitamente, atingindo o chão com um estrondo alto.

— Alteza, eu...

— Aliás, — A princesa me interrompeu. — não acha que já está na hora de eu começar a te chamar de tia Alice?

Eu empalideci. Depois de ter dito a Osten que eu entendia a situação dele, aquilo seria um lembrete constante da minha burrice.

— Acho que eu não posso consentir com isso.

A expressão dela murchou.

— Porque?

— Porque não seria apropriado. — Menti.

— Eu sei como resolver esse problema, quer ver só? — A princesa disse, arqueando uma sobrancelha e exibindo um sorriso travesso. — Eu sou uma princesa, posso dar ordens, então senhorita Alice, eu ordeno que você me deixe te chamar de tia Alice.

Eu comecei a gargalhar da sua "resolução". Risos no corredor me calaram e me fizeram virar na direção da porta. Osten estava entrando de braços dados com Leanna. Quando ele notou que a biblioteca não estava vazia, nossos olhares se encontraram por dois segundos, mas eu desviei o rosto para o quadro.

Não queria e nem era obrigada a ver seus encontros, por mais que o destino conspirasse contra isso.

Para a minha sorte, a princesa pareceu perceber meu desconforto.

— Vocês não podem ficar aqui. Estamos no meio de uma aula.

— Kerttu, nós... — Osten tentou argumentar, mas foi interrompido.

— Não!

— Alteza. — Leanna falou, com uma voz pedinte que tentava camuflar sua clara frustração por ter de implorar a uma criança. — Vamos apenas pegar um livro do qual o príncipe estava me falando. O de frases avulsas.

Certamente ela estava se referindo àquele livro que Amie adorava. Osten nunca havia me contado diretamente sobre ele, apesar de saber como eu adoro ler.

Pensar nisso me deixou arrasada.

— Não. — A princesa repetiu.

— Por favor, Alteza. — Leanna continuou a insistir calma, mas parecia já estar perdendo a paciência. — Afinal, uma garotinha como você não pode ocupar muito espaço num lugar tão grande como esse.

É. Definitivamente ela estava perdendo a paciência.

— Ah não, — Osten lamentou. — a senhorita não disse isso. Agora jamais atravessaremos essa biblioteca.

— Do. Que. Você. Me. Chamou? — A princesa falou frisando cada palavra. Seu tom de voz era tão imperioso quanto o de sua mãe. — Para a sua informação, senhorita Leanna, essa garotinha pode convocar o pelotão de fuzilamento na hora em que desejar. Ou melhor ainda, pode ir direto até a rainha e contar que alguém está atrapalhando propositalmente o cronograma que ela preparou com tanto afinco para sua filha.

Não fiquei surpresa com o que a princesa Kerttu disse. Ao conviver com ela eu percebi que ela podia ser tão infantil quanto o normal para a sua idade, ou tão madura quanto qualquer monarca no trono. E com certeza ela tinha herdado o temperamento forte da mãe, apesar de só mostrá-lo em momentos raros.

Leanna, claramente, tinha transformado aquele momento em um deles.

Me virei para encarar os três.

A princesa Kerttu sorriu de forma desafiadora e eu me contive para não rir diante da tentativa falha de Leanna de esconder seu medo.

Osten percebeu a firmeza na postura da sobrinha e suspirou.

— É melhor irmos Senhorita Robertts. Kerttu tem que voltar a estudar.

Leanna, se recuperando do torpor em que estava, sorriu insinuante para o príncipe.

— Tem razão, podemos pegar o livro outra hora. E tenho certeza que acharemos alguma coisa bem melhor para fazermos no nosso tempo juntos.

Se ela quisera me atingir com aquilo... Definitivamente ela conseguiu. E bem cheio. Porque eu não podia sequer cogitar pensar no que aquele "alguma coisa bem melhor" significava.

Minha voz saiu seca, mas eu não tremi como pensei que faria quando falei.

— Já que resolvemos o nosso dilema, vocês podem se retirar agora por favor. Se não quem relatará alguma coisa à rainha serei eu. E ela não ficará contente com o que eu falarei, isso eu garanto. Boa Tarde, e adeus.

Osten me encarou surpreso, mas nada disse diante da minha expressão fechada. Apenas saiu da sala com Leanna ainda pendurada em seu braço.

Assim que eles passaram pela porta eu desabei na cadeira mais próxima. Parecia que minha energia havia sido drenada até os ossos. Eu estava cansada demais até para chorar.

— Uma vez a minha vó estava conversando com a minha mãe no meu quarto. Elas pensaram que eu estava dormindo, mas na verdade eu só estava fingindo para ouvir o que as duas falavam. — A princesa se levantou e foi até uma estante alta que me era extraordinariamente familiar. Do lado do local de onde Osten abriu a passagem para o abrigo no qual ficamos presos, ela retirou um grande livro azul e começou a andar de volta na minha direção. — Minha avó disse que temia pelo meu futuro, pois achava que os integrantes da nossa família demoravam demais para enxergar o amor, o qual sempre estava bem debaixo dos seus narizes. Ela também disse que isso sempre levava a muito sofrimento. — A princesa parou na minha frente e estendeu o livro para mim, seus olhos sérios. — Mas no que depender de mim, nem você nem o meu tio Osten vão sofrer diante da cegueira dele. Pegue, tia Alice, e guarde esse livro até o casamento de vocês.

Eu segurei o volume e olhei para a capa.

As mais belas frases já escritas por autores que se perderam no tempo.

_____________________________________________

Naquele dia, decidi finalmente falar com a rainha. Percebi que no estado em que ela estava, qualquer boa intenção de ajudar provavelmente seria bem-vinda. E esperava não estar enganada.

Comecei a procurar por sua dama de companhia e acabei por a encontrar no corredor que levava ao Salão das Mulheres.

— Boa tarde, senhora. Eu poderia falar com a rainha? — Perguntei.

— Não sei se essa é uma boa ideia. Nem eu faria isso agora.

— É muito importante.

— Eu estou falando sério, senhorita. A rainha não está num dos seus melhores humores no momento.

— Não me importo. Eu realmente preciso falar com ela.

A dama de companhia suspirou.

— Se insiste, vou te levar até o escritório. Mas depois a senhorita vai ter que se virar por conta própria.

— Tudo bem.

A mulher, Neena como se apresentou a mim, me fez segui-la pelo palácio até uma porta alta situada no 3º andar. Ao chegar, ela deu dois toques na madeira da peça e entrou. Passaram-se três minutos até que ela saísse de novo, dizendo que eu poderia entrar, mas não sem antes comentar novamente sobre como a rainha não estava aberta a conversas amigáveis.

Eu tentei não ficar com medo diante daquilo. Mas todos os meus esforços se esvaíram no momento em que eu encarei a monarca em sua mesa.

— Algum problema com Kerttu e as aulas, senhorita Alice?

— Não, Majestade. Pelo contrário, a princesa está progredindo cada vez mais.

— Então, o que deseja? Eu estou muito atarefada.

Respirei profundamente para tomar coragem. É agora ou nunca.

— Eu sei como declarar ao público a posição da família real sobre a ADL.

A rainha pareceu subitamente interessada. — Como?

— Bem. — Minhas mãos estavam suando bastante. — A primeira-ministra Brice disse que a senhora não poderia dizer nada por causa do acordo que firmaram...

— Exatamente. — Ela me interrompeu. — Perdão, prossiga.

— Mas eu não firmei acordo nenhum com ela.

A monarca ficou boquiaberta.

— Amanhã é dia de Jornal Oficial. Eu sei que o foco vai ser a Seleção do príncipe. E olhe só que coincidência: Eu sou uma das selecionadas. Durante a minha entrevista com Gavril, eu poderia muito bem insinuar que o palácio não sucumbirá às pressões da ADL, e melhor ainda, acho que eu poderia desmoralizá-la em rede nacional. Já tenho tudo escrito e decorado, só preciso da sua aprovação.

A rainha foi arregalando os olhos à medida que compreendia as minhas palavras. Mas apesar de estar claramente convencida, ainda parecia um pouco receosa.

— Não tenho um bom histórico com pessoas me oferendo ajuda. — Ela disse aparentando se lembrar de algo. — Porque a senhorita desejaria fazer uma coisa dessas?

— Porque eu achei totalmente injusto lhe privarem de agir quando é óbvio para mim que a sua posição é a mais correta. — Respondi sem hesitar.

Minha firmeza pareceu convencê-la, o que a fez sorrir.

— Bem, de acordo com a minha filha, a senhorita logo fará oficialmente parte da nossa família. E deixe-me lhe contar um segredo: Eu acredito nela. Eu vejo como o meu irmão olha para você. — Tentei não corar. Eu não conseguia compreender como tantas pessoas tinham a certeza de que Osten e eu ficaríamos juntos quando nem nós mesmos estávamos certos disso. — Essa parece ser uma boa maneira de começarmos a nos conhecer melhor, senhorita Alice. Vamos começar a trabalhar. — A rainha me encarou com os olhos faiscando de determinação. — Conte-me o que tem mente.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top