Pergaminho VII - (Parte II)


Seria hilário se não fosse trágico. Quem dera Henrique não pudesse gargalhar ali mesmo, mas, não seria muito prudente. Aqueles dentes cerrados cravados e rangendo do Conde. Aquela expressão sedenta por disciplinar com a morte o homem que ousou o desafiar.

 Henrique sentiu medo. Quem não sentiria? Só um alienígena mesmo para não tremer.

Um milhão de coisas passava pela cabeça do homem, ele mal sabia o que pensar primeiro. Por que ele fez aquilo? Não foi impulso. Se houvesse uma ficha detalhando o comportamento de Henrique, agir por impulso certamente não estaria nela.

Pode parecer loucura, mas quando ele disse aquelas palavras sabia exatamente onde ele poderia acabar parando e as consequências.

Enquanto o guarda do conde fazia um alvoroço dizendo que era um absurdo ele ter recusado a se curvar, que ele pagaria caro e tals; Marcius ergueu uma de suas mãos e o fez ficar em silêncio. Pelo menos uma coisa boa que esse glutão fez.

O Lorde penetrou a alma de Henrique com seu olhar. Respirou fundo, já não rangia mais os dentes. Por fim, exclamou:

— Tragam o executor!

Leon avançou alguns passos.

— Milorde por favor, antes considere...

— Não há nada o que se considerar, Leon da casa Thomson. Você viu, não seja hipócrita. Não existe justificativa plausível o suficiente que torne este despautério menos afrontoso. Pretende mesmo envergonhar seu nome e o nome da sua casa defendendo o indefensável?

O loiro recuou. Não chegou a demorar nem um único minuto e um forte homem, que deveria ter lá seus dois metros de altura, roubou a atenção de todos por ali. Este carregava um machado com a metade de sua altura. Deu alguns passos em direção a Henrique e parou.

O conde já abria a boca para proferir a sentença óbvia. Henrique o esperou mantendo seu sorriso. Já Leon, este engolia seco assustado. No entanto, Marcius interrompeu o ato ao sentir uma delicada mão deslizar por seu ombro. Uma voz doce, surgiu em seguida.

— Por favor milorde, aceite meu pedido — ele virou o rosto imediatamente, todos ali viraram. Era uma moça, jovem como Laila, cabelos platinados e olhos tão cinzas quanto um céu nublado.

— Minha querida sobrinha? – O conde pegou em sua pequena mão — O que faz aqui?

— Perdão interromper seu trabalho milorde. As colunas do castelo estavam repletas de burburinhos a respeito do forasteiro misterioso. Eu escutei de longe tudo e me deixaram a par do que perdi. Milorde, eu peço, com sua graça e misericórdia, que permita o homem se justificar.

— Ele me desafiou, minha querida.

— Eu tenho consciência milorde. Mas imagino que nenhum homem, em todo o reino, não, em todo o continente seria louco o suficiente para o desafiar desta forma milorde. Certamente deve haver alguma justificativa. Nem seus piores inimigos ousaram não se curvar ao senhor por duas vezes.

— Porque eu os matei na primeira vez que recusaram.

— Milorde, eu não te fiz muitos pedidos. Por favor, me atenda apenas a este.

Ele respirou fundo. Fechou os olhos por minutos. Mantinha a respiração regular e, por fim; abriu suas írises cinzas:

— Tudo bem então — virou o rosto a Leon ­— O que tem a dizer disso? Por que ele não se curvou?

— Milorde, eu tentei ensinar a ele, conforme o senhor havia orientado, mas ele não conseguiu fazer da maneira correta. Estava tão nervoso que simplesmente não conseguiu. Ele também tem uma doença em uma das pernas, que o fazia cair toda vez que tentava. Por isso ele preferiu nem se curvar do que fazer algum movimento que trouxesse ainda mais seu desprezo.

O lorde encarou o loiro com desdém:

— Quem você acha que eu sou? Um imbecil? Um doente mental? Por acaso está zombando de mim? Acha que vou acreditar numa história ridícula dessas? Dá pra ver no sorriso idiota desse homem que ele não fez porque não quis.

Antes que a temperatura se tornasse ainda mais angustiante, a dama voltou a dizer:

— Milorde, o senhor já conheceu alguém vindo do Reino Soturno?

Ele coçou o queixo.

— Até hoje, não.

— Pois então. O que impede que a história de Leon seja verdade?

Marcius riu com ironia.

— O homem teve cinco horas para aprender a abaixar a droga de um joelho!

— Milorde. O homem está em uma terra muito distante da sua, com pessoas que provavelmente mal conhece e em um lugar com leis e costumes bem diferentes dos seus, e agora está falando com a autoridade máxima da região; acha que ele não está nervoso?

Mais uma vez o conde notou o suor que pingava do queixo de Henrique. O lorde então chegou a raciocinar, sua sobrinha sempre lhe aconselhara corretamente; ele não se lembrava da última vez que ela o tenha dado um mal conselho. Mas por que esse esforço todo para que ele o poupasse? Leon havia pedido isso para ela será? Não dava mais para aguentar essas dúvidas infernais, Marcius só queria acabar com aquele teatro logo!

Ele soltou o ar preso nos pulmões e questionou Henrique sem cerimônias:

— É verdade essa história?

Que tentação grande seria dizer “não”! Mas não era seguro continuar cutucando mais o javali. Na verdade, já foi uma grande ironia aquele conde estúpido acreditar numa história dessas. Não dava para abusar mais da sorte.

Henrique respondeu sem muito enfeite:

— Sim.

— Está bem. Vou desconsiderar apenas agora; mas se tivermos que nos encontrar novamente e você persistir em me afrontar de tal maneira, nem o próprio Jahed poderá me convencer de manter sua cabeça no lugar — um silêncio pairou e eles se entreolharam por minutos. Henrique o olhava com tranquilidade, diferente de suas expressões corporais, quase nunca o homem entregava o medo pelo olhar. As sobrancelhas caídas irritavam o conde que o encarava com o queixo levantado, uma face de autoridade. Por fim, o conde tomou a vez:  — Agora, finalmente dando início ao julgamento; comece me dizendo, o que alguém de um lugar tão longe faz por aqui?

Henrique hesitou. Sua mente estava em um branco. Sem dúvida, resultado de tudo o que acabara de acontecer.

— E então?! Me responda! O que alguém de um reino tão distante faz por aqui?

 O medo também tinha sua parcela de culpa. E daquele medo, veio o ódio! Ódio de ser obrigado a responder aquele ser desprezível. Ele era Henrique Becker! Quando foi a última vez que pôs o rabo entre as pernas por causa de algum homem? Ele nem se lembrava. Entretanto, se sua raiva falasse mais alto que o medo, provavelmente sua língua o condenaria, mas, dessa vez, suas pernas bambas o fizeram responder com calma e serenidade o que ele e Leon haviam combinado de dizer.

— Eu sou um pesquisador. Viajo pelo mundo coletando material para minhas pesquisas.

— Um pesquisador é? — só faltava o conde cuspir, pelo seu tom de deboche — E por que tentava cruzar o mar sombrio? — curvou a coluna para frente.

— Eu não estava tentando cruzar o mar. Eu só queria entender esse fenômeno que torna esse mar tão violento. Como eu estava sem muito dinheiro para alugar um barco, imaginei que não houvesse problema se eu pegasse algum emprestado a noite e fizesse uma rápida pesquisa — Sua voz saía fluida como uma correnteza; ele podia tremer, mas ninguém perceberia pelo seu tom.

— É a sua primeira vez em Garra do Falcão?

— Sim.

— E você não teve a oportunidade de perguntar para alguém se era correto fazer isso, se não havia nenhuma lei que o impedisse de tentar cruzar o mar sombrio? Aliás, as pessoas com quem você se hospedou nesses dias não te falaram nada? Leon me disse que você estava na casa de dona Helga.

— Não, eu não as questionei. A propósito, elas não têm nada a ver com essa minha atitude, quando cheguei na cidade, até agora, não contei a elas o que vim fazer aqui.

— E de onde conhece essas moças? E Leon?

— Eu, na verdade conhecia o pai delas, Thomas Hawking. — Henrique lembrava com perfeição de cada uma das instruções de Leon. O homem ainda ficou com um pé atrás de que o Conde perguntasse algo que o loiro não havia o instruído, mas manteve a calma e só esperou.

Marcius arqueou uma sobrancelha.

— E o que meu irmão iria querer com vocês?

Henrique não pôde esconder a surpresa. “Irmão do Rei?” “Então Laila é sobrinha dele?”, de qualquer modo, depois ele pensaria sobre isso. Se ele demorasse muito para responder, correria um risco maior do Conde não acreditar na história.

— Na época eu estava no sul, investigando um fenômeno estranho nas montanhas, quando ouvi gritos de uma batalha próxima ali. Ao fim, encontrei Leon ferido apoiado sob o braço de Thomas.  Eu os ajudei e desde então, acampamos juntos por algumas semanas quando os acompanhei de volta para Garra do Falcão.

— Acompanhou de volta? Você não acabou de dizer que essa era sua primeira vez na cidade?

Henrique arregalou os olhos e os desviou para baixo. Era uma pena ter entrado em contradição tão cedo, mas o homem se lembrou de um dos conselhos do loiro:

“Se algo que você disser não fizer sentido e o Conde o questionar por isso, não contorne o erro de imediato. Respire por alguns segundos e pense numa boa justificativa, se não vai acabar dizendo algo ainda pior, comprometendo mais sua história.”

Henrique escutou a ajuda de Leon revirando os olhos. Ele não imaginava que precisaria ter de aplicar esses conselhos. Por sorte conseguiu manter um grau mínimo de atenção.

Respirou fundo por uns quinze segundos; e enfim, soltou sua voz, com confiança e a firmeza necessária:

— Sim, eu disse. Mas como eu também disse, eu os acompanhei até Garra do Falcão, eu não falei que entrei na cidade. De fato, pretendia ficar alguns dias na vila, para depois enfim voltar para minha terra, para poder resolver alguns assuntos. Só que, ao final da estrada nós esbarramos com a carroça de um comerciante conhecido meu que viajava com destino ao Reino Soturno; não pensei duas vezes e pedi carona a ele.

Apertando o olhar, o Conde assentiu positivamente com a cabeça:

— Por mais que eu não vá muito com a sua cara Henrique, devo admitir que você é coerente com o que fala. Talvez seja porque você possua uma habilidade bem interessante em argumentação. Eu vejo seu suor de medo brilhando daqui, mas seu tom passou confiança e, o mais importante: Verdade.

Henrique sentiu vontade de erguer o canto da boca, mas se segurou para ficar imóvel, nem ao menos piscar.

O conde acresceu:

— Tendo em base as afirmações, as testemunhas que foram primordiais para minha sentença; não o condenarei a morte nem a prisão — ele se safou? Deu certo? Não, o conde parecia ter mais coisas para dizer: —, porém, o crime ainda foi cometido e eu não poderia sentenciá-lo menos do que isso: Henrique, eu o sentencio a vinte e cinco anos de serviço comunitário escravo.

Os olhos do homem se ergueram. Seus dentes se arranhavam. De imediato ele se aproximou do trono com um medo e rancor impregnados em sua voz. Entretanto, Leon Thomson apertou seu braço e interrompeu o que quer que Henrique fosse falar, aumentando seu tom mais do que o dele.

— Certamente ele se vê muito grato por essa pena — concluiu o loiro.

Henrique, por sua vez, dobrou o pescoço para ver o ser patético que o agarrava. Fitou o loiro mortalmente. Leon retribuiu seu olhar, arqueando uma das sobrancelhas, como se quisesse dizer para aquele homem teimoso, para marchar no seu ritmo.

O conde sabia que Leon mentia e Henrique não estava contente coisa nenhuma; mas queria ver até onde aquele homem teria coragem de ir e se frustrou quando ele voltou a ficar em silêncio. Um fogo morre se não for alimentado, e talvez fosse isso uma das coisas que o Conde Marcius buscava, principalmente quando disse:

— Muito bem, mas ainda não terminei de proferir toda a sentença — os dois abaixo ficaram estáticos como um tronco. Um som agudo furtou todas as atenções; era aquele executor arrastando o machado pelo chão. O Lorde continuou: — Agora me diga Henrique, qual seu membro que menos te faria falta? Braços ou pernas?

Henrique demorou para entender o que de fato Marcius quis dizer. Não, é claro que não foi por burrice que ele não entendeu, mas sim porque só não fazia sentido. Todos olhavam incrédulos, desde os protagonistas da crise, até os conselheiros e chefes a fundo. Não era como se aquela atitude do conde fosse singular, mas o que viria a seguir era o real motivo de cada gota de suor.

O loiro deu meio passo para frente prevendo o que Marcius provavelmente faria.

— Perdão Milorde, mas a sentença já não é suficiente?

— Isso não é você quem determina — cuspiu as palavras. — Você não achou que ele sairia deste julgamento ileso, achou? — Enfim, o lorde voltou a enfatizar: — E então homem?! Me diga! Braços ou pernas?!

A língua de Henrique não se mexeu, levando o conde a bater mais rapidamente os dedos sob o braço da poltrona.

— Se não responder, eu mesmo vou decidir, e garanto que não vai gostar dessa minha escolha.

Antes que tal impaciência se aflorasse; a voz doce ao lado de Marcius voltou a agraciá-los.

— Milorde, com sua licença, me permita expor mais uma vez minha opinião — ele acenou de forma positiva. — É bem claro que o estado do rosto deste homem já o faz parecer um monstro horrendo. Se ele perdesse duas pernas ou dois braços, ele não iria se parecer com um demônio? Conviver com tal cicatriz já não é suficiente?

— Não tenho certeza.

— Ele será seu escravo por trinta anos, isso também poderia o atrapalhar em seu serviço.

— Sim, pode até ser. — olhava para cima, pensativo, Marcius.

— E mais, como ele mesmo confirmou, este homem é um pesquisador do Reino Soturno. Imagina o quanto ele poderia nos ser útil com as pesquisas que fez; é claro, se tiver as mãos e os pés.

O som dos ventos surrando as portas de madeira das janelas era o mais alto no momento seguinte ao diálogo. Ninguém ousou nem ao menos tossir, era um momento sacro, o Lorde estava pensando, uma decisão seria proferida em segundos. E esta veio:

— Está bem! Me convenceu querida. — seu olhar se desviava da moça para fixar-se no homem a frente. — Graças ao dom da misericórdia me concedido pelo senhor Jahed, supremo Deus de todo o céu e Terra. Eu, o Conde Marcius da casa Hawking, agirei em benevolência... Desta vez. — O nobre moveu os olhos para o homem com o machado e disse de uma vez: — Só o braço esquerdo serve desta vez.

Hã? O quê? Como assim? QUE DIABOS ERA AQUILO? Não fazia sentido! Ele não tinha dito que o pouparia? Por que estava fazendo aquilo?

“Saia de perto de mim!” Henrique gritou, cuspindo saliva para todas as direções.

O executor começou a se aproximar. Já o homem deu passos lentos para trás, até suas costas se espremerem numa viga. Leon fechava os olhos para tal situação, não é como se ele pudesse fazer alguma coisa. Capaz que Marcius mandasse arrancar um braço dele também se interferisse, do jeito que era louco! E a moça ao lado do trono, escondia seu rosto com a mão.

“SAIA!” “QUEM VOCÊ PENSA QUE É SEU MERDA?!” — Sua garganta ardia. Ele não conseguiria gritar mais alto do que isso.

A mão gigantesca do executor agarrou e puxou o punho do homem. Deixou o braço esticado o máximo possível. Com a outra mão livre, o gigante pegou o machado, dando um golpe certeiro e rápido, rasgando com facilidade a pele, a carne e partindo o osso próximo a altura do ombro, amputando o membro como uma faca faria com uma banana.

Henrique desabou no chão, logo depois daquele braço agora solitário. Ele ardia em dor, quase cuspindo as cordas vocais num berro sem fim. Um berro angustiante.

Uma mulher apareceu para tapar com vários panos, o corte perturbador que restou. Ela dizia para o homem se acalmar, talvez ele nem a tivesse escutado. Mas certamente ele ouviu o que Marcius disse em seguida:

— Ah, pelo amor de Deus, pare! — os olhos se revirando em desdém quase o fizeram vomitar — Já teve caras que eu cortei as duas pernas e os dois braços e eles não ficaram gemendo igual um veado levando uma flechada.

O ódio parecia subir da barriga a cabeça. Xingaria aquele parvo com todos os nomes que conhecia. Era o que ele mais queria naquele momento; queria tanto fazer isso e que se dane o que fosse acontecer! Por incrível que pareça, seu maior desejo ali não era nem ter seu braço de volta, mas dizer a aquele merda o que ele merecia ouvir. Mas a dor o sufocava. E que ódio ele também sentia dessa dor! Por não deixar sair de sua boca nada além de gritos.

Tal som perturbador continuaria, se, Henrique não começasse a ficar tonto, cambaleando pelo salão. Aquilo mais se parecia com uma dança sombria que tingia o chão branco com escarlate que jorrava de seu curativo inacabado. Ele abaixou o volume gradualmente, até cair duro no chão.

Como uma tábua.

————||————

 
Henrique era um idiota. Não, melhor dizendo, ele era um estúpido. Talvez ele não quisesse admitir, talvez ele nunca admitiria; mas tudo o que aconteceu foi consequência de sua imprudência. Cruzar o mar afiado. Não, Henrique não agia por impulso, ele não fez aquilo porque estava desesperado para ir embora. O homem realmente achava que aquela era a melhor opção.

Sempre achar que está certo. Não ter medo das consequências do que diz ou faz.

Um tolo.

Desde pequeno.

Um rapaz de doze anos, com uma aparência padrão, sem grandes defeitos físicos. Era inteligente, mas não se parecia com um CDF. Os caras que ele andava nesse tempo também não eram nerds, alguns, inclusive, eram delinquentes. Não havia motivos para ele sofrer nas mãos de algum valentão. Mas por ser Henrique Becker, é claro que ele ia apanhar das pessoas mais fortes que ele. Dizer aquilo que as pessoas não querem ouvir já é motivo o suficiente para ser agredido.

 Henrique se lembra da sexta série. De um dos piores dias de sua vida.

Alguns moleques não gostaram do que ouviram e estavam arregaçando a cara dele. Henrique foi forçado a ficar de joelhos, se curvar, e foi obrigado por eles a pedir desculpas, ou melhor, foi obrigado a implorar por desculpas.

“Você é só um merdinha e nós somos os reis por aqui” diziam ao mesmo tempo que pisavam na cabeça dele empurrando mais ao chão, o forçando a ficar curvado.

 Não chega a ser normal, mas não é como se ele se importasse em ficar com o rosto desfigurado e sentir toda aquela dor e humilhação. Mas, naquele dia, próximo às árvores da praça em frente à escola, estava ela.

Quando Henrique bateu os olhos no rosto assustado dela, seus pelos se arrepiaram. Normalmente ele deixaria que aqueles caras o batessem até ficarem satisfeitos. Mas dessa vez não, ele se desprendeu das pernas deles e correu, deixando respingar ao chão o sangue de seu nariz. Como já estava acabado, os valentões nem fizeram questão de ir atrás. Quanto a ela, não pôde fazer outra coisa se não correr até ele.

Henrique escutou os passos dela, ouviu a gritar por seu nome. Mas não, ele não olharia para trás. Mas nem adiantou muito, ela no fim o alcançou. Tentou acompanhar seu andar, mesmo sendo longo. Por isso, se pôs a frente dele.

— O que foi isso? — ela perguntou — O que aconteceu?

— Por acaso tá com miopia? Eu levei uma surra, não tá vendo Laura? — seus dentes estavam tão cerrados que se prensavam de uma forma que parecia que se partiriam.

— Por que não me disse que o Paulo estava batendo em você? Há quanto tempo isso vem acontecendo?

Henrique fervia. Era ódio isso, certo? Mas não, não era só ódio daqueles desgraçados. Por que diabos ela estava lá? Que merda ela foi fazer lá?

Seus olhos não conseguiram se conter. As lágrimas que deslizaram por seu rosto preocuparam a jovem.

— Você não deveria ter visto isso, merda! — disse. Ele arranhava o rosto. Por que estava chorando? Desgraça!

Para a garota dos cabelos vermelhos, Henrique era incrível! Inteligente, sempre estava certo em tudo e sempre tomava as melhores decisões! Mas depois de vê-lo ajoelhado naquela situação deplorável, talvez ela nem sentisse mais isso.

 O rapaz pegou as mãos da jovem. Ela o sentiu tremendo. Seus olhos ainda estavam molhados, ele fitou bem o rosto dela e disse:

— Eu prometo, prometo que nunca mais, durante toda a minha vida; você nunca mais vai ter que me ver ajoelhando para homem nenhum! Eu vou ser sempre incrível para você!

Henrique nunca fez uma promessa. Não tinha necessidade disso, ele não costumava faltar com sua palavra. Por isso, o motivo de Laura arregalar os olhos ao escutá-lo.

E assim se seguiu. O homem cresceu, se tornou importante e nunca cogitou descumprir o que disse. Nem quando se encontrou com o príncipe da Bélgica. Ele até lembra o que disse para ele:

“Vossa alteza, eu o respeito e admiro muito, mas não posso fazer uma reverência”

O príncipe ficou um tanto irritado, mas não importava. Henrique não renunciaria a sua palavra e convicções independente de quem fosse.

No final das contas, foi sua tolice em achar que está sempre certo e não ter medo de se arriscar que o levou a fazer aquela promessa. E foi essa mesma tolice que o fez gemer de dor ao passo que seu braço sangrava no grande salão do castelo.

Deveria ter escutado Laila. Mas é claro que não admitiria isso.

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