Pergaminho XVI
Laila Hawking
Ele tinha a cabeça raspada, lisa como um ovo. Alto, talvez um metro e noventa. Seus dentes, todos amarelados, da cor do ouro. E os olhos, ah os olhos, os olhos de um monstro. O tão temido e respeitado Líder Steel. O capitão da segunda divisão da Equipe Platina. O montanha, como era conhecido.
Ninguém o encarava diretamente. Nem mesmo um ousava, de seus quase quarenta subordinados que o seguiam. Eles o acompanhavam em silêncio, vendo-o cortar com fúria os juncos e os galhos insolentes que cruzavam seu caminho. Mas nenhum som era escutado entre eles. Também né, quem não teria medo? Até o vice capitão, aquele seu mão direita, desceu as pupilas aos pés quando enfim tomou coragem para indagá-lo:
— Capitão, teria como dizer o que viemos fazer aqui? O que tem pra fazer no meio de uma floresta? Por acaso vamos... — ele abaixou mais o rosto e a voz: — roubar árvores?
Steel o olhou. Isso, somente o olhou. Já significava algo. Um sentimento ruim sobe do estômago e amarra num nó, a garganta de quem é fuzilado por esse olhar. O monstro ergueu o queixo e cuspiu em seu desdém:
— Não seja idiota, idiota. — o troglodita apontou — Tá vendo ali, ali na cachoeira no fundo?
Seu subordinado apertou os olhos.
— Um bando de crianças? O que tem elas, capitão?
— A Equipe Platina precisa de novos membros. Vamos sequestrar essas crianças.
— Sequestrar crianças? E será que elas vão querer entrar no nosso time desse jeito?
— Não interessa. Se não quiserem, vamos pedir resgate aos pais deles. Simples! — por fim, Montanha ordenou de um modo rude de fazer tremer dos insetos no chão até as aves nos céus: — Em formação! Todos! Ouçam bem!!
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O espírito de qualquer um relaxaria ao escutar a orquestra que a natureza lhes agraciava. O som das águas surrando as rochas e, nessa melodia, acompanhava-se o farfalhar das copas das árvores que os cercavam. Uma brisa. Um cheiro de água. Um sol amigável. O inverno estava chegando em seu fim. No norte, ele parecia sempre terminar há um mês do início exato da primavera. Naquele dia de uns vinte e poucos graus, é claro que as crianças aproveitariam para se refrescarem na cachoeira. A ideia era de somente um piquenique na margem do rio, mas obviamente que Laila, com o coração mole que tem, não negaria esse pedido aos garotos.
“Vem tia! Vem nadar também!”
Talvez fosse o oitavo, ou nono convite que recebia de um deles. Mas ela não iria. Primeiro porque não tinha trazido maiô. Diferente daquelas garotinhas espertas que já chegaram lá com a ideia de nadar na cachoeira e vieram preparadas. E o segundo motivo era óbvio. Tinha que ficar de olho neles, não podia se distrair. E Laila sendo Laila, era meio paranoica quando se tratava de crianças. Não é a toa que fazia a contagem deles a cada cinco minutos. E a cada dez, amaldiçoava Henrique por não chegar logo com o garoto Yuji.
Fora essas preocupações, a jovem mulher poderia curtir aquele dia relaxante tomando um pouco do suco de abacaxi roxo que havia trazido e ficar ali, observando o quadro monumental que a natureza proporcionava junto a brisa refrescante.
O que faltava a aquele momento era outra cadeira ao seu lado. Uma mão segurando a sua. Uma mão forte, áspera, suada e com algumas cicatrizes. A mão de um guerreiro. De um cavalheiro. Cavalheiro este que lhe a torturasse com um beijo picante e sápido, aquele beijo de palpitar o peito a levando a outro mundo com seu tesão. Só de pensar o rosto da jovem até ficava encharcado em um suor quente, ou melhor, fervente. E nem tava tão calor assim. Ela abanou-se com a mão. Que indelicado, ainda mais na frente das crianças. Ela se recompôs.
Laila levantou-se e voltou a contar. Soltou seu alívio em mais uma vez ter a certeza de que todos estavam ali. Alguns garotos divertiam-se debaixo d’água, outros atazanavam as meninas e tinha aqueles pestinhas em que era necessário ficar chamando atenção para não subirem nas pedras grandes ou tentarem escalar a cachoeira. Paciência, né?
Bem, ao menos assim a jovem não ficaria pensando em coisas meio indelicadas na frente das pessoas. Já bastava aquela vez que Henrique a flagrou numa posição um tanto sugestiva de trás da árvore. Deveria pensar que ela era uma tarada... Credo. Laila não soube onde enfiar a cara depois disso.
Ela riu sozinha lembrando da vergonha. Por fim, gritou com mais alguns garotos. Até, de uma maneira súbita, sentir um arrepio subir pela espinha. Algo de errado com certeza não estava certo. Laila costumava ter tal sensação quase toda vez que uma coisa ruim estava prestes a acontecer. Um tinido, um “sentido aranha” – como Henrique costumava chamar. Foi assim antes de seu irmão cruzar o mar. Foi assim antes de Henrique ser capturado e sentia o mesmo naquele momento. Ela começou a tremer. Passou a virar o rosto para os lados, precisava achar logo o que quer que fosse o motivo de seu temor. Era uma sensação insuportável. E a mulher viu. Laila viu um homem saindo de trás das árvores e, ao passo que se aproximava, ficava claro que não se tratava só de um homem, só podia ser um monstro.
Ela chamou todas as crianças. A princípio reclamaram, mas seu olhar sério fez com que não hesitassem em formar uma fila de trás dela. O suor pingava sob a terra. As pernas da jovem estavam bambas. Laila curvou o pescoço a procura de uma saída. Um monstro daquele com roupas tão bizarras que mais se parecia com uniformes de alguma gangue certamente não significa boa coisa. Tinha que fugir com as crianças o quanto antes!
Olhou para a esquerda, direita, diagonal, até para cima e para baixo olhou. Outros homens que vestiam roupas parecidas as do monstro cercavam cada canto. Eram túnicas quase que inteiramente cinzas. Contudo, ao ínterim que se aproximavam, Laila podia ver melhor que ao centro, havia um “P” bordado em preto, na túnica. Também via-se uma faixa preta na cintura e os sapatos que usavam combinavam, todos pretos.
Laila soube na hora, sim, de fato deveria se tratar de alguma gangue.
O homem monstro ainda se aproximava e foi ficando de frente a jovem.
Até que...
Parou.
A encarou.
Não desgrudou os olhos dela.
E disse, por fim:
— Vamos levar as crianças com a gente.
Ele deu um passo para frente e Laila dois para trás, abrindo os braços em proteção aos garotos. A moça engoliu a escassa saliva na boca e gaguejou.
— N-não vai levar eles. É melhor se afastarem. — seus olhos se arregalaram numa tentativa de exprimir fúria.
O gigante, por sua vez, ergueu as sobrancelhas surpreso. Aproximou mais o rosto da jovem e chegou a apertar sua visão.
— Esses olhos... São cinzas? Você é uma Hawking?
Laila paralisou. Eles de certo que eram bandidos e com aquilo, seus motivos para estarem ali se tornaram mais fortes. A moça sabia o que significa uma pergunta dessas. Temeu, mas ainda sim lhe deu uma resposta.
— Sou... Mas saiba que não irá conseguir nada me sequestrando. Os Hawking não se importam com bastardos.
O monstro não a respondeu. Voltou a dar passos lentos em direção a eles. Laila gritou no tom mais sério e ríspido que já havia tentado.
— Eu já disse, não ouse se aproximar.
O homem a olhou de queixo erguido.
— Se não o quê?
A jovem fechou as mãos. Abaixou o rosto. Por fim, a moça respirou fundo, bem fundo mesmo, aspirando todo ar que podia fazendo os pulmões ocuparem espaços bem mais amplos no peito, talvez até cobrisse completamente sua caixa torácica. E soltou esse ar calmamente, em longos segundos.
— Se não — A jovem acrescentou — Você vai se machucar muito. — a sobrancelha se abaixou. Estava séria. Não seria mais necessário forjar um ódio, ele já o consumia. E, dessa vez, mais que o medo.
Aquele babaca não deveria ter ousado se meter com as crianças. Laila ainda tremia, e muito por sinal. Mas precisava ser forte, precisava que sua raiva a controlasse naquele momento, não o medo. Só assim conseguiria proteger as crianças.
“Proteger as crianças” era tudo o que pensava. E sim, faria isso!
Há uns quatro passos dela, o homem parou. Não virou o rosto para atrás, apenas os olhos se moveram aos cantos e, bradou ao seus homens em seriedade:
— Peguem as crianças.
Sem demora, três bandidos avançaram na frente. Somente esses três. Afinal, já era mais do que o suficiente para dar conta de uma mulher e algumas crianças. Dois caminhavam pela direita e um a esquerda. Laila tremeu mais. Contudo, agarrou com força seu pulso para que parasse. A moça dobrou os joelhos levemente e inclinou o corpo. Precisava respirar analisar bem a situação. O que ela via? Os dois homens a direita chegariam antes do outro a esquerda. “Ótimo, já é um começo!” Os braços deles estavam abertos e largados. Não podiam estarem mais descuidados. Abaixaram a guarda? “Uma vantagem!”
Finalmente, eles chegaram a um passo dela. De maneira veloz como um falcão, Laila esticou o braço e o arremessou um pouco a cima da altura do nariz no primeiro homem. Um choque rápido, certeiro e o deixou desnorteado. O mostro que os observava não deixou de erguer as sobrancelhas. Uma velocidade de fato, admirável. Nem mesmo ele conseguiria prever tal investida.
O segundo, a direita, recebeu o exato mesmo golpe. Não desmaiaram com isso, óbvio. Mas suas cabeças giravam e seus corpos perderam o equilíbrio como depois de uma noite de bebedeira. Por fim, Laila chutou o lado dos joelhos, derrubando os dois e finalizou com uma investida em suas nucas. Enfim, ficaram inconscientes.
O monstro soltou um sorriso de canto. O bandido a esquerda observava tudo estático como um poste. Seu queixo caído, num certo grau, chegaria a ser hilário, isso numa outra ocasião. Quando se deu conta, ele correu em direção a jovem com os dois punhos levantados. Ela agachou para desviar dos socos. Por fim, fez o mesmo que fez com os outros. O deixou atordoado, avançou em seus joelhos e finalizou com um golpe na nuca.
“Deu certo? Sério mesmo, deu certo?”
A vontade da jovem era de pular e rir da cara daqueles três idiotas. Amassar o sapato no rosto deles e sair gritando: “Tá vendo? Aposto que acharam que seria fácil só porque eu sou mulher, toma essa otários!” Laila chegou a deixar escapar um sorriso de canto. Mas, este se desfez quando percebeu bandidos atrás de bandidos vindo em sua direção. Um, dois, três, quatro... Eram tantos! Agora quem sorria era aquele monstro. Que ódio!
— Você não cogitou a ideia de que poderia ganhar essa disputa, cogitou?
“Arrogante desgraçado!” Laila rangia os dentes de raiva. Que bom, né? Assim pelo menos não tinha espaço para dar ao medo.
Antes mesmo de piscar, um homem já estava bem na sua frente. Foi por pouco que conseguiu desviar de seu soco. O deixou atordoado, o fez cair e lhe atingiu a nuca, assim como os outros. Mais um chegou. O deixou atordoado, o fez cair e lhe atingiu a nuca. Repetiu a fórmula em um, dois três e até quatro bandidos de uma vez! É claro que nem sempre conseguia atordoá-los da mesma maneira. Vez ou outra batia nos ouvidos, lhes espetava os olhos com os dedos ou dava um tapa em suas testas. Assim como a forma como os derrubava tiveram que se variar.
Isso até receber o primeiro soco, bem fundo no estômago. Laila vomitou. Depois não conseguiu segurar a corrente seguinte de golpes. Todas as direções. No rosto, costas, braço barriga, ombro. Sentia-se atordoada, não controlava seu corpo. Por um milagre que não caía. Alguns homens puxavam seus cabelos. Outros deram dois socos em seu estômago ao mesmo tempo.
“Eu não posso cair” por pouco não desmaiava. Qualquer resquícios de consciência que tivesse a fazia pensar nas crianças.
Laila gritou. Se lembrou do que lhe disseram caso estivesse cercada por inimigos. Na época imaginou que seria bobagem, bem, quem diria que não! Ela aplicou uma das técnicas. Foi importante chutar o joelho de alguns e abrir espaço por baixo. A jovem conseguiu se livrar deles e manteve alguns passos de distância.
— Está fugindo gatinha? — resmungou um daqueles bandidos asquerosos.
Laila pôs a mão num compartimento de suas vestes. Ainda estava lá o objeto. Puxou o que era um pedaço de tecido e amarrou os cabelos. Com uma mão, limpou o sangue que escorria do canto da boca.
— Vamos começar de novo. — Ergueu os punhos.
Todos a atacaram de uma vez. Dessa vez a luta foi entre socos e chutes. A mulher deixou de usar a fórmula de atordoar, derrubar e nocautear. Se tivesse que fazer alguém ficar inconsciente, que fosse no soco. Ia descer a porrada em geral!
E foi exatamente o que gritou:
“Vou descer a porrada em geral!”
Ela sabia bem defender os socos. Seus braços eram mais pequenos, porém, quase três vezes mais rápidos do que o de qualquer um e a velocidade que lhe dava a verdadeira potência. Laila também sabia os locais exatos em que deveria socar. É claro que foi golpeada e de maneiras bem dolorosas por sinal, mas desde que fosse a última a ficar de pé, venceria. Ou, ao menos, se pudesse derrubar a quantidade necessária de bandidos para que as crianças pudessem escapar, já seria o suficiente.
E mesmo ali com o caos, Laila sorria.
“Um bando de homens barbudos levando um coro de uma mulher” ela riu.
Com certeza ia ficar uma semana se gabando para Henrique de tudo o que aconteceu. É claro, se saísse viva. Riu de novo.
Entretanto, seu sorriso se desmanchou ao levantar o rosto. Os olhos se arregalaram. O que aquele monstro fazia ali?! Ele não estava só observando?! Laila voltou a tremer e os outros bandidos, abriram espaço para seu capitão. O troglodita nada disse, somente ergueu seu braço – que tava mais para uma tora de madeira – e, numa velocidade quase tão rápida a da jovem, atracou-lhe um soco. Laila conseguiu pôr o braço a frente como proteção a tempo. O impacto a arremessou uns quinze passos de distância.
A cabeça girava. Não tinha forças para se levantar do chão e, às crianças ao lado, se paralisavam em vê-la neste estado. O braço latejava. Mais um soco daquele e ele se rasgaria para fora. Laila começou a chorar de dor. Uma das crianças correu até ela e lhe estendeu a mão. A jovem sorriu e, com um esforço tremendo, conseguiu se levantar.
Não, não dava para desistir ali. Se matasse o grandão a moral dos outros seria abalada, talvez até desistissem do plano. Era isso, tinha que matar o monstro.
Este levantou a voz:
— Não acha melhor desistir? Não pense que pode ganhar de mim. Não se preocupe, eu prometo a você que te deixaremos sair viva se desistir agora. É claro, depois de cada homem meu te estuprar.
Laila sorriu. Tentou segurar seu corpo em pé. A gravidade parecia ter quase a mesma força que ela.
— Você nunca cala a boca não? Não sei como eles aguentam te seguir. Bem, eles vão ficar mais aliviados depois que eu encher essa sua cara de porrada.
Desta vez, o sorriso asquerosos do monstro se tornava ainda mais evidente:
— Você é abusadinha hein. É assim mesmo que eu gosto.
De um modo tão súbito quanto o início de uma tempestade, certa voz, bem ao fundo, foi escutada:
— Então você vai me adorar.
O sujeito roubou a atenção de todos, de cada bandido, criança, de Laila e até do troglodita. Laila o reconheceu de imediato e não podia conter sua felicidade, nem o pulo que deu em seguida. “Aee desgraça!!” – gritou.
O sol quase se punha. O crepúsculo alaranjado iluminava com mestria a pele negra do rosto do soldado, fazendo-a brilhar e ficar evidente. Ele observava tudo alguns metros de distância. Com o rosto sério, Franco sabia bem o que aquilo significava. Como aqueles delinquentes ousavam importunar a filha de seu herói?! Que audácia! Sua túnica preta nova e o capuz fizeram alguns bandidos vacilarem dois ou três passos para trás.
— Laila Hawking? — Franco gritou mesmo de longe.
— Sim?
— Primeiro eu gostaria de me desculpar pela forma que eu te tratei naquele dia.
Laila dobrou a testa. O que ele disse?
— Desculpa tá muito longe. — vociferou — não ouvi nada. Mas agradeço a ajuda.
O soldado sorriu. Sacou da bainha a espada brilhante de luz, chamando a atenção de todos.
“Aquilo é valar?” – os bandidos se indagavam. “Ele é de alguma casa nobre?”
Os delinquentes, covardemente se posicionaram de trás de seu capitão, que revirou os olhos com aquele ato vergonhoso.
— Não pense que pode me assustar com essa sua espada de valar. — disse — Vou matar você e pegar essa espada pra mim.
— Se eu não cortar sua cabeça antes. — A espada se energizou.
— Vão atrás dele! — o monstro segurou pelo braço e jogou dois de seus homens em direção ao soldado.
Franco continuou andando até eles, mas de olhos fechados. Por fim, repetiu a frase: “Que a luz resplandecente de meu povo traga a paz” deu mais uns cinco passos de olhos fechados e repetiu mais uma vez: “Que a luz resplandecente de meu povo traga a paz” Por fim, quando aqueles dois bandidos já estavam há uma distância considerável, tudo o que disse foi: “Prestígio de Fótons”
Impossível de acompanhar com os olhos. Não a espada, não a lâmina, mas sim a luz que emanava da espada, decepou seus corpos pela metade, na altura da cintura. Um corte rápido, liso e perfeito. Franco limpou o sangue que acabou respingando nos olhos. Levantou o rosto e os encarou:
— Então? Quem vai ser o próximo?
Quem o observasse bem, podia ver que os olhos do soldado brilhavam na cor amarela, como da luz da espada. Um dourado de ouro. Laila, por sua vez, mesmo em seu estado atual, se arrepiou em ver seus músculos. A moça começou a transpirar.
— Por Jahed!
Mapa do Continente:
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🐲~luks~🐲
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