Pergaminho XV

Momento em Família.


Faltava menos de um mês para o Festival de Primavera e ter sua oportunidade de enfim sair daquele mundo. E ainda assim Henrique parecia arrastar os passos. – compreensível dada a situação em fora imerso – Andava com braços e as costas caídas. Ele sorria com sua certa descrença típica e olhava para a grama rala com o tédio matinal.

— Que ótimo! – bufou – de pesquisador, agora virei Babá... Aquele Primeiro Ministro desgraçado...

Laila pôs a mão na boca e tentou disfarçar o riso baixo. Era como se sentisse exatamente o contrário do homem. Vez ou outra a jovem olhava para trás a fim de assegurar que as crianças estivessem todas ali as seguindo.

 — Não é tão ruim. – iniciou a jovem dos cabelos castanhos – Prefiro tomar conta de crianças do que trabalhar no campo.

Henrique revirou os olhos explicitamente. Tapou um dos ouvidos com a mão. NÃO AGUENTAVA MAIS AQUELA GRITARIA.

— Vem cá, onde que fica esse diabos de "bosque das bênçãos"? Vai demorar muito para chegar ainda?

 Laila apontou para frente:

 — Ainda precisamos atravessar a floresta. — depois, virou-se e exclamou as crianças: – Fiquem todos juntos! Sabem o que dizem sobre as crianças que se perdem na floresta?

Uma garotinha gordinha com cabelo trançado não demorou a responder:

 — O Monstro do Tronco devora elas!

— Monstro do Tronco? — Henrique encarou Laila.

— É uma lenda antiga popular aqui na cidade. Quando eu vinha com minha mãe ver o bosque das bênçãos, ela me contava essas histórias para eu não largar as mãos dela. Digamos que eu sempre fui meio peralta.

— Então você já veio aqui?

 — Claro. Minha mãe me trazia todo ano. A cachoeira era muito divertida! – ela sorriu – Por muito tempo foi nossa atividade de mãe e filha. — Laila girou suas írises cinzas até a direção de Henrique.

“Lá vem ela com alguma pergunta.” – O homem pensou. E não foi por menos:

— Mas e você?

 — Eu o quê?

 — Já fazem semanas que você tá aqui e não sei quase nada de você!

— O quê você quer saber?

 — Ah, sei lá... Tipo, você também fazia algo com seus pais? Tinham alguma atividade? Costumavam sair para algum lugar?

 Henrique fixou-se na grama, como se seu verde claro desbotado lhe ajudasse a pensar. Manteve-se em silêncio por um instante.

 — Eu morava no campo. — iniciou — Meu pai trabalhava o dia inteiro praticamente, então quase mal nos víamos.

 — Mas e sua mãe?

Ele fechou os olhos. Permaneceu quieto e não a respondeu. Se não fosse a gritaria das crianças talvez o passeio pudesse ficar excepcionalmente constrangedor. No final de contas aquilo serviu para alguma coisa. Finalmente, Laila decidiu mudar logo a linha que a conversa, ou melhor dizendo, a tragédia, seguia.

 — A propósito, essa floresta não é tão grande quanto parece, então não devemos demorar muito para chegar.

Henrique soltou o ar dos pulmões em alívio. Pelo jeito acabaria logo, só tinha que aguentar aquelas crianças mais um pouco.

E... Falando no diabo...

A balofinha de cabelo traçado puxou a camisa do cientista.

 — Moço, ei moço!! — Ele virou o rosto para trás e a mocinha continuou: — Por que você é tão esquisito? Eu já vi pessoas sem braço mas numa tinha visto uma cara com uma cicatriz tão feia!

Henrique sorriu adoravelmente. Por fim, ajoelhou-se para ficar na altura dela.

 — Mocinha, sabe qual tipo de criancinhas que o Monstro do Tronco mais adora devorar além daquelas perdidas?

 — Qual?

 — Menininhas intrometidas. — seu sorriso se desfez tão repentino e rápido como num estalo e ele se levantou.

Laila resolveu parar mais uma vez para contar as crianças. Ela passava os dedos na direção de cada um e mexia os lábios mas sem emitir som.

 — Está faltando um! — arregalou os olhos.

 — Tem certeza? Conta de novo!

— Já contei três vezes! Está faltando mesmo.

— Ótimo! – Henrique revirou os olhos.

 Uma das crianças ao fundo, uma menina, esguia como uma agulha, deu alguns passos. Seus cabelos eram castanhos e bem curtinhos. Ela levantou a mão para chamar a atenção e respondeu a moça:

 — É o Yuji. Ele nem entrou na floresta com a gente. Eu tentei convencer ele para vir com a gente mas não teve jeito.

 — Ai ai ai. — Laila pôs a mão sobre o rosto. — Tinha que ser ele. — então, virou o canto dos olhos para Henrique. — Você não vai atrás dele?

— Hã? Por que eu?!

 — Prefere ficar com eles e eu vá lá? — o homem observou as crianças, em especial a chatonilda de cabelo trançado.

Até admitir:

 — Que seja!

Respirou bem fundo e tomou o caminho de volta. Já longe, pôde escutar Laila gritar:

 — Estamos indo para o bosque! É só seguir a trilha na floresta que você chega lá. Não demore!

Ele manteve o caminho e enfim saiu da floresta, voltando ao campo aberto. O horizonte era limpo e nítido, via-se até uma pedrinha há metros de distância, ou seja, em meio a toda aquela grama rala, não foi difícil encontrar o rapazinho rebelde. Pele pálida como a areia branca e cabelos castanhos bem cacheados; suas costas se apoiavam sob uma pedra grande. Henrique deu mais alguns passos até se aproximar o suficiente.

O jovem descansava os olhos na sombra e nem mesmo os abriu quando escutou a voz do homem que acabara de chegar.:

 — O quê tá fazendo aqui? Por que não está com os outros?

 — Não enche o saco! — ele virou o corpo para o lado oposto de Henrique.

— Olha moleque, vou ser sincero. A minha vontade de estar aqui é tão pouca quanto a sua. Então vamos resolver logo isso de uma vez para voltarmos para casa. Vamos, vai logo!

— Não enche cara! Não precisa se preocupar comigo, pode me deixar aqui e terminar seu trabalho logo. – ele gesticulou com a mão, como se espanta um cachorro, o mandando embora. Henrique não pôde segurar as sobrancelhas, que se levantaram ao ver tamanha audácia.

— Tá bom! — Henrique deu às costas e voltou a caminhar em direção a floresta. Mas é claro que Laila foi o atazanar em sua mente. O que ela pensaria daquilo?

 “Não deveria ter deixado ele sozinho! Volte lá e traga ele aqui logo, nem que seja na marra!”

Que merda que ele a conhecia suficiente para imaginar isso. Virou o tronco e foi em direção ao rapaz mais uma vez. O homem parou de pé bem na frente dele, mais uma vez.

— Eu não disse para você voltar? — o jovem o questionou e abriu metade de um olho em indignação.

 O cientista sentou-se ao lado dele, apoiando as costas na pedra e fechou os olhos.

— Não pense que pode me dizer o que fazer moleque. E também... Por mais que eu não esteja nem aí pra você, não seria certo deixar uma criança sozinha.

 — Eu não sou criança, tenho treze tá bem?

 — Criança.

 — Tá, mas e daí? Eu sou muito mais velho do que posso parecer. Tenho a mentalidade de um adulto.

Henrique ajeitou o corpo sobre a rocha e bocejou.

 — Se tivesse a mentalidade de um adulto, iria com os outros até o bosque para cumprir sua obrigação de estar lá.

 — Eu não me encaixo com eles.

 — E você acha que eu me encaixo?

 — Não é isso. Você não entenderia.  — virou de costas.

Não entenderia? O que aquele moleque sabia sobre ele? Por um momento Henrique lembrou de sua infância, ao menos antes de conhecer Laura. Época essa que almoçava sozinho na escola, passava o intervalo na companhia apenas de seus pensamentos. Nos trabalhos em dupla era comum pedir para fazer individual. Sua solidão não era por medo de fazer amigos; ele já havia tentado incontáveis vezes, mas sentia que de algum modo... Não se encaixava. Espera! Não foi isso o que o rapaz disse? Que sentia que não se encaixava?

 — Ei moleque! — iniciou Henrique — Por que acha que não se encaixa com eles?

 — Meu nome não é moleque, é Yuji... E eu já disse, você não entenderia.

 — Tenta.

O jovem suspirou.

 — Eles não pensam como eu. Sei lá, eu me sinto diferente deles.

Henrique não segurou o sorriso desta vez:

 — Sim, é talvez eu não te entenda completamente mesmo... — Henrique levantou-se. — Mas alguma coisa em comum eu acho que nós temos. — ele estendeu a mão para ajudar o jovem a se levantar.

 — O quê? Eu não vou lá.

 — Não é pra lá que nós vamos.

 — E então? É pra onde?

 — Sei lá... Você não quer passar o resto do dia aí deitado sem fazer nada, quer? O que você gosta de fazer moleque?

————||————

Henrique e o rapaz escancararam a porta de uma vez! O barulho foi alto, assustando a dona Bonita que lavava alguns pratos. Ela os olhou meio confusa.

 — É o primo de Laila? Henrique... né?

 — Desculpa abrir sua porta assim, não sabia que era tão leve.

 — Não ligue pra isso. — a mulher secou as mãos no avental — E então? Como posso ajudar vocês?

O garoto respondeu:

 — Se importaria de emprestar sua cozinha, tia? — pelo jeito Laila não era a única que a chamava de “tia”.

 — Claro, meu querido! Eu já ia fechar a cozinha para descansar um pouco mesmo. Fique à vontade para usar.

Por fim, reuniram algumas panelas e utensílios sobre o balcão. O jovem passou a mão entre seus cachos:

 — O quê nos vamos fazer?

 — Ué — Henrique dobrou a testa — Foi você que disse que gosta de cozinhar. Não tem nenhuma receita na cabeça?

 — Na verdade eu disse que sempre quis aprender a cozinhar. Eu até ajudo minha mãe em casa mas não lembro de nenhuma receita de cabeça.

 Henrique estreitou as pálpebras:

 — Ótimo. Neste caso vou te ensinar uma receita.

 O jovem ergueu as sobrancelhas.

 — Você sabe cozinhar?

 — Sabe, cozinhar não é muito diferente do que eu fazia no meu trabalho. Os dois necessitam apenas misturar ingredientes, cozer e, no final das contas, se obtém o prato, ou, no meu caso, um ibuprofeno ou paracetamol sei lá....

 — E o que você vai cozinhar?

 — Só o prato mais delicioso que você irá provar. A coxinha.

 — Coxinha?

 — Não, não é coxinha... É A Coxinha.

O garoto dobrou a testa confuso e riu baixinho.

 — Tá legal. Por onde começamos?

— Primeiro de tudo, precisamos de frango, ou algo que tenha essa aparência nesse mundo.

 — Frango? Sim, acho que a tia tem uma granja ali no fundo.

E eles foram para o outro lado da taverna. Abriram uma porta estreita e saíram num cercado do lado de fora. Henrique ficou surpreso que realmente existissem galinhas naquele mundo, no entanto, como tudo por ali era tão bizarramente diferente, ele seguiu esperando o mesmo delas. E não deu outra. As galinhas estavam soltas; elas tinham uma coloração inteiramente azul celeste, como a galinha pitadinha. No momento estranhou mas não era como se isso fosse a coisa mais anormal daquele mundo.

 — Sabe... — iniciou Henrique. — Eu tava pensando agora, vamos usar os ingredientes da dona Bonita. Não deveríamos pagar ela ou algo assim?

 — Não esquenta com isso. Não sei se sabe, mas meu pai é o Primeiro Ministro da Cidade. E como é ele responsável pela cobrança dos impostos, vou pedir para ele abater tudo o que usarmos.

 “Filho do Primeiro Ministro? Quem diria hein?” Além do cabelo preto, não eram nada parecidos. Isso por que ele tinha um pai com a aparência de um cadáver. Sorte a dele que deveria ter uma mãe a quem puxar.

 — Tudo bem moleque. Pegue algum desses e vamos lá.

 — Sem problemas mas... Só lembrando de novo para você que meu nome não é “moleque”, é Yuji.

 — Tá tá, só vamos logo com isso.

Puseram o frango ainda vivo sob o balcão.

 — E então. — iniciou o rapaz — Quem vai matar? Eu nunca fiz isso na vida.

Henrique bufou e, por fim, ordenou:

 — Me dá a machadinha.

 — Você sabe matar? — Yuji dizia ao ínterim que lhe entregava.

 — Eu cresci no campo. Mesmo que eu tivesse seis irmãos mais velhos, eles ajudavam meu pai na plantação e voltavam só para almoçar. Então, no fim das contas, esse trabalho acabava sobrando para mim, já que minha mãe não se dava muito bem com isso.

 Henrique ordenou que o garoto segurasse bem e posicionasse a ave de maneira correta. Ajeitou com a lâmina da machadinha a cabeça do frango e, num golpe só, decepou sua cabeça com êxito. Nem mesmo piscou, como havia dito, não era como se fosse a primeira vez. O jovem no entanto, mesmo depois,  tremia. Um pouco de sangue havia espirrado sob seu rosto. Ele o limpava segurando o vômito de seu nervosismo que insistia em sair.

 — Calma garoto. — começou Henrique — Parece que nunca viu um frango morto?

 — Não, não vi. Quando minha mãe costumava fazer isso eu geralmente saía para fora pra não ver. Acho tão repugnante.

 — No final das contas é tudo frango não é? Eu sei que é mais fácil ver ele prontinho no seu prato, mas é bom não esquecer da onde ele vem. — Henrique enxugou as mãos no avental — Bem, agora deixamos o sangue escorrer um pouco e depois depenamos.

Assim feito, com a ajuda do jovem, Henrique o fatiou em pedaços grandes. Pegou uma panela e encheu de água. Pôs alguns legumes, ervas e algo que se parecia com folha de louro.

 — Vamos cozinhar o frango por mais ou menos uma hora, uma hora e meia pro nosso caldo pegar bem o gosto do frango.

A panela era um tanto pesada, mas dava para pegá-la com uma mão, apoiar no corpo e a levar até o fogão a lenha. Só que, o cientista com certeza não esperava que ao virar o rosto, seus pés criaram raízes sobre o chão ao ver a luz vermelha. Aquela luz vermelha... O fogo. Seus olhos estranhamente começaram a lacrimejar. Por quê? Ele congelou e tremeu. Deixou a panela cair ao chão. Por sorte caiu de pé e não derramou nada.

 — Você ta bem? — perguntou o jovem.

 — Tô — forjou um sorriso.

 — Cara, você tá ensopado de suor.

Realmente, ele nem havia percebido. Seu suor era como gotas de gelo derretido. O fogo não saía de seus olhos. Por fim, Henrique deu dois passos para trás.

 — Não, não me sinto muito bem. — admitiu. — Acho que só estou um pouco cansado. Pode levar essa panela no fogo?

 E assim o jovem fez. Henrique respirou fundo e deu às costas para as chamas. Pensando bem, fazia tempo que não se deparava com fogo. Quando costumava cozinhar, o fogão de sua casa era daqueles sem chamas então, a última vez foi... No acidente mesmo. Tanto faz, não que isso importasse muito agora. Na verdade, o que realmente importava era esperar o frango terminar de cozinhar. Enquanto isso, eles se sentaram nas mesas vazias da taberna, ficaram ali conversando com dona Bonita, jogaram uns jogos de carta até dar o horário.

 O frango estava no ponto. O jovem colocou a panela no balcão. Com um garfão o homem separou o frango. Escoou o caldo e acrescentou mais algumas ervas.

 — Agora que eu percebi. — Henrique pôs uma mão sob o rosto.

 — O quê foi?

 — Vocês não tem farinha de trigo aqui, né?

 — Trigo? O que é isso.

 — Foi o que eu imaginei. Vem cá, que tipo de farinha vocês usam para fazer pão?

Yuji pensou.

 — Farinha de Maca.

 — Tá bem, onde é que tá isso?

O jovem apontou para o armário e sem dificuldade Henrique a achou. A farinha era cinza como o ferro, um tanto estranha, meio áspera. Segurou um punhado em sua mão, parecia grafite em pó. Contudo, ao por na boca, seu gosto era quase idêntico ao da farinha de trigo.

 — Acho que vai servir.

 Ele pediu para que o rapaz despejasse aos poucos sob o caldo ao passo que ele ia mexendo. A massa foi ficando pesada, bem pesada por sinal, mas nada diferente do que Henrique já imaginava. A consistência e o gosto era idêntico ao original, só a cor mesmo que era cinza.

 — Nossa massa tá pronta! Agora vamos para o recheio.

 Com um garfo desfiou o frango cozido. Pôs numa panela e exagerou nos temperos. Salsinha, tomilho, orégano, tomate, cebolinha, coentro, além de fatiar alguns tomates amarelos e cebolas azuis. Pediu para que Yuji fosse refogando. Quando pronto, o sabor estava inestimável!

 — Tá, e qual o próximo passo?

 — É o mais cansativo, sugiro fazermos sentados. — puseram umas cadeiras por ali. — Primeiro pegue um punhado da massa, depois abra num disco assim. Agora vamos colocar um pouco de recheio e uma colher desse creme.

 — Que creme é esse?

 — Eu achei num pote ali do lado. Tem gosto de requeijão azedo, mas acho que vai servir pra deixar nossas coxinhas bem cremosas. — o jovem assim fez — por fim, você deve puxar as bordas do disco nesse formato. É o famoso “formato de coxinha” — Henrique revirou os olhos e rosnou baixo: — fazer isso com apenas uma mão é um saco.

E assim seguiram. Ficaram um bom pedaço de tempo modelando as coxinhas. Mesmo com a dificuldade inicial, o cientista parecia tranquilo ao passo que fazia aquilo. Era como um relaxamento, embora para muita gente, modelar coxinhas não fosse o trabalho mais gratificante.

— Como você aprendeu a fazer coxinhas Henrique?

Sua tranquilidade se desvaneceu. Henrique começou a sentir algo na garganta, afinal, não pode deixar de ser levado por memórias e, seu rosto se abateu.

 — Com meu pai.

Pela expressão, o jovem já havia imaginado o pior.

 — Sinto muito. Ele morreu?

 Henrique dobrou a testa.

 — Não, não é isso. Eu não sei se eu já te disse, ele sempre trabalhou muito no campo. Saía cedinho, voltava só pra almoçar e, depois só a noite. Caso conseguisse algum tempo livre, ele sempre queria dividir com os filhos, mas como éramos seis, acabava sobrando só um pouquinho dele para cada um.

 — Eu também quase não passo tempo com meu pai.

Henrique sorriu um tanto angustiado.

 — Então acho que você me entende.

“Se bem que, passar tempo com aquele vampirão não deve ser tão bom assim. Melhor para ele.” — Henrique pensou.

 — Mas enfim, respondendo sua pergunta: Eu lembro de um dia em que eu bisbilhotava algumas revistas científicas que meu irmão trazia da escola. Meu pai chegou até mim do nada e disse: “Vem cá, quero te ensinar uma coisa”, eu mal acreditei quando ouvi ele dizer isso. — Henrique sorriu, olhando para a sua mão modelando. — Ele passou aquele fim de dia inteiro comigo, ele estava exausto do trabalho, mas ainda assim insistiu em me ensinar a fazer a coxinha de primeira dele! “A receita é uma herança de família” – disse “E eu vou deixá-la com você”

 — Nossa! E é essa receita que estamos fazendo?

 — Não, claro que não. Nem teria como, aqui só tem ingredientes esquisitos. Bem, de qualquer modo, acho que ele tava inventando quanto a isso ser de família. Depois que pesquisei outras receitas, essa parecia tão comum quanto qualquer uma. Mas eu entendo o esforço que ele fez para deixar aquela ocasião o mais especial possível. Aquele era nosso momento de pai e filho — Se lembrou da pergunta de Laila, sorrindo de canto.

Embora cansativo, eles terminaram de modelar, com ânimo. Por fim, Henrique partiu uns dois ovos, ralou alguns pães velhos, para assim, empaná-las.

 — O quê vocês usam para fritar as coisas por aqui?

 — Se eu não me engano, a tia disse que tem um pouco de banha no pote em cima do armário.

Pôs o rapaz para fritar. Mesmo tomando os cuidados, é claro que um pouco de gordura espirrou nele. Finalmente, deixaram os salgados escorrendo.

 — Está pronto moleque? Agora chegou a hora. — Henrique segurou uma coxinha.

 — É Yuji, eu já disse! Bora lá então, tô ansioso! — E o rapaz fez o mesmo.

 Juntos, eles levaram o salgado a boca. Henrique cravou os dentes na parte de baixo e o rapaz na ponta. Sentiram a textura. No final das contas, a massa não ficou tão pesada quanto parecia. Era suave, macia por dentro, crocante por fora. O recheio, no seu devido sal e tempero, notaram uma leve ardência de alguma das especiarias. Estava molhadinho, cremoso e vagamente azedo por conta do creme.

Depois de lamber os dedos, os olhos do garoto começaram a lacrimejar.

 — Meu Deus! Por Jahed, como isso é gostoso! – ele se animou e começou a levar, um, dois, três a boca de uma vez!

 Mais tarde, dona Bonita chegou na sala. A mulher deu um berro de ensurdecer qualquer um, depois de morder um dos salgados. “Talvez seja a coisa mais deliciosa que já comi” – completou. Ela com certeza pediu a receita assim como a autorização para colocar no cardápio.

 Eram exagerados sim, mas se tratando de coxinha, dava para perdoar.

“Coitados” — pensou Henrique “Mal conhecem a culinária do lugar onde vim. Imagino a loucura que ia ser” – Ele riu ali sozinho e os dois o olharam sem entender nada.

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