18 | Sou lindo

[Aimee]
Bufei de raiva mais uma vez naquela noite, infelizmente as coisas não eram fáceis. Olhei ao redor tentando procurar algo que pudesse nos ajudar, mas nada era útil.
    A minha frente estavam Ada e Matt, ela nos prendia dos ombros para baixo, então só conseguimos mover a cabeça. Os dois semideuses estavam atrás, perto de duas entradas opostas no salão. Éramos postos no chão a medida que o garoto autorizava.

    Enfim pousamos e encarei-o com minha melhor expressão de raiva. Eu não fui mesmo com a cara dele, apesar da pele clara cheia de sinais pelo rosto, magro, olhos escuros com olheiras profundas e o cabelo cacheado escuro.

    O pior com certeza era o sorriso de dar calafrios a qualquer um, ele estava adorando aquilo, se divertindo e a cada olhar que lançava à Daphne era como uma vitória particular. Ela devia ser o prêmio mais alto, sua maior conquista.

    Ele estava nos esperando, e paramos na armadilha.

    — É um prazer imenso conhecer vocês, eu mal via a hora de se juntarem a nós — ele disse, encarando cada um. Lancei um olhar para Ada, mas ela apenas desviou e mordeu o lábio.

    Eu não entendia porque ela estava daquele jeito, não era a mesma de quando conheci. Queria voltar no tempo para quando nós três; eu, ela e Charlotte, fomos próximas. Acho que por algum tempo realmente senti que tinha uma família e quem confiar.

    Mas tudo mudou, agora estamos aqui.

    Eu estraguei tudo.

    Ela foi embora, Charlotte me deixou e cada uma seguiu seu caminho.

    — Para logo de enrolar e conta o que você quer — falei cuspindo. Ele abriu a boca para falar mas engasgou as palavras.

    Olhei para Mike, à minha direita. Ele estava procurando alguma coisa com suas pupilas agitadas e nem escutava. Daphne se encontrava ao seu lado, ainda mais furiosa que eu. A ruiva tinha os olhos brilhando, mas dava para ver que Daph tentava controlar a fúria.

    — Você podia ser mais delicada, filha de Dionísio. Eu não ia te usar, mas mudei de ideia e pode ser uma boa aposta.

Matt devia estar no paraíso. Ele sorria abertamente, mas aqueles dentes demonstravam uma felicidade esquisita. Era um sorriso vilanesco, diabólico e maldoso.

    — O que quer dizer? — Daphne perguntou mais calma, ela queria saber das coisas tanto quanto nós.

    Eu poderia lançar um aroma e fazer todos desmaiarem bem aqui, mas só pioraria a situação mais ainda, ou Daphne congelaria o tempo e fim de papo... Só que eu queria detalhes. Viemos aqui em busca de pessoas e respostas, então não vamos embora tão cedo.

    — Seria muito clichê se eu dissesse "quero derrotar os deuses e tomar lugar no Olimpo", não é? — disse Matt, andando a nossa volta. — Mas a questão não é só isso. Eu quero mais.

    — Então qual é o lance? — perguntei, erguendo a sobrancelha. Não era culpa minha, eu gosto de um bom desenvolvimento de vilões e conversas sobre a vida.

    Matthew se agachou na minha frente e pude sentir seu hálito de frutas vermelhas. Pelo menos tem bom gosto. Ele segurou meu rosto com delicadeza, a mão era firme e macia demais.

    — Eu quero me tornar Pretor de Nova Roma. Conquistar o máximo que puder, apesar de ser fraco, de ter sido humilhado por tempo demais, Aimee. Você sabe como é isso, 'né? A humilhação, abandono, tristeza...

    Senti meu corpo de fragilizar e cansar, fechei os olhos por um instante e vi todo o mal que já sofri e fiz, meu peito se encheu de pavor e respirei rápido. Tinha esquecido como fazer uma coisa tão simples. Era um pesadelo. Charlotte estava lá, Ada, Helena, meu pai, meus meios-irmãos... Eu lembrei de tudo. A raiva circulava rápido com a tristeza. Não consegui controlar de uma vez, a sensação parecia a mesma depois de um choro cheio de soluços.

    — Para com isso! — alguém gritou e voltei ao normal em alguns instantes. Mike olhava furioso para Matt, ele apenas se afastou lentamente, erguendo as mãos em rendição.

    Encarei o chão e respirei fundo. Eu me afoguei fora d'água. Aquele garoto tinha alguma coisa, algo grande escondido para si.

    Olhei para Mike e sussurrei um "está tudo bem" para sua expressão de preocupação. Ele tentava me indicar algo com os olhos antes do filho de Invidia prestar atenção em nós mais uma vez.

    Encarei o canto que o menino apontava. Eu pensei que Mike tinha surtado de vez, mas consegui enxergar alguns cilindros vermelhos pequenos, atrás do trono luxuoso. As dinamites eram ligadas por cabos esse estendiam por todo o chão, até os corredores e portas.

    — Devem ter mais — ele moveu os lábios sem emitir som e assenti. — Fogo grego, magia.

    Se implantaram bombas aqui, significava que o castelo todo era cheio delas.

    Bombas.

    Ele vai destruir tudo.

    — Se você quer ser um pretor então porque precisa de nós? — Daphne perguntou visando-o de cima a baixo. Matt riu.

    Olhei nervosa para Ada em forma de súplica. Ela apenas balançou a cabeça.

    Não via motivo algum para um semideus romano querer usar os descendentes em um plano. Matt começou:

    — Eu odeio ser um semideus, querida. Minha vida nunca mais foi a mesma depois do acampamento. Sempre foi difícil passar a vida sem apoio, sem amor ou carinho. Minha mãe nunca sequer disse uma palavra, eu passei a odiar os deuses ao invés de fazer referência. Quero destruir toda sua criação e preencher o buraco que resta em mim! Vocês nunca vão entender.

    — Escuta, eu sei que é chato essa vida, mas não precisa ser assim, eu te entendo — Mike disse calmo. Matt riu.

    — Ah, é mesmo? Você sabe como é crescer nas ruas, garoto? Sabe como é viver sem os pais, não saber o que comer, ser criticado por ser diferente e se sentir fraco? — Matt disse mais alto. Mike abaixou a cabeça e mordeu o lábio antes de o encarar de novo. — É, acho que não. Sei tudo sobre vocês e suas vidas. Morar em um apartamento na parte rica da cidade deve ser bom.

    Tirando a parte de viver nas ruas, e, todos sabíamos um pouco como era. Embora cada um tenha lutado para ser diferente e superado. Mas Matt não sabia, ele estava doente.

    Sei quem eu sou desde sempre. Nunca tive problemas com isso, mas, é, a outra parte entendi.

    — Cansei de fugir, cansei de ser fraco, isso agora é passado — disse com a cabeça em outro lugar, tentando voltar os pensamentos por um minuto. Queria saber mais sobre a história. — A única pessoa que amei de verdade já morreu, e tudo por culpa desse mundo e deuses de merda!

Ada cruzou os braços e encarou o chão. Ela estava magoada, pelo menos era o que parecia. E Matt nem sequer a fitou. Isso só provou como Ada é só mais uma peça no jogo dele.

    — E nós? Por que você andou roubando os descendentes por aí? — Daphne disse querendo chegar direto ao ponto.

    — Quero ajuda. Usar os poderes de vocês. Descendentes podem ser até mais fortes que semideuses, como você e Charlotte Jackson. Juntos podemos acabar de uma vez com a dinastia dos deuses e poupar a vida de muitas pessoas da dor e sofrimento. Pessoas amaldiçoados, com as vidas destruídas por causa do egoísmo desses deuses!

    — Isso tá fora de questão — ela disse com um sorrisinho. — Você é o vilão.

    — Ah, eu sou o vilão — ele pôs a mão no peito e encarou a ruiva com raiva. Matt chegou mais perto da ruiva, ofendido. — Olhe para si mesma! O sangue de um titã corre nas suas veias! Quero salvar o mundo e você me diz que eu sou o vilão?

    — Cronos fez as decisões dele. Eu faço as minhas.

    Matt riu e coçou a nuca como se já tivesse escutado aquilo mil vezes.

    — Uma hora você vai enlouquecer de vez assim como a sua mãe, e eu vou estar lá esperando para ver e rir como nunca.

    — O que sua mãe fez? — perguntei. Eu só sabia uma parte da história.

    — Ah, isso foi há muito tempo — Matt prosseguiu. Nem Daphne devia saber daquilo. — Cronos teve posse do corpo dela, quase matou todos do acampamento de graecus e conquistou a cidade. Por pouco Lydia Kristall não destruiu a cidade, senão o país e tudo o que conhecemos. Uma pena que deu errado.

    Engoli seco. Daphne não disse nada, apenas continuou olhando para o garoto magrelo, que continuou:

    — As pessoas só gostam de lembrar da parte boa das histórias, mas esquecem do lado sombrio, não? As raízes.

    — Mas ela o deteve!

    — Não é isso que eu vejo. Tem muita coisa presa neste mundo, ainda — ele encarou Daphne por um minuto, compartilhando algo só deles. Ela tremeu e abaixou a cabeça. — Ada, leve os semideuses para as celas com o Jim. Vou ver o que faço com eles, mas por enquanto quero só a herdeira comigo.

    A menina de cabelos alvos assentiu e foi até mim, franzindo a testa ao olhar para Matt, que dava atenção apenas a Daphne. Ada me deixou de pé e senti apenas minhas mãos imóveis. Pelo menos eu conseguia caminhar sozinha.

    — Vamos — ela disse e me empurrou para o corredor da direita. Ao lado, o semideus erguia Mike, também quase libertado, para o corredor oposto.

    Daphne me viu e moveu os lábios rapidamente em uma única frase: "eu pego chaves". Seu semblante era sério, mas me acalmou por enquanto. Diferente de mim, ela tinha um plano bom.

    Mike se debatia e fazia escândalo, sendo levado para o outro lado. Seus olhos azuis encontraram os meus. Se não fosse pela situação de medo, eu teria arrepiado até o último fio de cabelo.

    Fiz um sinal com a cabeça para ele ficar calmo. O moreno se calou no mesmo instante até sermos levados para lados opostos da guerra.

    Senti falta daquela noite no lago.

    Eu queria chorar e correr, mas estava assustada demais para o que viria.

    — Você sempre foi esperta, Ada. Não deixa aquele cara acabar com a sua vida. Podemos virar o jogo! Somos mais fortes juntos!

    — Não sabem do que ele é capaz, Ames — disse ela, sem tirar o foco do caminho. Dobramos algumas vezes e vi apenas paredes de rochas em um labirinto infinito. — Eu não lutaria se fosse vocês. Tem muitas coisas sombrias neste lugar e não vão querer descobrir.

    — O que quer dizer?

    Antes que ela pudesse dizer algo, paramos em uma porta de madeira vigiada por uma garota forte e alta de pele escura. Ela abriu a mesma e entramos.

    Uma escadinha levava até um tipo de calabouço. Haviam duas celas de frente para a outra. Ada a abriu e me empurrou lá dentro. Minhas mãos estavam livres. Suas últimas palavras me lembraram a antiga amiga.

    — Cuidado com este lugar.

    E então foi embora. A porta se fechou e respirei fundo. Não acredito que percorremos todo o caminho da costa do país para chegar aqui.

    — Aimee? — Alguém diz. Passei apenas três segundos em silêncio e sorri.

    — Ora, ora, ora — falo surpresa mas sem animação. Na cela a frente, estão Charlotte e outro garoto que nunca vi antes. Ele era baixo, não tão magro, com cabelos ondulados e castanhos. Eu queria simplesmente apertar as suas bochechas mas estava longe demais para isso. — Oi, Charlotte. E você é...?

    — Corey, descendente de Vênus — ele disse com a voz meio rouca e sotaque inglês mais carregado que o de Mike. Gostei. Queria saber ser bonita assim, respirando, fazendo nada no chão.

    Eu devia 'tá só o trapo. Passei a mão no rosto grudando de suor e sujeira e lembrei que precisava de outro banho.

    — É um prazer finalmente te conhecer — falei sorrindo. — Viemos em uma missão de resgate!

    — Tirando a parte do resgate, tá tudo certo — ele disse rindo. Meu coração virou manteiguinha.

    — Quem veio contigo? — Charlie perguntou pensando se atrapalhava ou não nossa conversa. Ela estava acabada. A pele bronzeada já não brilhava tanto, o cabelo rubro estava amarrado em um rabo de cavalo desarrumado, só não queria sentir o cheiro. Tadinha da Daphne. Corey também não parecia no melhor estado.

    — Daphne e Mike.

    — Trouxe os dois pra cá? Era exatamente o que Matthew queria! Os trouxe para uma emboscada, ela nem sabe...

    — Olha, eu tenho certeza de que a Daphne sabe se virar bem sozinha. — Pensei no que ela disse sobre as chaves. Deve chegar em breve. Esses poderes de Hermes não estão lá de enfeite. — Relaxa.

    Charlotte suspirou pesado e Corey foi mexendo as mãos. Olhei para o nada.

    — Nós vamos dar um jeito. Os outros vão conseguir — falei. Charlotte assentiu. — Vocês viram as bombas?

    — Sim. Tem em toda parte — disse e apontou para o canto. As dinamites estavam lá presas no canto. — Acho que tem fogo grego por aqui. Armas mortais são fracas e Matt gosta de chamar atenção, principalmente uma "destruição triunfal".

Deuses, ela e Mike poderiam ser irmãos. Não sei quem é o pior sabe-tudo.

    — Sabe como desarmar? — perguntei e a morena fez cara de deboche.

    — Eu tenho cara de quem sabe desarmar bombas?

    Estava prestes a responder um "sim" na lata, mas ela me calou.

    — Não vai adiantar, são cabos demais espalhados no lugar inteiro! Quem projetou queria algo grande e foi alguém bem habilidoso — Corey disse e a menina concordou.

— Precisamos fugir primeiro antes que ele faça seja lá o que for... Mas eu aprendi a planta do castelo, quer dizer, uma parte.

    — Desembucha, cabeça de peixe.

    Charlie rolou olhos e Corey segurou o riso.

    — Sei como chegar até as outras salas, a área onde comemos e a sala de armas, onde estão guardadas. Precisamos de tudo antes de ir embora.

    — E a garota? Mike acha que tem alguém escondido aqui.

    — Acho que sim — disse tentando lembrar. — Em uma sala perto das armas.

    — E onde o Matthew fica? Quero ir lá chutar o saco dele antes de irmos.

    Charlotte fez sinal de negativo. Pensei por alguns instantes o que poderia fazer. Eles levaram minhas facas, meus sucos... Era tudo o que eu tinha. Mas ainda conseguia lutar. Talvez...

    — Acho que tenho um plano, e dessa vez não envolve morte. Quando Daphne vier, se ela vier, vamos fazer o seguinte... — falei mais animada com a ideia. Cheguei mais perto da grade para vê-los com mais clareza. — Mas antes, qual o seu poder mesmo, Corey?

— Eu sou lindo.

— Isso aí a gente já sabe — sorri. — Mas agora é sério, a gente faz assim...

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