Pergaminho XIII - (Parte II)
Entre a fogueira e o barulho do gelo caindo do lado de fora, eles cozinhavam alguns pedaços da proteína que coletaram. E O SOLDADO, AINDA COM AQUELA CARA QUE NÃO ACONTECEU NADA DEMAIS.
Já fazia o quê? Uns dez minutos e ele não havia dito nada. Nem trocaram mais palavras. Henrique, a cada segundo, buscava, procurava, EXPLORAVA, diferentes explicações lógicas para o que acabou de ver, explicações que impedissem aquele mundo de se tornar ainda mais bizarro, explicações que pudessem salvaguardar sua fé na ciência que tanto prezava.
"Mas que..."
— Não finja como se não fosse nada. Que droga foi aquela? — questionou, observando o homem mastigar a carne e ensopar suas mãos com a gordura.
Ele não se ateve em responder de boca cheia. Em outro momento o cientista se incomodaria com a total ausência de etiqueta, contudo, dessa vez, sua curiosidade convertia suas picuinhas a um farol amarelo piscante.
— Minha espada é uma herança de família. — que repulsivo. Sua ânsia em devorar o alimento era tão absorta que nem fazia questão de olhar para Henrique. — E por sorte — continuou após uma pausa — foi a única coisa que consegui recuperar de meu pai. Ela está conosco há gerações, é feita do aço mais puro e resistente e, o principal, é misturada com valar.
— Valar?
— Meu Deus, não ensinam nada de onde você veio?! — subiu os olhos a Henrique. Sua voz, era de uma perplexidade nítida. Como se tivesse que explicar uma coisa tão simples e idiota. — Valar é uma gema. — respondeu sem muito enfeite. — Igual diamante. A diferença é que é muito mais rara e vale uma nota. Pra você ter uma ideia, eu posso comprar esse ducado inteiro com essa espada.
— E o que essa pedra necessariamente faz?
— Ela absorve melhor o chade de cada um e transforma em um elemento. Além da resistência é claro. É quase indestrutível. — ele largou ao chão a carcaça que restou e limpou as mãos em suas vestes.
— Chade? Acho que alguém já mencionou isso pra mim.
— Não vai dizer que não sabe o que é? Por Jahed! O que andam ensinando em seu reino? — mais uma vez Henrique vislumbrava aquela perplexidade irritante. O soldado passava as mãos nos cabelos para trás e olhava a cima, como se procurasse ao teto da caverna por onde começaria sua explicação.
— É algum tipo de energia, sei lá?
— Chade é o poder do sol. — o soldado seguiu com uma longa pausa, olhando para os lados rapidamente como um cão atento, prestes a latir. — Acho que não tem como resumir mais que isso. — soltou o ar que nem sabia que segurava. — É o poder que recebemos todos os dias na luz do sol. Que nos deixa vivos! Nós absorvemos esse poder e convertemos em energia viva! Tipo aquilo que eu acabei de fazer — concluiu apontando para trás.
Henrique não quis pensar muito nisso. Ria mentalmente de uma história absurda dessas. Mas sua curiosidade em desbravar os caminhos esdrúxulos que tal história bizarra tomaria, não permitiu que questionasse o soldado para acabar o desencorajando a explicar aquilo. De início, parecia algo como a fotossíntese, mas não ficou tão claro.
— Então você absorve algum tipo de energia do sol e seu corpo converte essa energia naquilo que eu vi? Naquele poder bizarro? É assim que funciona esse tal de chade?
— Na teoria sim, mas é muito mais que isso. Na verdade, nem todo mundo pode fazer o que eu fiz; alguns conseguem comportar maiores reservas de chade em seu corpo e outros absorvem tão pouco do sol que jamais conseguiriam fazer aquilo.
— Poderia ser mais claro?
— Tá bem, para ser mais fácil de entender é só imaginar um balde. Algumas pessoas tem um balde de dez litros dentro de si pra absorver a energia do sol, o chade, e converter num poder incrível! Já outras, mal tem um copo. É que depende muito do sangue da pessoa, saca? É aí que entra as casas primordiais. As pessoas que mais tem estoque de chade, ou seja, as mais poderosas do continente, são as das casas paternas: Thomson, Dalton, Hawking, Borh, Curie, Heisenberg e, principalmente, dentre todas, a casa Rutherford. Por isso que elas dominam o continente. É bem simples, eles são os mais poderosos.
— Então todas as pessoas daqui tem essa tal energia?
— Sim, mas é como eu disse, nem todo mundo pode a usar como eu usei. Geralmente, quem não tem sobrenome, mal tem chade acumulado. É que as casas paternas, todas elas são descendentes de algum viajante, lembra que eu falei deles? De todas as pessoas, eles são as que mais podiam acumular chade. No caso dos viajantes, o estoque deles não seria apenas um balde de dez litros mas uma piscina toda, e eles passaram parte disso para seus descendentes.
Uma energia que as pessoas absorvem do sol e convertem num poder bizarro que pode decepar a cabeça de cobra gigantes... Tudo bem, até aquele exato momento, tantas coisas singulares haviam acontecido uma atrás da outra, não era difícil levar uma história dessas em consideração no mínimo possível. O difícil era que, se realmente desse crédito a um conceito desses, ele já poderia jogar no lixo seu PhD em Bioquímica quando voltasse para casa, de tantas as fórmulas e regras que um poder como esse implicaria na química moderna e em seu próprio conceito.
— Tá — Henrique riu sem humor — É muita informação para um dia. Eu vou tentar fingir que acredito, só fingir mesmo.
— Você é bem incrédulo. Parece que passou a vida vivendo numa caverna como essa.
"Talvez deva se tratar de alguma partícula nova?" — pensou "radiação?" em minutos sua mente começou a imergir em conceitos mais abstratos e profundos da física contemporânea, como um mergulhador ousa desbravar as sombrias trevas do oceano. Quando se deu conta, debatia em sua mente a teoria da relatividade espacial, procurando sua devida explicação mental na implicância do Paradoxo de Tolman. "Táquions?"
De todo e qualquer modo, uma base científica decerto haveria para aquilo. Afinal, boa parte do mundo já foi explicado pela ciência, algo assim não deveria ser grande coisa. Ou estava errado?
————||————
Na luz do dia seguinte, seguiram caminho. O dia era fresco, mesmo depois da tempestade, a temperatura permanecia agradável. Pelo bosque que adentraram, mais pássaros coloridos que o homem nunca tinha visto. Seus cantos eram suaves e peculiares, do tipo de que pareciam estranhamente harmônicos, como uma canção feita por um homem produzida em assobios.
— Esse lugar, ao mesmo tempo que é esquisito, também é fascinante.
— Como assim?
— Aquela cobra por exemplo. Nem a maior das cobras do lugar que eu vim chegaria num terço do tamanho dessa.
— É por que não era uma cobra comum, era um basilisco.
— Agora essa... — sorriu com escárnio.
— Nunca nem ouviu falar de um basilisco?
— Ouvir falar? Ouvir falar eu já ouvi, nos livros do Harry Potter.
— Basilisco são como serpentes e habitam no fundo das cavernas. Dizem que um basilisco pode alterar sua aparência e se transformar no humano que comer. Aquele ainda era um filhote, eles podem chegar a quatro, cinco metros fácil.
— Você pelo jeito é o meu mentor desse zoológico bizarro, né? Que bom que você sabe das coisas.
— Desde pequeno sempre gostei de ler esses livros de criaturas fantásticas. Antes de querer virar soldado, meu sonho era ser um biólogo. Mas eles acabam morrendo no final das contas. Por basiliscos ou corvos de púrpura.
Se passaram algumas horas do soldado amassando a grama com sua muleta e Henrique se admirando com cada uma daquelas criaturas singulares que encontrava. Pássaros amarelos, veados vermelhos e coelhos com apenas uma orelha. Vez ou outra o soldado conseguia contar mais sobre essas criaturas e assim, a estrada não parecia tão tediosa quanto antes.
— Subindo esse morrinho. — iniciou o soldado. — Vamos chegar em Garra do Falcão.
— Foi um trajeto entanto hein. Me sinto como se tivesse cumprido a jornada do herói só nisso.
— Antes de irmos, eu queria te agradecer mais uma vez, talvez uma última. Pode acontecer de o conde me trocar de missão.
— Entendo. De qualquer modo não precisa agradecer. Você sabe que se eu subisse isso aqui sozinho provavelmente teria outro braço decepado.
— Sim eu sei.
Logo, o chão de cascalho da cidade trilhava a estrada. Ao fundo, alguns soldados ao baterem os olhos neles, correram em sua direção. Henrique virou o rosto uma última vez para o soldado.
— A propósito, ainda não sei o seu nome.
Ele lhe olhou de volta.
— Eu sou Franco.
Por fim, os soldados os ajudaram a adentrar pelas imediações da vila.
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Henrique foi levado para a catedral e o Franco para o castelo. Henrique permanecia sentado num dos bancos, aguardando o que quer que tivessem pedido para ele aguardar. Por ser amplo, o local trazia um certo incômodo. As estátuas de mármore que enfeitavam a catedral por cima eram arrepiantes. Teve que suportar seu olhar perturbador por horas, até escutar o ranger da longa porta se abrindo.
Morales entrava com o queixo levantado e, logo atrás dele, Laila, com um sentimento receoso no fundo de suas irises. O Primeiro Ministro aproximou-se mais. Analisou de cima a baixo Henrique, que acabava de se por de pé.
— Primeiro Ministro. — o cientista cumprimentou.
— Que infortúnio esse que aconteceu, não? Foram cinco dias, cinco dias imaginando que tivesse matado o soldado e fugido como um bandido soturnense.
Henrique revirou os olhos:
— Que tipo de fetiche é esse que vocês tem por soturnenses que vivem falando deles.
Finalmente, Laila se intrometeu:
— Perdão Senhor Morales, mas só lembrando que a hipótese de terem sofrido um acidente nunca foi descartada nesse tempo.
Desta vez o Ministro levou seus olhos para cima.
— Eu sei querida Laila, estou apenas falando do que eu pensava que tinha acontecido. E garanto que... Se o soturnense tivesse tido chance, faria isso.
— Mas senhor, nós não acabamos de ouvir o que o soldado Franco disse? Ele salvou a vida dele, poderia tê-lo abandonado e fugido sem ninguém ver.
Morales apontou seu dedo longo e magro para Henrique, com as pálpebras levemente cerradas o encarava.
— Eu não sei o que o motivou a isso, Henrique. Mas de uma coisa eu tenho certeza, altruísmo que não foi.
O cientista esticou os lábios para cima, num sorriso tímido.
— De fato, senhor ministro. Eu nunca disse que fiz isso por altruísmo — Morales ergueu as sobrancelhas — Agora, me diga: Esse inconveniente terá alguma consequência para mim?
O outro homem gaguejou um pouco, mas disse em seu tom.
— Não.
— Então, se me dão licença. Ainda é dia, preciso voltar ao trabalho.
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Mapa do Continente:
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🐲~luks~🐲
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