Dois
Rafaela, Karen e as outras meninas do time assistiam aquela cena, de braços cruzados, indignadas, na arquibancada. O treinador Guedes, havia cedido o campo para o time masculino do terceiro ano no nosso horário de treino mais uma vez.
__ Inacreditável __ Murmurei, vendo os garotos correrem de um lado pelo o outro com a bola.
__ O que é isso, o que está acontecendo? __ Bruna indagou, nervosa, como se não fosse bem óbvio.
__ É a terceira vez que isso acontece só nesse mês __ Karen, disse, se virando para trás na nossa direção, com uma cara de frustração.
__ Está claro que o treinador Guedes não quer nos treinar mais. Por isso fica cedendo a quadra para os meninos justamente no nosso horário! __ Resmunguei.
__ E ele ainda diz que isso não tem nada haver com gênero, mas está bem nítido que ele acha uma perda
de tempo treinar garotas __ Foi a vez de Rafaela fazer uma observação,revirando os olhos.
__ Querem saber de uma coisa? Eu não vou ficar aqui parada vendo esse teatro
Olhei para Bruna com os olhos arregalados, percebi que ela estava prestes a fazer alguma coisa, mas não era ir embora dali.
__ O que você vai fazer?
__ Eu? Eu vou lá tirar uma satisfação com ele, oras. Isso não pode ficar desse jeito __ Alegou, prendendo o cabelo impaciente.
Eu até tentaria impedi-lá se tivesse me dado tempo o suficiente. Antes que nos disséssemos algo, Bruna já estava atravessando o campo de grama, com passos fortes, com os peitos estufados, destemida, sem tremer nenhum pouquinho. Confesso que as vezes invejava a sua coragem.
Eu e as meninas nos entreolhamos pasmas com a atitude da nossa colega e ao mesmo tempo estávamos preocupadas. E se a situação ficasse pior? Se Bruna ganhasse uma advertência ou algo assim.
__ E nós, não devíamos ir atrás dela também? Talvez se todas nós cercássemos o treinador, isso faria ele perceber que não estamos de brincadeira. Além do mais é um ótimo jeito de apoiar a nossa amiga, não acham? __ Karen, sugeriu, amigavelmente olhando para cada uma de nós esperando uma aprovação.
Quando seus olhos pararam em mim, engoli em seco e um frio correu pelo umbigo. A nossa professora de história vivia falando sobre o poder feminino e essa coisa de lutar pelos nossos direitos. E eu concordava. Mas na pratica não era tão fácil reagir. Não é como se eu não me importasse com a seriedade da situação, entretanto, não era tão imponderada igual a Bruna e outras garotas do time.
__ Eu acho que a Ka, está certa. Nós também devemos ir __ Rafaela concordou e as outras também.
E então como eu ainda não havia dito nada, os olhares pararam todos em mim.
__ Aí gente, não sei não. E se der algum problema?
Todas reviram os olhos e resmungaram.
__ Nossa, Júlia como você é medrosa. Você vem ou não? __ Rafaela, indagou impaciente, dando alguns passos em direção ao gramado. As outras meninas iam do seu lado.
Engoli em seco mais uma vez, as minhas mãos suavam de nervoso. Seria a única a ficar na arquibancada se não acompanhasse o time, então não tive outra escolha a não ser ir. Caso contrário seria motivo de chacota pelo resto do ano.
Nos aproximamos do treinador Guedes e de Bruna, que tentavam se entender. Ela estava bastante irritada. Bruna, tinha cabelos castanhos claros, longo e bem liso, ela o prendia em um rabo de cavalo e ele se movia levemente enquanto gesticulava.
O treinador Guedes pareceu espantando quando viu aquele tanto de meninas ficarem ao seu redor, de braços cruzados e uma expressão fechada.
__ O que parece treinador Guedes, é o que o senhor não quer nos treinar mais __ Bruna, argumentou
O treinador soltou uma risadinha forçada
__ Meninas, não é nada disso. Eu já disse: o time masculino do terceiro ano tem um jogo importante daqui algumas semanas. Eles precisam treinar bastante. Entendam isso.
__ Mas porque justo no nosso horário? __ Rafaela, quis saber.
__ É? __ Perguntamos em um uníssono.
Essa pergunta deixou o treinador quase sem argumentos. Ele tirou o boné para coçar a cabeça, enquanto pensava numa justificativa. Pensamos que tínhamos o deixado sem saída.
__ Não é só no horário de vocês __ Soltou, rapidamente __ Mas pensem pelo lado positivo, quanto mais os garotos treinam mais chances têm de ganhar e se eles ganharem o jogo, a nossa escola ganha computadores novos! __ Ele contou aquilo, como se estivesse falando algo muito empolgante com algumas crianças.
__ Mas e quanto ao nosso treino? __ Bruna, indagou, cruzando os braços e batendo um dos pés impaciente.
O treinador Guedes se estressou. Ele esfregou a cara e respirou fundo.
__ Olha meninas, querem saber uma coisa? Já estou perdendo a paciência com vocês. Já disse que o time masculino precisa de treinar muito até o jogo e é bem provável que eles precisem da quadra nas próximas quartas - feiras também!
__ O quê? __ Soltamos em uníssono, olhando umas para as outras, sentindo nossos nervos pulsarem de indignação.
__ Isso não é justo! __ Karen protestou, levantando um pouco o seu tom de voz.
__ Tem que ter outro jeito, e se nós treinássemos nas segundas, então? __ Rafaela, sugeriu esperançosa.
__ Hã, não. O time masculino do 1º ano treinam nas segundas _ O treinador Guedes, respondeu.
__ E nas sextas?__ Bruna insistiu
__ É impossível também. O time do terceiro ano vão precisar da quadra nas sextas, nas terças, nas quintas... enfim meninas, eu sinto muito. Mas vocês terão que esperar o jogo passar.
Sinceramente, eu não estava mais suportando aquele treinador sínico. Era visivelmente claro que ele não estava nem um pouco interessado no time feminino. Não havia nem uma pequena ruga de preocupação na sua expressão facial.
Não podíamos acreditar que estávamos mesmo ouvindo aquilo, em outras palavras, nossos treinos seriam adiados até o próximo mês. Isso era um absurdo e o treinador Guedes, não estava com cara de que iria considerar uma nova possibilidade para não ficarmos tanto tempo sem treinar.
__ Treinador __ Vini, o melhor jogador da escola chamou o treinador Guedes.
Olhei em direção ao garoto, que estava com a testa toda suada e segurava a bola no pé. Vini Fernandes, era um rapaz muito bonito e não era só eu que achava. Ele tinha o cabelo escuro raspadinho, fazia academia e era super gente boa. Tinha uma quedinha por ele no nono ano. Uma pena ele estar um ano na frente, assim nunca tivemos a oportunidade de estudar na mesma sala.
Quando percebeu que eu estava olhando, Vini levantou a camisa para limpar a testa, deixando bem visível o seu tanquinho. Me senti corar e virei a cabeça para o outro lado no mesmo instante.
__ Eu tenho que ir meninas, estão me chamando __ O treinador, saiu andando em direção ao garoto. Sem se importar em nos deixar ali plantadas com cara de palhaços.
No fim das contas, nada foi resolvido. Saímos derrotadas, contrariadas do campo de futebol.
__ Então é isso, nosso treino foi por água abaixo __ Karen, comentou decepcionada, apoiando uma das perna sobre a arquibancada.
Bruna, talvez fosse a que mais estivesse decepcionada. Ela se sentou um pouco afastada de nós e não disse uma palavra. Alguns minutos depois ligou para a sua mãe e pediu para nos buscar.
Quando ela chegou, Bruna entrou no carro e bateu a porta de um jeito bem bruto. Sua mãe a repreendeu apenas com um olhar.
__ Essa é a terceira vez que isso acontece __ A mãe dela reclamou, quando o carro já estava em movimento __ E é sempre quando estou prestes a começar uma sessão com o cliente, daí preciso pedir licença e interromper a terapia só para vir buscar vocês cinco minutos depois de ter deixado vocês na porta da quadra!
A mãe da Bruna era terapeuta. Mas as vezes tinha a impressão de que ela que precisava de terapia e a filha também.
__ Mãe não é culpa nossa!
__ É, tia Val. Foi o treinador que mais uma vez nos trapaceou! __ Expliquei, sentindo nos nervos toda vez que me lembrava da cara dele de despreocupado.
__ Pois é. Vocês não acham que o tempo que estão perdendo vindo aqui para um treino que nem acontece, vocês poderiam estar participando de atividades mais úteis? Tem muitas outras atividades mais interessantes para meninas, sabiam disso? __ Indagou, olhando pelo retrovisor.
Revirei os olhos. Bruna também ficou em silêncio. A mãe dela nunca disse com todas as palavras, mas sabíamos que ela não apoiava essa coisa de fazer parte de um time de futebol. Para ela deveríamos procurar fazer outras coisas digamos mais femininas.
Ainda bem que minha mãe super me apoiava. Até porque na minha idade ela também jogava no time de futebol feminino da escola dela. Minha mãe, Dona Cristiane, tinha uma loja de perfumes no shopping. A gente se parecia bastante tanto na fisionomia quanto nos gostos.
Eu não saberia dizer se o meu pai apoiaria. Ele morreu quando eu tinha dois anos de idade. Ele estava com um tumor. Então não o conheci. Mas o pai de Guto, era quase um pai que não tinha.
Sim, meu irmão Guto era fruto do primeiro casamento da minha mãe. Quando se separaram Guto tinha uns dois anos. Não conseguia entender qual foi o motivo do fim do casamento, Robson era uma pessoa muito legal. Pelo menos como pai, ele tirava nota 10. Ele fazia questão de chamar o meu irmão e eu para darmos um passeio em alguns fins de semana. Torcia para que em um futuro próximo ele e minha mãe pudessem se entender novamente e quem sabe ficarem juntos. Embora minha mãe vivesse dizendo que ela estava muito feliz sozinha e que não precisava de um homem.
Eu não sei não. Admiro essas mulheres que são autossuficiente, independentes e que não têm medo da solidão. Pois eu, morria de medo de chegar nos vinte e cinco sem ter um marido. Então eu esperava mais que Roberto não fosse tão lerdo e tomasse uma atitude o mais rápido possível. Mas esse sonho parecia longe de se tornar realidade. Até por que tinha muita chance dele se casar com Alice Vaz.
As vezes, quando estava com vontade de ser dramática e de me lembrar como a vida de uma adolescente é sofrida, eu ficava maratonando os vídeos que ela gravava com ele para postar na internet. Tinha que admitir que pareciam feitos um para o outro. Eles ficavam tão felizes quando estavam juntos. Seria muito egoísta da minha parte torcer para o fim, mas ainda sim podia ter esperanças. Certo?
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