Capítulo 15
Não sei qual foi a pior parte. A dor dos cortes ou o desespero das crianças tentando sair do local.
Um guarda entrou às pressas pela porta.
— Eles estão armados, Alteza.
— Eles quem? — O príncipe retomou sua postura.
— Nós não sabemos. Mas não podemos combatê-los. Temos que levar Vossa Alteza e a senhorita de volta ao palácio imediatamente.
— Eu não posso abandonar todos aqui.
— Permanecer é pior, Alteza. Estão atrás de vocês dois. E vão levá-los se não formos rápidos.
— Vá, meu menino. — Antonella falou diante da hesitação de Osten. — Se isso for verdade, quem quer ser seja que está por trás vai recuar quando não encontrar vocês aqui.
— Mas Zia...
Outra vidro de janela explodiu e as crianças gritaram.
— Nada de mas, Osten. — Ela correu para pegar a garotinha que ainda estava abraçada a mim. — Não há tempo. Você e Alice devem ir. Agora.
Assentindo, o príncipe veio até mim e tomou minha mão. Começamos a correr na direção da porta, onde o guarda verificava se estava tudo certo do lado de fora pra podermos ir.
— Usem as escadas dos fundos. E Osten, — Ele se virou para ela uma última vez. — não faça nada de que vá se arrepender depois. E eu não estou falando em relação ao perigo.
O príncipe a encarou pelo que foram mais 2 segundos e depois saiu comigo da ala ao sinal do guarda.
Descemos o primeiro lance de escadas e eu pude ouvir a troca de tiros no térreo. Osten me guiou pelo corredor dos quartos até uma pequena portinha da metade da altura dele na base de uma parede. Quando ele a abriu eu recuei.
— Não consigo fazer isso.
— Consegue. Eu te ajudo. — O príncipe se virou para o guarda. — Você, preste atenção.
O guarda encarou-o em posição de sentido.
— Eu vou descer primeiro para ajudar a senhorita Wightman com a escada. Se alguém aparecer, você vai protegê-la com a própria vida. — Osten pegou a gola da camisa do homem e continuou a falar, só que com uma voz mais alta. — Com a própria vida, entendeu?
O guarda assentiu rapidamente.
— Alice, — O príncipe me encarou. — quando eu sair conte até 10, se abaixe e comece a pôr o corpo para fora devagar. Depois se apoie na escada e comece a descer. Eu vou estar lá embaixo o tempo todo. Não tenha medo, vai dar tudo certo.
Osten me deu um beijo rápido na testa e desapareceu pela pequena porta. Comecei a contar. Quando eu cheguei ao 10 praticamente me joguei no chão. Lancei minhas pernas para fora procurando a escada até encontrar.
— Ei você, parada aí. — Um homem alto e troncudo apareceu na outra ponta do corredor. Ele levantou uma pistola e eu desviei os olhos. Ouvi o tiro mas não senti nada. Quando todo o meu corpo já estava seguro na escada, levantei a cabeça e vi que o homem estava estirado no chão, enquanto o guarda recarregava a arma.
— Alice. Vamos, desça. — Osten gritou preocupado.
Voltei a me focar na escada. Uma barra vez, uma barra por vez. Esse era o meu único pensamento. O surto de adrenalina que corria nas minhas veias fez com eu nem sequer cogitasse olhar para baixo.
Quando faltava mais ou menos 5 barras para alcançar a rua, eu caí. Para a minha sorte e para o azar de Osten, aterrissei bem em cima dele.
— Eu riria se nós não tivéssemos que correr. — Ele disse enquanto nós nos levantávamos rapidamente.
Pegando a minha mão novamente, o príncipe me conduziu apressado até desembocarmos em uma rua maior.
— Droga! Droga! Era para estar aqui. — Ele exclamou frustrado.
E como se percebesse a deixa, a limusine preta que nos trouxe do palácio dobrou a esquina e parou à nossa frente.
— Eles estão fugindo. — Ouvi alguém gritar ao longe.
Osten abriu a porta para mim e eu me lancei para dentro, com ele logo atrás de mim. O príncipe fechou a porta com um baque e o motorista arrastou o carro.
— Se abaixe. — Osten ordenou, pondo as mãos nas minhas costas e se agachando.
Eu fiz o que ele pediu e tiros ricochetearam por alguns segundos na carcaça preta da limusine.
— Graças a Deus eles não acertaram os pneus. — O príncipe exclamou assim que os disparos cessaram.
Passamos pelo menos mais 1 minuto abaixados antes de podermos levantar o corpo novamente. Eu pensei em me sentar um pouco mais afastada de Osten, mas ele me puxou para perto e deitou minha cabeça em seu peito.
— Calma, não podem mais nos alcançar. — Ele disse.
Decidi culpar a tensão da situação pela minha falta de resistência a ele.
O que era uma grandessíssima mentira.
Com uma das mãos ele começou a afagar meu cabelo, e com a outra ele passou a fazer círculos com o polegar no meu pulso direito. Quase chorei ao constatar como eu precisava daquilo.
Percebi que ontem à noite eu estava errada. Era Antonella hoje era quem estava certa.
A constatação me fez perder o fôlego.
Eu não estava me apaixonando pelo príncipe Osten, claro que não. Isso não era possível, porque simplesmente eu já estava perdidamente apaixonada por ele.
E foi nesse momento que, mesmo assustada pelo ataque e triste e temerosa pelas palavras dele no Centro, os frangalhos de armadura que restavam ao redor do meu coração caíram por completo e este saltou, batendo livre, imponente e declarando todo o seu amor pela primeira vez.
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— Você está sangrando. — Osten constatou.
Eu me remexi em seu abraço e pude sentir o ardor dos cortes causados pelo vidro.
— Não faça isso! Não se mova ou você vai piorar o estado dos ferimentos. Quando chegarmos ao palácio nós vamos direto para a ala hospitalar, tudo bem?
O meu silêncio diante da sua pergunta fez o príncipe levantar leve e gentilmente a minha cabeça com dois dos seus dedos, fazendo com que nós dois nos encarássemos.
— Desculpe por hoje.
Por um momento eu pensei que ele de alguma forma havia notado que eu ouvira toda a sua conversa com Antonella, mas logo percebi que na verdade ele estava falando do ataque ao Centro.
— Não é algo que você pudesse ter evitado. As pessoas agem por conta própria.
— Mas você está triste.
— É claro que eu estou triste, nós deixamos as crianças para trás. Com potenciais sequestradores! — Eu frisei.
— Eu sei. — Osten suspirou. — Isso também me deixa louco de preocupação. Mas eu estou começando a achar que o guarda Stones estava certo. Os tiros na limusine são a prova do que ele falou. Quem quer que tenha planejado isso tinha por objetivo chegar somente a nós dois. — Ele parou por alguns segundos antes de continuar. Seus olhos adquiriram um tom de súplica. — Alice, não tente mentir para mim. Eu sei que não é só isso que está te incomodando.
Desde quando ele passou a me conhecer tão bem?
Provavelmente desde o momento em que você começou a se apaixonar por ele, sua idiota.
Gemi da minha própria ironia, o que fez o príncipe arregalar os olhos.
— Está doendo muito? — Ele perguntou, interpretando equivocadamente a razão do meu gesto.
— Não tanto quanto deveria. — Não enquanto eu ainda estiver aqui com você. E não é dos cortes do vidro que eu estou falando.
Pensei em verbalizar esses meus pensamentos, mas com um suspiro resignado optei por não o fazer.
As sobrancelhas de Osten se franziram.
— Você não vai me contar o que mais te aflige?
Antes de poder me conter, parodiei as palavras que ele usou naquela conversa que tive a infelicidade de ouvir. — Não sei, eu estou confusa.
Comecei a rezar internamente para que ele não percebesse essa minha referência velada, mas logo vi que isso não funcionou.
O príncipe fechou os olhos. — Você ouviu tudo, não foi?
Eu sabia que, no estado em que estava, qualquer tentativa que eu fizesse de mentir seria em vão, portanto, tudo o que eu pude fazer foi confirmar.
— E agora você quer ir embora do palácio.
Não foi uma pergunta, foi uma constatação. Mas eu respondi de qualquer forma.
— Não.
Ele abriu os olhos de súbito.
— Não? — Perguntou receoso.
— Não.
Passamos um tempo sem falar nada, apenas nos encarando. Aquilo parecia tão natural. Eu adorava olhar para ele. Fazer isso era como receber os primeiros raios de sol da manhã depois de uma madrugada inteira de frio.
Foi Osten quem quebrou o silêncio.
— Sabe, hoje eu te pedi para confiar em mim quanto ao lugar do nosso encontro, e você fez isso. Não me perguntou em nenhum momento para onde iríamos.
— Não sei se isso foi muito sábio. — Seu semblante esmoreceu. — Não pelo lugar em si, — Corrigi-me rapidamente. — eu adorei o Centro, adorei as crianças e com toda certeza pretendo voltar muito mais vezes lá.
Ele esboçou um sorriso.
— Mas...
— Depois de tudo o que falei, você está achando que eu te enganei. — Osten completou.
Eu soltei uma respiração que nem sabia que estava prendendo. — Parece que toda vez avançamos um pouco, retrocedemos da mesma forma.
Houve mais um momento de silêncio antes do príncipe voltar a falar.
— Você tem o direito de estar magoada comigo.
E eu estou, eu queria dizer. Mas as palavras que saíram da minha boca não foram essas.
— Você está no meio da sua Seleção. É uma competição, eu tenho consciência disso. Não posso forçar te forçar a nada.
Osten parecia inesperadamente mais triste do que surpreso.
— Você quer continuar com o processo. Tudo bem. — Não estava nada bem. — Só, por favor, não se afaste de mim de novo ao fazer isso. Garanto que enquanto ainda quiser ganhar a minha confiança, essa não será uma boa maneira de conseguir.
O príncipe tirou uma mecha de cabelo da minha testa.
— Eu não me afastaria de você por nada no mundo.
Como ele podia falar aquelas coisas para mim e ao mesmo tempo não ter certeza do que sentia?
Essa foi uma pergunta que não me atrevi a fazer. Simplesmente abaixei a cabeça, deitando-a novamente no peito de Osten.
Continuamos naquela posição o resto do caminho até o palácio. Mas nenhum de nós dois falou mais nada.
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Tudo passou muito rápido. Fui levada à ala hospitalar assim que Osten e eu chegamos ao palácio.
Após o que foram 2 horas trabalhando, o médico conseguiu, com muita dificuldade, retirar os estilhaços de vidro que ficaram presos no meu corpo. Meu jantar foi servido ali mesmo.
Pouco antes de adormecer, ouvi minhas criadas dizerem que ficariam por perto para o caso de eu precisar de algo durante a noite. Então, não foi algo estranho eu ficar surpresa ao acordar no outro dia e encontrar não Marie, nem Evie, nem Summer, mas sim Osten dormindo em uma poltrona ao lado da minha cama.
Não pude evitar sorrir com aquilo. Ele disse que não se afastaria de mim, mas eu não sabia que para ele isso também significava bancar o enfermeiro.
A porta do quarto se abriu e Evie entrou. Percebendo que eu havia acordado, ela se aproximou da cama.
— O príncipe chegou assim que a senhorita adormeceu. Ele pediu para ficar no nosso lugar e disse que não aceitaria não como resposta. — Evie sussurrou. — Deve ter ficado acordado a noite inteira.
— Tudo bem.
Ela olhou para mim preocupada. — A senhorita deve estar com fome. Eu vou buscar algo para comer e...
— Não. — Eu a interrompi. — Não estou com fome. — Isso não era tecnicamente verdade. — E... eu não quero acordá-lo.
Apontei para Osten.
— Mas... — Ela falou um pouco mais alto e o príncipe se remexeu no assento.
— Shh. — Eu coloquei um dedo na boca pedindo silêncio. — Não precisa se preocupar Evie. Vamos fazer assim, você pode me trazer um copo de vitamina mas não vai contar a ninguém que eu acordei. Estamos combinadas?
Ela assentiu, saindo do quarto. Pouco tempo depois eu já estava satisfeita e com um copo azul vazio na mão.
— Eu vou ajudar Mary com o seu vestido para o Jornal Oficial dessa sexta. É o primeiro da Seleção e a senhorita precisa arrasar. — Evie disse e eu sorri. — Estaremos no quarto ao lado, se precisar de nós é só chamar.
— Pode deixar.
Ela saiu do quarto e eu desviei o meu olhar para Osten novamente
Naquele momento, eu percebi que qualquer comparação que eu fizesse à sua figura dormindo nunca lhe faria justiça.
Dizer que ele se assemelhava a um anjo, louro e tranquilo, por exemplo, me pareceu ser o maior dos eufemismos.
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Fui liberada da ala hospitalar pouco antes do meio dia. À tarde eu já estava sentada numa das mesas do Salão das Mulheres reorganizando o cronograma da princesa Kerttu para o outro dia. A rainha havia nos dispensado das tarefas de tutora e aluna por hoje, mas nos disse que deveríamos recuperar o tempo perdido durante o resto da semana.
Concentrada em tentar redistribuir 8 horas de aula, eu não percebi Leah se aproximando de mim até que ela se sentou ao meu lado.
— Jesus, Alice. A rainha nos contou o que aconteceu mas não deixou que nenhuma de nós fôssemos te visitar. Quem será que pode ter feito uma coisa dessas?
Eu estava prestes a lhe dizer que não tinha ideia, mas Leanna aumentou o volume da televisão de repente.
— Vocês todas, acho que vocês deveriam vir aqui ver isso. — Ela acenou com a mão, seu semblante o mais sério que já tinha visto desde que a conheci.
Receosa, eu fui com Leah me juntar as outras meninas que já formavam um círculo na frente da televisão.
O âncora do programa que estava sendo transmitido naquele momento parecia alarmado.
— Está confirmado, Illéa. Os culpados pelo ataque de ontem ao Centro Schreave de Recuperação e Reintegração Social para Crianças Deficientes durante a visita do príncipe Osten nos mandaram uma gravação confessando a sua responsabilidade no ato. — Eu arquejei. — Vamos exibi-la agora em seguida, se atentem.
A tela inicialmente ficou preta, mas logo ela foi preenchida pela figura de uma mulher de roupa extremamente formal e cabelo muito curto.
— Minhas saudações, Illéa. Meu nome é Bree Marksman e eu estou aqui para lhes apresentar a Aliança Democrática Liberal, a ADL. Somos uma organização política de elite e atuamos por todo o país. Nosso objetivo é o mais benéfico possível: A prosperidade em Illéa. E só há um meio de conseguirmos isso. Sim, vocês acertaram, estamos falando do fim da monarquia, seja ela tradicional ou constitucional como a que vigora atualmente. — As selecionadas levaram as mãos à boca. — A família real ainda tem muito peso nas decisões do país, o que não nos surpreende, já que a ministra Brice parece ser quase um membro dela. Este é um mal deve ser combatido, e para isso, propomos a instauração absoluta da democracia de uma vez por todas. Claro que, no início, a ADL terá que assumir as rédeas do governo para podermos estabilizar o país. Mas depois disso, o poder será totalmente entregue ao povo. Pensem em como será maravilhoso poder votar em governantes que entendem de verdade os seus apelos, que já passaram pelo que vocês continuam passando a cada dia. Digam sim ao fim da monarquia, e digam sim aos novos tempos. — A mulher parou por menos de segundo. — Um pequeno recado para a família real. Repetiremos incidentes com os de ontem até que vocês renunciem definitivamente ao trono. Esperamos que tenhamos sido claros. Boa noite, Illéa.
A tela ficou preta e quando eu pensei que a gravação havia acabado, uma voz que eu achei que nunca mais fosse ouvir na minha vida chegou aos meus ouvidos.
— Se vocês não exibirem esse vídeo em até 12 horas, nós vamos atacar o primeiro lugar em que pensarmos. Saudações, o presidente.
Não pode ser. Essa voz. É impossível. Mas... não, eu devo estar tendo alucinações. Não é ele.
Foi nesse momento que me lembrei de uma coisa importantíssima.
Correndo, fui até a mesa e ajustei uma folha em branco no centro. Quando peguei a caneta, Leah veio até mim.
— O que você vai fazer? — Ela perguntou.
— Algo que eu já devia ter feito há muito tempo. — Comecei a escrever. — Minha mãe vai me matar.
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