25 | É assim que acaba?

Saí do corredor com falta de ar. Não sabia como tinha conseguido correr tanto e ter chegado ao fim, mas deu certo.

Tive vontade de vomitar. Olhei ao redor e tudo estava escuro. Devemos ter passado um dia inteiro lá, e minha barriga começou a clamar por comida. Ajustei a visão e logo percebi a cena.

Atrás de mim o corredor escuro do labirinto e suas vigas. Outros corredores se estendiam mais e mais, também em outras direções.

— Daphne? — uma voz chamou meu nome. Olhei para Aimee correndo na minha direção. Ela me deu um abraço apertado e percebi que estava tão cansada quanto eu. Quanto tempo ficamos lá dentro? — O que você viu?

Fechei os olhos e lembrei de tudo. Na verdade, não foi muito assustador, mas preocupante. Matt tinha ficado daquele jeito e feito tudo para nos destruir e aos deuses também. Agora, quando o último de nós não puder sair, ele vai colocar tudo abaixo. — Tudo, Aimee.

Percebi que seus olhos estavam vermelhos.

— Vem, precisamos ajudar a Brenda.

Corremos até onde ela apontava. A loira estava suja de terra e as mãos arranhadas. Deve ter tentado subir pelas plantas e se cortado. Brenda estava chorando ao ponto de soluçar.

— Você saiu, finalmente! — ela me deu um abraço. — Só temos nós três. Pensei que aquele pesadelo nunca ia acabar.

Queria perguntar o que as duas tinham visto lá dentro, mas provavelmente deve ter sido algo muito pessoal. Não queria me meter. Ao contrário delas, eu devo ter sido a única que não viu os medos. Matt queria que eu visse o que ele passou. Ainda queria que eu passasse pro lado dele.

— Gente, vejam! — Aimee exclamou e correu de volta para as saídas. Ajudei Brenda a se erguer e Charlotte e Mike tinham acabado de sair. — Mike!

Ele abriu os olhos. Parecia prestes a desmaiar. Nós três tentamos segurá-lo, mas até as minhas pernas estavam cansadas. Mike murmurou algumas palavras e não disse mais nada.

— Ele tá respirando — Aimee disse após checar o peito dele. Eu e brenda já tínhamos ido até Charlie. Ela estava mais acordada e parecia melhor que todos nós. Aimee limpou o rosto do moreno com certo alívio e ambos ficaram deitados lado a lado no chão. Ela cuidaria bem dele.

— Charlie — chamei-a. Ela passou seu braço por cima do meu ombro e de Brenda, então sentamos no chão. — Você está bem?

— Vou ficar — sua voz estava rouca. — Onde estão os meninos? E a Andy?

— Não saíram. Só nós.

Brenda começou a lacrimejar.

— E se o Lucas não sair?

— Ele vai sair — afirmei mesmo não tendo certeza.

— Do jeito que ele é vai acabar se arriscando por nós. Não posso deixar que ele morra.

Charlotte pôs a mão no ombro dela, confortando-a.

Passamos os dez minutos seguintes conversando e bolando um plano de como sair. Quando todos saíssem e apenas um ficasse Matt estaria observando. Ele iria explodir metade do lugar e fugir, então precisávamos correr. O barco não devia estar muito longe e se Charlie e Mike conseguissem usar os poderes a volta de barco era a parte fácil.

Mas eu não queria que ninguém ficasse.

Mike acordou cinco minutos depois ao lado de Aimee. Ele começou a chorar baixinho no ombro dela e fui até os dois para conferir se meu amigo estava bem. Ele parecia transtornado, acabado.

— Não lembro de muita coisa, mas aquele cara é do mal e... Daph, só quero ir pra casa!

Assenti para ele.

— Vamos sair daqui.

Ouvimos passos apressados no corredor perto e olhamos quem era.

— Esse foi onde o Corey entrou — falei e olhei lá dentro. Era ele. Parecia acordado o suficiente. — Corey!

Ele mal perdeu tempo em responder. Apressou as pernas e derrapou pelo chão. Ainda tinha o rosto arranhado e marcas vermelhas, mas conseguiu se levantar com a minha ajuda.

Corey falou que acordou de um sonho e depois correu o mais rápido que conseguiu até chegar ali. Também não se lembrava de muita coisa.

O que significava: duas pessoas ainda tinham que passar. Lucas e Andy.

Brenda começou a chorar mais pensando se o amigo estaria em perigo. Não demorou muito até estarmos todos atentos de olho nas duas últimas duas saídas.

Fiquei nervosa. Não dissemos nada por muitos minutos.

Charlotte saiu para a floresta com Aimee e minutos depois as duas acharam nossas armas que faltavam escondidas em uma das árvores. Alguém pensou que seria esperto o suficiente para colocá-las ali em cima.

Daphne, você está bem?

Melhor se você saísse da minha cabeça. Não vê que já causou problemas demais? Quero me preocupar com outras coisas ao invés de você.

Precisa ir embora.

Eu sei. Não é o melhor clima para conversar agora.

— Lucas! — Brenda gritou. O moreno apareceu na saía e caiu de joelhos pouco acordado. Ela o abraçou forte.

Lucas abriu a boca e sussurrou:

— Vamos embora.

...

Passei a maior parte do tempo pensando em Andrômeda dentro daquele labirinto escuro. Não sabia se ela tinha se arriscado e ficado lá dentro como disse que faria, ou se simplesmente não conseguiu a chegar a tempo. Ela era tão nova e inocente. Não merecia morrer.

— Acha que ele vai mesmo explodir tudo e deixar ela morrer? — Mike me perguntou enquanto corríamos em busca de uma saída. Não estávamos longe da praia.

— Não sei, mas prefiro pensar que ela deu um jeito e fugiu.

Ele concordou. Charlie estava na frente e nos guiando. Quando finalmente pude ver o mar calmo e o barquinho que chegamos escondido atrás de algumas árvores, Brenda parou.

— Vamos embora desse jeito? E se ele explodir tudo?

— Não temos tempo pra isso! Entrem logo no barco! — Charlotte ordenou, já erguendo o objeto e arrastando para a água.

Todos ajudamos com o barco — que era mais uma canoa enorme — e subimos. — Gente, eu ouvi algo — Mike disse. Ele tinha o ouvido aguçado demais, então fez sinal de silêncio. — Alguém está correndo pra cá! Depressa, vamos!

Corey nos empurrou até a água chegar nos joelhos e subiu. Aimee ia ligar o motor apressada, mas Brenda saiu do veículo e gritou.

— Não vai escapar depois dessa!

Demorei alguns segundos até entender o que estava acontecendo. Brenda correu pela areia sem nenhuma arma. Corey, que tinha achado seu escudo, recolheu o mesmo e foi atrás dela.

Matt estava de camisa e calça, segurando o controle das bombas na mão direita e esboçando um sorriso amedrontador ao ver a loira correr atrás dele. Ele nem se mexeu.

— Vai se arrepender, Daphne! — pude ouvir ele gritar. Senti pena dele por tudo o que tinha passado. Ao invés de responder apenas mostrei o dedo do meio. Matt riu. Estava indefeso e sem arma alguma.

— Brenda, deixa ele ir! — Lucas gritou. A menina não deu ouvidos.

Charlotte fez sinal de negação com a cabeça e usou as ondas para nos aproximarmos da areia.

Corey conseguiu encurralar Matt para ele não entrar na floresta de novo. Brenda tentava pegá-lo de algum jeito, mas sem arrancar o controle.

Eu tinha que pegar aquela coisa.

Corri rápido com minha habilidade. Aimee ajudou Corey e Mike tentou pegar o garoto pelos braços ou atingi-lo, sem sucesso.

— Se me pegarem eu acabo com tudo! — ele berrou e ergueu o controle no ar. Charlotte e Lucas ainda estavam na canoa. — Podem tentar.

Ninguém se mexeu. Matt deu um sorriso da vitória e baixou o controle, encostando-o em seu peito. Dava para ver suas veias das mãos de tão forte que segurava.

Fizemos um círculo em volta do garoto. Matt parecia bolar uma estratégia enquanto não tínhamos nenhuma. Se ele tivesse sido esperto o suficiente teria saído por outro lado.

Matt queria ser visto, mesmo que tivesse que morrer pra isso.

Brenda olhou para mim com o canto do olho e fez um pequeno sinal, semicerrando o mesmo lentamente. Eu precisava fazer algo.

— Matt, me entrega esse controle — Corey disse usando o charme. Por um breve momento Matt cedeu, mas voltou para onde estava e abriu outro sorriso vitorioso. Ele não me viu, mas nem se tivesse teria notado. Pela primeira vez consegui parar o tempo sem mover nenhum músculo. Não sei se fiz isso sozinha ou com ajuda, mas funcionou.

Saltei e arranquei o controle da mão de Matt com força. Parecia que a vida dele dependia daquela coisa. Acabei tropeçando para trás e caindo na areia ao lado de Mike. Quando senti aterrissar na no chão tudo voltou ao normal. Matt não sentiu o objeto em suas mãos e se virou me procurando. Pelo menos ele pensou rápido e sabia que eu era rápida.

Mostrou um olhar furioso. Mike se pôs na minha frente e colocou as garras para fora, e Brenda aproveitou a chance dando — o mais belo e bem feito — soco na lateral de seu rosto. Ele caiu aos meus pés, meio atordoado e com visão turva. Tentei me levantar o mais rápido possível, mas Matt puxou meus pés como se quisesse escalar até chegar no controle. Foi como um filme de terror senti-lo e vê-lo me puxar sem dó.

Atirei o objeto para o outro lado, sendo arrastado pela areia. Aimee correu até o controle e o pegou, mas se desequilibrou. Eu me debatia para Matt me largar. Ele estava apertando minhas pernas de propósito e resmungava coisas sem sentido.

Corey, Mike e Brenda tentavam puxá-lo e era como uma tortura. Acho que nunca xinguei tantas palavras de uma vez só.

E então, algo aconteceu.

Matt berrou alguma coisa e minha cabeça latejava, dando enormes pontadas e lembrei de coisas aleatórias da minha vida. O caminho da escola para casa, eu jogando beisebol, saídas de carro com meus pais, essas coisas.

Parece que com os outros também aconteceu o mesmo. Ouvi Aimee gritar e tapar os ouvidos, deixando o controle cair aos seus pés. Matt correu na direção dela e pegou o mesmo, pressionando o botão de ligar.

— NÃO! — gritei, mas era tarde demais. Talvez metade da ilha explodisse.

Consegui me levantar. Matt ergueu o controle com a mão direita, jogou o mesmo para o outro lado e gargalhou como uma criança. Todos estavam furiosos e apenas andávamos mais perto.

— Vocês tem trinta segundos.

Ele apenas disse isso e Aimee o chutou nas pernas. Olhei bem para ela e seu rosto mais vermelho que o normal. Vermelho de raiva.

O golpe final foi dado pelo escudo de Corey. O som do metal contra a nuca de Matt soou alto e ele caiu duro no chão, desmaiado.

— Ele morreu? — Mike perguntou.

— Ainda não — Corey respirava com dificuldade e limpou o nariz sujo de sangue. Ele estava furioso.

— Não temos muito tempo. Vamos! — falei. Aimee e Mike levaram Matt até o barco conosco.

Quando todos se encontravam lá dentro, Charlotte usou as ondas para nós afastar o mais rápido possível da ilha. Mike também guiou a maré ao nosso favor.

Fiquei sentada e respirei fundo, um pouco encolhida no canto. Brenda e Corey amarravam Matt pelos braços enquanto Aimee e Lucas viam se tinha algo nas bolsas para comer.

Levei um susto com a explosão.

Um brilho enorme vindo da ilha. Como um vulcão entrando em erupção. Deixou meu estômago revirado e a água se agitou. Parecia que nunca ia acabar, uma atrás da outra. Observamos em silêncio por vários minutos. Qualquer um que estivesse lá com certeza não teria sobrevivido.

Mike abaixou a cabeça e pôs as mãos na nuca. Ele tremia e percebi que chorava. Eu o admirava por chorar sem medo. Senti meu rosto esquentar e sabia que também queria botar tudo para fora.

Brenda abraçou Lucas e Corey de lado, com medo de ter perdido os amigos. Se Mike não tivesse passado pelo labirinto poderia ter morrido sabe-se lá como. Não queria pensar nisso.

Mas ele chorava, eu chorava, e talvez Aimee e Charlie também. Não era só pela morte de Ada, Andy e outros semideuses inocentes. Era pela derrota.

Conseguimos salvar a maioria, mas perdemos.

Eu perdi.

Matt estava ao nosso lado, dormindo. Passou a vida sentindo-se perdido e sem objetivo, e quando finalmente encontrou algo para fazer, perdeu.

Eles morreram. A ilha explodiu e não salvamos os outros. Depois de tanto esforço. Eu também não consegui me salvar. Cronos ainda estava em algum lugar dentro de mim e eu não tinha ideia de como tirá-lo dali.

Mike chorava baixinho e de cabeça baixa, encostando a testa nos joelhos e abraçava a si mesmo. Tentou salvar Andy e falhou. Ela se arriscou por nós.

Olhei para a água salgada e não pude ver o que tinha lá embaixo. Apenas meu reflexo por causa da lua. Ela parecia mais brilhante aquela noite. Pensei que,

se a mãe de Mike estivesse ali, ela podia estar observando o filho de longe e aquela luz parecia um abraço.

Meus óculos estavam manchados. Deixei-o de canto e me inclinei para perto da água, chorando e fungando.

Como eu tiro você daí?

Como posso consertar tudo?

É assim que acaba?

— Daph — alguém me chamou e tocou meu ombro. Olhei para Charlie e pisquei. — Melhor sair da borda. Por favor. Tenho medo de você cair.

Ela tinha razão. Eu estava muito inclinada sem perceber.

— E agora? O que faremos?

Perguntei e todos olharam para a Jackson. Charlie tirou o cabelo grudado do rosto e visou Matthew com raiva.

— Ainda não acabou. Essa é a parte que voltamos pra casa. 

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