Capítulo 1

Puta que pariu, nem num casamento esse cara larga do meu pé!

Cruzo a entrada, me encosto na parede e puxo uma respiração mais longa. Ignoro minhas pernas pedindo arrego enquanto distribuo acenos de cabeça para os convidados que passam por mim, a irmã da noiva.

Às minhas costas, o salão de festas está apinhado de mesas. Tem um belo aparador repleto de bem-casados à minha frente e, à esquerda, um imenso banner exibe a foto de Vé e Marlon na açucareira.

Aproveito um casal entrando com três filhos altos para me camuflar e espiar melhor.

— Viu a tia Esmeralda?

Dou um sobressalto e me viro para trás.

— Isaque, que susto! — Lanço um sorriso amarelo para o menininho que me pegou no flagra.

— Tá brincando de pique-esconde com os primos? — ele pergunta, animado.

— Que primos?

— Não é a Thaís e o Manu correndo pra cá?

Sigo o dedo que ele aponta, vendo nossos primos se aproximando.

Merda de família burra! Era para esses idiotas ficarem vigiando por mim. Suas expressões porcas de disfarce junto à marcha urgente entregam o que não era para entregar: que estão fazendo algo escondido. Ou que deveriam estar, já que, logo atrás deles, vejo o olhar do meu alvo indesejado se cravar nas figuras dos dois. O homem alto, de cabelos pretos, passa a segui-los.

Eu poderia me enfiar pela próxima entrada, aqui perto, se o outro desgraçado não estivesse por lá, tornando o lugar zona proibida para mim. Deveria era procurar o pastor que celebrou o casamento, porque só um exorcismo pra tirar esses filhos do capeta da minha vida.

— Tô — respondo de súbito, com um plano se formando em meu cérebro desmiolado. — E preciso que você minta pros dois. Diz que eu fui pegar um chinelo na sala da noiva. — Aponto uma porta à direita.

Dou outra olhada para os meus primos. Eles estão mais perto. O indesejado também.

— Te dou docinho sem sua mãe saber. — Uso do suborno, sendo presenteada com as feições do menino se iluminando.

— Feito!

— Fechado. — Selo nosso acordo com um cumprimento secreto.

Saio apressada após erguer a barra do vestido. Meus pés já estão doendo pela corridinha em cima do salto doze, e as pernas grossas roçando não ajudam na velocidade.

Dou um pique e, no quinto passo, arrisco olhar para trás – algo que alguém com minha capacidade reduzida de equilíbrio nunca deveria fazer. Meu tornozelo instável decide que quer tombar para a direita, me levando com ele.

Minha última visão antes de rolar pela grama é Isaque levando as mãos à cabeça, meus primos boquiabertos e o indesejado surgindo e parecendo preocupado ao encarar minha situação. Preocupado é uma ova!

Tomo força do profundo ódio que me possui, levantando tal qual uma lutadora de jiu-jítsu e correndo como uma maratonista. Não sem antes confirmar que minhas belezinhas estão intactas. Se quebrar uma dessas unhas por causa dele, eu juro por Deus!

Sabe quando você sonha que está correndo atrás de alguma coisa, mas o sonho envolve uma distorção espaço-tempo e, quanto mais você corre, mais longe aquela coisa parece? É assim que sinto o trecho que me separa da porta do banheiro.

Lembro-me de um atalho por um caminho escuro atrás das salas. Talvez isso faça com que o perseguidor me erre. Tomo o desvio ao que lágrimas de ódio correm pelo meu rosto. Quando consigo o feito de estar com uma maquiagem profissional, acabo sofrendo uma perseguição.

Desacelerando os últimos passos perto da entrada lateral do banheiro, me jogo para dentro como uma exímia atleta de salto em distância. Cruzo o pequeno corredor de entrada e me recosto na parede de pedra que o separa das cabines. Ufa.

— Ai — reclamo ao sentir o frio em contato com minha pele fervilhante.

Mesmo assim, há alívio em cada célula do meu corpo.

— Tá escondendo da parentaiada enjoada, né, sua safadinha?!

Sobressaltada pela fala, dou um pulo no lugar.

— Tia Esmeralda? — Quase tenho um piripaque.

Seguro o peito com as duas mãos, como se o coração pudesse atravessar a pele pelo susto, correndo os olhos pelo banheiro à procura da dona da voz.

Se me arranjar um cigarro, eu não conto pra sua mãe.

— Tia Esmeralda, toma vergonha na cara.

— Que foi? Até parece que todo mundo não sabe que eu fumo escondida.

— Não é escondida se todo mundo sabe.

Encontro a mulher sentada em um dos vasos sanitários. Com a porta aberta. De pernas abertas também. Não é tão incomum vê-la assim em casa, mas acho que é de se esperar que as pessoas não reproduzam esse tipo de comportamento em público.

— Cês são tudo uns pau no...

— Tia.

A velhinha suspira como se estivesse cansada.

— Cês são tudo uns hip... — Dessa vez, ela mesma para após se levantar, subir a calcinha pelas coxas flácidas e me olhar. — Sou eu que fumo e você que fica ofegante? Ô, Valquíria, que merda cê arranjou? — Ela estreita os olhos. — Não tá fugindo porque pegou o marido de alguém de novo, né, sua safadinha?!

— Tia! Não tinha como eu saber que o cara era casado! Tava sem aliança, e eu nunca tinha visto ele nas festas de família.

— Aquele lá é vagabundo de marca maior e continua traindo sua prima — diz ela, abanando a mão no ar. Dá descarga e sai andando em direção à pia. — O que foi, então?

É bem nessa hora que passos soam atrás da divisória, e Thaís entra no ambiente com os olhos azuis arregalados. Ao me ver, ela tapa a boca, abafando o riso.

— Ele pode ser um merda, mas tenho que dar os parabéns pelo comprometimento.

Depois desiste de disfarçar e ri alto, mas tão alto que preciso ir até ela e tampar sua boca contornada por um belo tom de vinho – o mesmo cheiro que ela exala e que torna seus passos errantes, me fazendo ter que apoiá-la quando ela se desequilibra.

Mais essa pra minha conta: lidar com prima bêbada.

— Ele te perdeu no meio do caminho, mas agora tá perguntando de um por um se alguém te viu — Thaís conta, um tanto bamba.

— Cês tão de treta, desembuchem — tia Esmeralda demanda.

— É aquele estrupício do André — digo o nome do egoísta com ódio.

Não dava só para me deixar seguir em frente? Ele tinha que fazer disso um acontecimento?

Se eu tivesse compartilhado as boas-novas com a família, teriam proibido a entrada dele, mas acho que esse é o preço que se paga por esconder a má notícia de um término para não estragar os ânimos das festividades. Como se alguém fosse realmente se sentir mal por um dos meus milhares de enrolos.

— O moço bonitão, do olho puxado?

— Tia — repreendo.

— Tá, que seja, seu ex bonitão?

Eu riria dela consertando o preconceito antigo se a situação não fosse trágica.

— Vocês não tinham terminado?

— Não acredito que contou pra tia e não pra mim — Thaís vocifera de dentro de uma cabine.

— Cala a boca, bebum. Sim, tia, e eu achei que tinha deixado isso muito claro, mas...

— Val — a voz que me arrepia, e não de um jeito bom, me chama da porta.

E falando no tinhoso... 

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