Capítulo 14


Uma placa azul presa no prédio a nossa frente ostentava o nome.

Centro Schreave de Recuperação e Reintegração Social para Crianças Deficientes.

O lugar era claramente antigo, e dava para perceber que estava em reforma. As paredes estavam recebendo uma mão de tinta amarela brilhante para cobrir o tom de verde desbotado e a porta da frente estava sendo trocada. Passando por ela, o corredor central levava a uma sala de espera toda branca. Por ali tinham alguns sofás e poltronas reclinadas, uns poucos vasos de planta para decoração e quadros espalhados para todo canto. Uma rampa larga e uma escada ao meu lado indicava a passagem para os andares superiores.

No centro da sala havia um grande balcão circular de mármore, dentro do qual uma mulher de meia idade estava, concentrada, escrevendo em um caderno.

Zia*. — Osten chamou.

A mulher levantou a cabeça e sorriu.

— Meu menino, não sabíamos que viria hoje. — Ela deu a volta e saiu do balcão por uma porta lateral.

Chegando mais perto, a mulher beijou o príncipe nas duas bochechas e depois apertou uma delas entre o indicador e o polegar.

— Será que não sabem fazer comida naquele palácio? Olhe só como está magro. Ainda bem que hoje é dia de macarronada.

Osten riu e eu o acompanhei.

— Mesmo se eu pesasse 90 quilos você ainda me acharia magro, zia.

A mulher balançou a mão no ar. — Bobagem. — Ela se virou para mim. — E quem é este esplendor em forma de moça que está com você?

Eu corei.

Zia, esta é Alice Wightman, uma das selecionadas. Alice, esta é Antonella, a diretora desse Centro.

— Estou encantada em conhe...

Eu não pude terminar de falar, pois Antonella me deu um abraço apertado.

— Sou descendente de italianos. Não sou muito de formalidades. — Ela disse quando me soltou.

Eu sorri. Gostei de seu jeito espontâneo.

— Sem problemas.

Nesse momento, um homem com trajes de enfermeiro manchados de azul desceu correndo a escada. Antonella desviou sua atenção para ele na mesma hora.

— Troy?

O homem assentiu e ela suspirou.

— Já é a quinta vez esta semana. Osten, meu menino, você poderia conversar com ele de novo? Você sabe que Troy só dá ouvidos a você além dos pais dele.

O príncipe riu e, para a minha surpresa, enlaçou nossas mãos.

— Claro. Vamos lá, Alice. Temos um mini terrorista para acalmar.

Subimos os degraus e desembocamos em um corredor único cheio de portas. Cada uma delas estava pintada de uma forma, com estampas e marcas de mãos.

— Essa é a 1ª ala dos quartos. Para os que não podem se locomover sozinhos entre os andares. — Osten me explicou. — Muitos pais dormem aqui com os filhos, e virou tradição cada família decorar sua própria porta.

— Uma ótima ideia por sinal.

— Eu que pensei nisso na verdade. — Ele admitiu meio envergonhado, mas logo descontraiu o clima. — Tudo parecia muito arrumado. E você sabe que o meu dom é a bagunça.

Eu ri e ele deu um beijo na minha mão enlaçada na dele.

— Vamos. A essa hora o Troy deve estar no 2º andar com as outras crianças.

Nós dois subimos mais escadas e dessa vez nos deparamos com uma porta fechada.

— Chegamos. A ala de recreação. Se prepare. — Ele falou sorrindo enquanto abria a porta.

Quando nós entramos no cômodo eu percebi que não havia como me preparar para aquilo, porque a visão que invadiu meu olhos foi simplesmente maravilhosa. Crianças com muletas corriam umas atrás das outras gargalhando, garotinhas cegas aprendiam braile com suas enfermeiras, um grupo de cadeirante fazia escultura, e as paredes da sala, então, eram uma confusão de cores de tinta. Ninguém notou a nossa presença até que Osten deu dois toques na madeira da porta com a mão livre.

— Bom dia.

— Príncipe Osten. — Várias crianças correram até nós.

— Oi John, Lucy, Hatter, Paul, Harry, Amie, Diego... — Osten continuou cumprimentando cada um pelo nome.

— Você vem muito aqui, não é? — Sussurrei quando ele acabou.

— Não tanto quanto eu queria, ser príncipe muitas vezes toma bastante tempo. Mesmo depois que a minha irmã mudou o regime da monarquia.

— Príncipe Osten, por que você não apresenta a Alice pra gente? Nós vimos a foto dela pela televisão. — Uma garotinha de cadeira de rodas disse.

Osten sorriu. — Pessoal, está aqui é Alice Wightman. Ela acha que eu sou exagerado e quase já me deu um banho de mel.

— Osten! — Eu sussurrei horrorizada apertando a mão dele. — Oi crianças.

— Oi Alice. — Todos responderam juntos.

— Banho de mel? Foi bom? — Uma das crianças perguntou.

— Foi ótimo. — O príncipe falou me encarando. Naquele momento eu percebi que ele estava lembrando do nosso segundo beijo e tentei não corar.

Nesse meio tempo, uma garotinha usando muletas e com o cabelo meio azul deu um passo à frente.

— Alice, você pode me ajudar? Veja. — Ela apontou para a cabeça. Percebi que a tinta azul estava escorrendo e logo deduzi o que tinha acontecido.

— Foi o Troy quem fez isso?

Ela assentiu e eu olhei para Osten.

— Pode ir. — Ele beijou a minha testa. — Quem sabe onde o Troy está?

— Eu! — Várias crianças levantaram a mão.

Osten começou a andar guiado por elas e eu me voltei para a garotinha que me pediu ajuda.

— Você é a Amie, não é?

A menina sorriu por eu ter lembrado seu nome. — Sim.

— Certo, muito bem Amie, vamos dar um jeito nisso. Onde fica o banheiro?

— Por aqui.

Amie me guiou pelo espaço em meio as outras crianças até uma pequena porta no fundo da sala. Depois que nós entramos, eu a levei até a pia e pedi que abaixasse a cabeça. Molhei seu cabelo e apliquei um pouco de shampoo aos poucos. Quando a tinta saiu completamente, eu deixei passar outra corrente de água pelos fios para enxaguar.

— Pronto. Castanho e brilhante de novo.

Ela riu enquanto eu enrolava uma toalha branca em sua cabeça.

— O Troy só faz essas coisas comigo. É tão injusto. Não sei porque ele tem tanta raiva de mim.

— Quantos anos vocês tem?

— Eu tenho 9 e ele tem 10.

— Não acho que ele tenha raiva de você. Na verdade, parece mais o contrário.

Ela me encarou confusa. — Como assim?

— Quando um menino pega muito no pé de uma menina como você disse que o Troy faz com você, muitas vezes ele simplesmente gosta dela e não sabe o que fazer com isso.

— Então, o Troy gosta... de mim?

— Provavelmente sim.

Amie me olhou com um misto de incredulidade e surpresa.

— Vamos fazer assim, — Eu propus diante da reação dela. — da próxima vez que você vir o Troy, você vai dizer que não se importou com o que ele fez e vai dar um beijo na bochecha dele.

Ela arregalou os olhos. — Um beijo?

— Sim, um beijo, então vamos ver o que acontece.

Amie hesitou por um segundo mas depois assentiu.

— Tudo bem. — Ela mordeu o lábio. — Foi assim que você descobriu que o príncipe gosta de você?

— O quê? — Soltei sem pensar, mas me recobrei do choque rapidamente e sorri. — Não, eu ainda não sei nada sobre isso. As coisas na minha idade são um pouco diferentes. Mais complicadas.

— Ele gosta, e muito, eu tenho certeza.

— Está certo, eu acredito em você. — Levantei as mãos rindo em sinal de rendição.

Nessa hora a porta do banheiro se abriu e Osten entrou empurrando uma cadeira de rodas com um garotinho magro sentado nela.

— O Troy quer dizer uma coisa para você, Amie. Vamos lá Troy, é sua vez.

— Desculpe, Amie. Eu não deveria ter jogado tinta no seu cabelo.

Amie sorriu e foi até ele. — Tudo bem Troy, a Alice já me ajudou a limpar tudo. Eu te desculpo. — Ela deu um beijo na bochecha dele e ele corou. Amie se virou para mim exultante ao ver isso. — Você tem razão, ele gosta de mim. — O garotinho, Troy, parecia estar morrendo de vergonha, mas deixou escapar um pequenino e tímido curvar de lábios.

— O que foi aquilo? — Osten me perguntou assim que saímos do banheiro e Amie e Troy tinha se distanciado para brincar, dessa vez com a promessa de evitar misturar tintas e cabelos.

— Segredo de meninas.

— Esse é um daqueles momentos em que você diz "Brincadeira!" e me conta tudo logo depois?

Eu fingi pensar no assunto. — Ah... Não!

— Ok. — Ele fez uma expressão emburrada.

Rindo, eu continuei a falar sem nem perceber o que estava fazendo até que as palavras já tinham saído da minha boca. — Eu deveria deixar você curioso mais vezes. Você já é lindo normalmente, mas essa sua cara chega a ser um absurdo de tão bonita. Ela só não ganha daquela que você faz quando parece que vai aprontar alguma coisa.

Suas sobrancelhas se arquearam.

— Eu sou normalmente lindo, é?

Perfeito. Agora ele teria material de sobra por um bom tempo para me deixar envergonhada.

— O que é aquilo escrito na parede? — Eu me aproximei de um espaço isento de tintas, mas cheio de palavras.

Osten percebeu que eu estava tentando desconversar, mas não me impediu. Apenas manteve um sorriso brilhante no rosto enquanto falava.

— São as assinaturas de todas as pessoas que já passaram por aqui para se tratar.

Eu comecei a ler os nomes. Amie Schmutz, Troy Yalt, Paul Hawkins... Desci um pouco os meus olhos e me detive sobre um deles em especial.

Osten Schreave.

— Eu quebrei a perna quando tinha 12 anos de idade. — O príncipe disse ao perceber que eu havia visto seu nome. Parecia que ele estava esperando isso acontecer. — Tentar subir num carvalho do jardim do palácio não foi uma decisão muito sábia. Ahren tinha dito que eu não deveria, mas eu não lhe dei ouvidos. Como resultado, eu fiquei meses usando muletas com a perna engessada. — Ele suspirou. — No início eu não queria nem sair da cama, me achava incapaz de fazer qualquer coisa. Mas aí os meus pais me trouxeram aqui e foi... um choque de realidade. Percebi que eu estava sendo ridículo. Enquanto eu sofria com um problema que eu mesmo tinha arrumado, e que era temporário, algumas pessoas aqui aprendiam pacientemente a viver com algo que lhes foi imposto para toda a vida, e sem o direito de poder ter evitado ou não. — Osten desviou o olhar para mim. — Antonella foi a minha enfermeira na época. Ela e os outros que vivam aqui foram os responsáveis por me fazer perceber que o mundo não era restrito aos muros do palácio. — Ele engoliu em seco. — Esse lugar mudou a minha vida, e desde aquele ano eu passei a visitá-lo regularmente mesmo depois de curado.

— Você também tem arrumado muito mais patrocínios do que nós um dia sonhamos ser possível, não se esqueça disso, meu menino. — Antonella disse surgindo atrás de nós. — Desculpe a minha intromissão, mas boas ações tem que ser louvadas.

Eu fiquei encarando o príncipe por um bom tempo. Vi que ele curvou os lábios diante do meu olhar. Saber desse lado dele fez o meu coração pulsar exultante, pois essa era uma prova de que ele estava certo mais uma vez.

Água mole em pedra dura tanto bate até que fura. No meu caso, a pedra era a minha armadura muito mais do que rachada contra o príncipe Osten, as palavrinhas "E se...", a água. E elas estavam batendo tanto que conseguiam alargar um buraco cada vez maior nos meus medos.

*Nota do autor: Zia, tradução em italiano para Tia.

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— Príncipe Osten, você trouxe aquele livro hoje? — Amie perguntou.

Nós todos estávamos sentados em círculo. Já haviam se passado pelo menos 3 horas desde a nossa chegada, mas mesmo sob o pedido dos guardas, Osten e eu ainda não queríamos ir embora.

— O livro das frases de autores desconhecidos?

A garotinha assentiu.

— Desculpe, mas não. — O semblante dela esmoreceu. — Eu pedi que fizessem uma cópia para você, mas o pessoal do palácio não conseguiu terminar a tempo.

Amie arregalou os olhos.

— Eu vou ter um livro igualzinho aquele?

— Isso mesmo, igualzinho. — Osten sorriu diante da felicidade dela.

— Eu não acredito! — Ela exclamou. — Eu vou decorar ele inteiro como você fez. Você pode me lembrar algo dele agora?

— Certo, deixe-me ver. — Osten adotou uma postura pensativa. — Ah! Sim. Tem esse parágrafo aqui que eu gosto muito. — O príncipe pegou a minha mão e se virou para mim. — "Se eu pudesse descrever a beleza dos teus olhos e enumerar teus atributos em épocas vindouras... diriam: o poeta mente! A Terra jamais foi acariciada por tal toque divino."

Meu coração disparou. Eu nunca pensei que ele pudesse bater tão rápido, mas ele claramente, podia sim. Senti minhas pernas ficarem moles e agradeci internamente por estar sentada. Por fim, corei sem poder me conter.

Algo nos olhos de Osten reluzia. Ah! Aqueles olhos. Eu poderia passar o resto da minha vida assim, observando-os. Na verdade, eu queria muito fazer isso.

Nós dois começamos a nos aproximar. Cada vez mais perto. Mais perto, mais per...

— Vocês vão se beijar agora?

Eu desviei a cabeça envergonhada.

Não acredito que eu esqueci que não estávamos sozinhos.

Olhei de lado para Osten e pude perceber que ele estava tentando conter um sorriso, e falhando totalmente nisso.

— Troy! — Antonella exlamou alto, mas num tom que revelava mais divertimento do que repreensão.

— Droga, Troy, você acabou com o clima. Eles estavam tão perto. — Um grupo de meninas começou a bradar com ele.

Amie foi ao seu socorro. — Calma pessoal, eles ainda podem se beijar antes de irem embora. — Ela se virou para Osten. — Príncipe Osten, você pode cantar pra gente? Todo mundo tá esperando por isso desde a última visita.

As outras crianças assentiram.

— Será um prazer.

Osten se levantou e foi até um piano no fundo da sala.

Subitamente me lembrei de como ele ficou envergonhado quando eu o peguei cantarolando no abrigo, pois era impossível esquecer que ele desconversou descaradamente. Naquele dia ele cantara baixinho, pois não queria me acordar. Mas quando a voz dele invadiu meus ouvidos dessa vez ela veio alta e poderosa. As notas do piano combinavam perfeitamente com cada verso da música, e eu só pude me arrepiar diante dos falsetes perfeitos que o príncipe executava.

Era simplesmente extraordinário.

Não foi surpresa alguma quando a sala irrompeu em aplausos assim que Osten acabou a canção. Vindo de volta para o seu lugar no círculo, ele se sentou sob várias exclamações de contentamento.

— E você, gostou? — Sussurou para mim.

— Foi perfeito. — Eu sorri. — Você não canta no palácio?

Ele balançou a cabeça. — Nunca achei que o canto fosse a primeira coisa a se admirar em um príncipe. A habilidade na esgrima, as boas maneiras e o andar à cavalo sim, mas o canto não. — Osten suspirou. — Ou talvez essa só seja uma desculpa para a vergonha que sinto.

— Mas não há motivos para isso. Você deveria querer mostrar seu talento. Num dos bailes para os dignitários, por exemplo.

Ele balançou a cabeça novamente. — Sinto que eu só cantaria na frente de todas aquelas pessoas se a emoção verdadeira da música me tomasse por completo. Se eu sentisse que os versos fossem um grito direto da minha alma. E só um acontecimento muito importante na minha vida me deixaria assim. — O príncipe parecia resignado. — Não sei se isso faz sentido.

Pensando em como me sentia quando dançava balé, eu sussurrei para ele. — Na verdade, faz mais sentido do que deveria ser possível.

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Já passava das 6 horas da noite, e nós continuávamos no Centro. Antonella insistiu para que ficássemos para o jantar, mas nós não queríamos abusar da sorte. Os guardas já estavam desesperados. Assim, eu comecei a procurar por Osten para saber quando iríamos partir, e o mais importante de tudo, quando poderíamos voltar para outra visita.

Em menos de 2 minutos, eu o avistei conversando com Antonella no fundo da ala e fui em sua direção, percebendo que nenhum dos dois se deu conta da minha aproximação.

Quando eu estava há poucos passos deles, uma garotinha surda que estava por perto fez um sinal para mim. Fui até ela e a menina pediu ajuda com um gesto das mãos para trançar o cabelo.

Eu assenti. Ela sorriu e eu comecei a trabalhar.

Percebi que do local em que estava, eu podia ouvir o que Antonella falava com Osten, por mais que eles tentassem sussurrar. — Educada, linda, adora crianças e dá pra ver claramente que vocês mais do que se gostam. Afinal, você a trouxe aqui quando nunca havia trazido ninguém. Porque ainda não acabou com esse negócio de Seleção, menino? Não seja burro.

Osten soltou um suspiro. — Não é tão simples assim, Zia. Alice tem algo que a impede de acreditar em mim totalmente, por mais que nós dois estejamos agindo dessa forma. Eu sei que isso é desconexo, afinal nós parecemos casados quando estamos juntos, mas ela não me aparenta estar pronta para firmamos um relacionamento.

Antonella interveio imediatamente. — Mas e você, está?

— Eu não sei.

Ouvir aquilo foi como ter o chão tirado de debaixo dos meus pés. Eu sabia que não tinha o direito de cobrar nada do príncipe, pois não tínhamos conversado a respeito daquilo. Tudo entre nós apenas acontecia. Mas ainda assim não pude deixar de me entristecer subitamente.

— A senhora sabe que todas as minhas tentativas de namoro não deram certo. — Ele continuou. — E de bônus ainda ganhei aquele apelido idiota das revistas. O fato é que eu simplesmente não sei o que acontece. Os inícios de todos os meus relacionamentos sempre foram legais, mas depois... depois tudo desbotava. — Ouvi outro suspiro. — Eu, como um tolo romântico, acredito fielmente na existência de alma gêmeas. Um amor que pode ultrapassar tempo e espaço e que liga duas pessoas de forma única. Meus pais são um exemplo vivo disso. Meus irmãos e seus cônjuges são outros exemplos vivos disso. E eu só quero ser mais um desses exemplos também. — Houve uma pequena pausa antes do príncipe voltar a falar. — Eu gosto da minha Alice, mas eu estou confuso.

— Você está confuso? — Antonella parecia incrédula. — Como isso é possível? Veja só como você se refere a ela, menino, como minha Alice.

— Não sei porque isso acontece, mas não consigo evitar, Zia. É sempre assim quando eu estou perto dela. A confusão some e eu só penso na próxima maneira de fazê-la feliz.

— Você não está confuso, está com medo. — O tom resoluto de Antonella me fez tremer.

— Medo?

— Medo de que se vocês assumirem algo, o relacionamento desbote, como você mesmo fala. E sabe porque você tem esse medo? Porque você sabe que se isso acontecer a menina Alice vai ficar arrasada, pois ela está apaixonada por você. Esse é o seu temor, meu menino, que ela sofra. Você não está pensando no que você vai sentir se tudo acabar, você está pensando no que ela vai sentir. E eis o porquê, seu pequeno "tolo romântico": Você a ama. — Antonella tomou folêgo e eu arquejei. Àquela altura eu nem sabia mais se era capaz de terminar a trança nos cabelos da garotinha. — Uma vez eu escutei a Amie lendo àquele seu livro de frases que ela tanto adora e percebi como uma delas era uma verdade irredutível. Tenho certeza que tanto seus pais quanto seus irmãos também já perceberam isso. E agora é a sua vez de fazer o mesmo. "Amar significa colocar as necessidades do outro acima das nossas próprias, sem que isso nos diminua." Pense com cuidado, criança, ou melhor, não pense, sinta, o seu coração vai confirmar que é exatamente isso o que você está fazendo.

Osten parecia triste quando falou novamente. — Eu não consigo ter certeza. E é por isso que ainda não posso acabar com a Seleção, mesmo sabendo que as chances das outras garotas são bem... poucas, muito poucas. E é também por isso que não posso contar nada a Alice. Ela iria embora do palácio na primeira oportunidade se soubesse de algo. Suas múltiplas defesas se ergueriam de novo e ela nunca mais desejaria me ver, para não ter o risco de ter o coração partido. É disso que ela tem medo, eu sei.

— Isso só prova o que eu acabei de lhe falar. Você sabe o que ela teme, e está tentando protegê-la acima de você. E ao mesmo tempo, na verdade, você está tentando protegê-la de você mesmo, pois não consegue enxergar o que está bem debaixo do seu nariz: seu amor por ela. — Antonella soltou um suspiro de cansaço. — Não sou conselheira amorosa, mas eu tenho medo por você, meu menino. Tenho medo que você tenha que quase perdê-la, ou até mesmo perdê-la de verdade para se dar conta do quanto a ama.

Osten permaneceu calado e lágrimas involuntárias começaram a cair pelo meu rosto.

Mas eu nem cheguei a soluçar, porque duas das janelas da ala de recreação explodiram e eu só tive tempo de envolver a garotinha à minha frente em um abraço para protegê-la do impacto dos cacos de vidro.

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