Capítulo 6 - Traição

Hoje eu quase que cometi um homicídio duplo, Kukuxka. Nunca pensei que eu sentiria tanta raiva na vida. Fui escrever em você assim que cheguei e acabei furando algumas páginas, de tanta força que apliquei no lápis.  Espero que você não me odeie por isso. 

O que aconteceu? Bem, como sempre, Angelica. Angelica aconteceu. E hoje ela passou do limite do universo.

Papai não pode ficar comigo hoje, então acabei indo pro trabalho com Angelica, que, depois de uma longa semana INFERNAL em casa por causa do episódio do veneno, voltou a trabalhar. Bem, até aí tudo certo. Ela trabalha e eu fico sozinha brincando. Mas o que me deixou com raiva foi o que aconteceu depois do trabalho.

Ela me levou pra comer um lanche, o que me surpreendeu, pois geralmente ela fica muito cansada depois do trabalho.

Aceitei, óbvio, afinal, era lanche. E eu gosto muito de lanches. Mas foi só a gente entrar na lanchonete que eu logo entendi o porquê de estarmos ali: Frank, o "amigo americano" de "mamãe".

"Foi uma coincidência feliz", de acordo com "mamãe", encontrarmos o amigo de faculdade dela lá, então nos sentamos na mesa dele.

Conversa vai, conversa vem, eu apenas observava a intimidade dos dois enquanto comia meu lanche. Muitos toques "acidentais" de mão, Kukuxka. Muito toques.

"Você se casou, Mirian?" Perguntou Frank.

"Sim, mas me divorciei há três anos." respondeu a vagabunda, e eu reparei que ela estava sem a aliança do dedo. "Tudo o que me trouxe de bom naquele casamento foi Natasha."

A raiva me subiu pela cabeça na hora, Kukuxka. Se a faca do cozinheiro ao lado estivesse na minha mão, sangue iria voar... ou melhor: jorrar.

Mas não havia faca perto de mim. Por isso, respirei fundo, desapertei o meu lanche que já havia virado uma massinha, e perguntei no tom mais angelical possível:

"O que é divórcio, mamãe?"

"É quando duas pessoas que estão casadas se separam, Natasha." respondeu ela distraidamente.

"Ué. Você se divorciou de quem então, mamãe?" pressionei, e foi aí que ela notou que a mentira caira por terra. 

Ela olhou para mim e em seguida para os lados, até que avistou o mini playground que tem nos fundos da lanchonete. Ela apontou pra lá.

"Hum... Natasha, por que você não vai brincar nos brinquedos daqui?" perguntou, e eu percebi o nervosismo em seu olhar.

"Porque eu não quero e estou comendo." eu disse, toda plena como sempre, dando outra mordida no pão.

"Tem razão. Não se pode brincar com comida na boca, não é mesmo?" ela riu, e então voltou a conversar com Frank.

Raiva. Se ela pensava que podia me distrair como faz com as outras crianças, estava muito enganada.

"Mamãe, você não me respondeu com quem você se divorciou". fiz a expressão mais inocente que conseguia.

Ela se virou novamente para mim, tamborilando nervosamente na mesa.

"Filha, não acho que você esteja pronta para isso... é um assunto bem delicado. De adulto, sabe?"

"Sei." disse. Eu não iria deixar aquilo barato. Naquele ponto eu já sabia que a minha mãe estava tentando dar um beijo no Frank. Não sei se você sabe, Kukuxka, mas o nome disso é traição.

E traição é algo imperdoável e muito, muito feio.

Como ela tinha coragem de fazer isso com o papai?! E quem garante que ela já não fez isso outras vezes? Eu me segurei muito pra não pular no pescoço dela.

"Pensei que você nunca tivesse se casado com outra pessoa além do papai" continuei. Frank olhou para Angelica diferente. Acho que ele já estava percebendo a mentira. "E vocês dois são casados, né? O seu anel... ué, cadê seu anel?"

Minha mãe ficou vermelha. Depois roxa. Era possível ver a vergonha misturada a raiva em seu olhar. Ela olhou para Frank em um pedido de desculpas e se levantou.

"Devo ter esquecido do carro. Acho melhor irmos, filha."

"Pra onde?"

"Para casa."

"Eba! Estou com saudades do papai." gritei, apenas para me certificar de que Frank entendesse que a vaca estava mentindo.

"Não grite, Natasha." repreendeu-me ela enquanto tirava desajeitadamente o dinheiro da carteira e o deixava em cima da mesa.

Ah, Kukuxka, ela saiu toda envergonhada da lanchonete. Frank não tentou impedir, claro. Na verdade, ele não soltou nem mais um pio, hahaha. 

Por outro lado, durante todo o trajeito, Angelica ficou falando para mim que eu não devo me intrometer em conversa de adultos e blá, blá, blá. Ela realmente acha que eu sou burra? Que não sei o que é traição?

Hoje, Kukuxka, foi a prova definitiva de que ela não merece papai. Papai jamais sequer pensaria em trair Angelica, por mais escrota que ela seja.

Ele é um homem muito justo e legal. Por isso que eu gosto dele! 

Infelizmente, ele não estava em casa quando nós chegamos; na verdade, ele ainda não chegou até agora.

Admito que pensei em contar para ele sobre Frank e em como Angelica se passou por solteira só pra poder ganhar um beijo de outra pessoa.

Mas, ao escrever em você, a raiva diminuiu um pouco e estou podendo raciocinar um pouco melhor. Pensa comigo, Kukuxka:

Angelica com certeza já traiu meu pai antes, logo, mesmo que ele acabe sabendo e brigue com ela, ela continuará traindo. É inevitável, Kukuxka, o porco sempre volta ao chiqueiro, por mais bem tratado e limpo que seja lá fora.

Então... por que não assustar os amantes de Angelica, fazendo parecer que ela está na mira do próprio Deus, que só não a mata pra não fazer meu papai, que é muito bom e fiel, sofrer?

Eu adorei essa ideia, Kukuxka. E eu acho que você também. Não tem como não amar!

Bem, estou saindo agora. Papai acabou de ligar avisando que atrasou um pouco, mas já está chegando. Vou esperar por ele lá embaixo!

Até amanhã, Kukuxka!

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