06 | Não, não, merda, não
— Certo, vamos aprender o básico do básico hoje — Charlotte disse girando sua espada. Estávamos no meio da arena de combates e eu iria aprender alguns truques com a espada.
— Vai ser um loooongo dia — falei fingindo entusiasmo. Ela revirou os olhos. Começamos o combate, chocando lâmina contra lâmina. Ela tentou me dar um chute, mas desviei e tentei acertá—la com a espada. Charlie investiu e eu bloqueei. Sua espada passou por cima da minha cabeça até eu abaixar, mas ela foi mais rápida e me chutou na canela.
Caí quase que de cabeça. A ponta de bronze brilhou na frente dos meus olhos, junto de um sorriso contagiante da morena.
— De novo!
Cambaleei para o lado e parti para cima de novo. Ela desviou de novo e me acertou com o cabo da espada nas costas.
— Caralho que dor! — gritei e ela riu. Suspirei e me ergui. Ela não tinha pena de mim. Corri para os lados. Corri como nunca, até sentir que meus pulmões não aguentavam mais.
Eu ia de um lado para o outro, deixando-a tonta e girando, até cambalear. Aproveitei a chance e chutei sua perna. Charlie escorregou e rolou na grama. Parei aos seus pés.
— De novo!
Ela era uma boa treinadora. Charlie começou a rir para o céu e virou seus olhos escuros para os meus. Por um momento senti minhas bochechas corarem por causa daquele gesto tão espontâneo. Ela parecia em paz.
— Bom golpe, Kristall.
. . .
— Você consegue, Mike. Eu acredito em você eu... — falei e ele caiu no chão. — Eu desisto — joguei a bandeirinha para trás. Aimee sorriu nervosa e ele suspirou.
— Cara, minha função aqui é te treinar!
— Sou melhor com o meu arco — Mike apertou o ombro direito.
— Então tudo bem! Larga as armas — ela disse e atirou suas facas no chão. Eu estava tão cansada que não aguentava ficar em pé, então os observei de longe. Aimee começou a tirar o moletom. — Luta comigo aqui, agora, sem nada.
— Luta corpo a corpo? — diz irônico — Mas eu sou novo nisso!
— Isso mesmo! — diz alto e põe os braços na frente do rosto em forma de defesa. — Quando você não tiver seu belo arco vai ter que se virar de outro jeito, garoto.
Mike avança devagar até ela. Arregalei os olhos culpando a mim mesma de não ter trazido pipoca. Aimee o encarou e em dois segundos e puxou pelo braço direito, girando o mesmo e pôs a sua mão esquerda no peito de Mike.
— AI MINHA NOSSA SENHORA! — ele gritou com medo e prendi a respiração.
— Eu sei que você consegue, garoto—chiclete! — ela disse rindo. — Mostre tudo de si! Desculpe, eu assisti muitos filmes de ação quando era pequena.
— Você ainda é pequena, Aimee — resmungou. Ela pressionou a mão com mais força em seu peito.
— Te chamou de baixinha! — gritei rindo. — Eu não deixava!
— Para de incentivar, Daphne!
Os dois se afastaram. Mike deu uma investida. Aimee tentou impedi—lo com o braço, mas ele puxou o mesmo para baixo e deu um grito junto com a garota. Ela ficou de costas para ele, com o mesmo pressionando seu braço.
— Isso já ta ficando pornográfico, gente — falei para provocar.
— Eu não bato em meninas — ele disse relaxando os braços.
— Mas eu sim! — ela disse e o chutou por trás, batendo bem no "ponto fraco". Mike soltou um grunhido e caiu no chão. Aimee arrumou o gorro na cabeça. — Eu sabia que era bom, mas cuidado na próxima vez, tampinha.
. . .
— Cadê o Mike? — Aimee pergunta enquanto caminhamos até o anfiteatro para a fogueira, onde todos os semideuses estão reunidos. — Já estamos atrasados. Que horas são?
— 20:36 — falo involuntariamente, as palavras saem da minha boca sem nem mesmo eu saber. — Estou preocupada com ele. Mas relaxa, isso é normal. Ele deve estar meio chateado com o que aconteceu no jogo ontem. Quando fica nervoso, gosta de ficar isolado, pensar... E ele aperta o braço e mexe os dedos, assim — imitei o gesto e ela dá de ombros sorrindo.
— Deuses, vocês parecem irmãos. Se conhecem desde quando?
— Desde sempre, eu acho.
— Não é estranho?
— Não. A vida inteira sempre foi assim, eu e ele. A gente cuida um do outro. Ele me ajuda a estudar, eu o ajudou a perder timidez e assim vai.
— O importante é que hoje de manhã nos treinos ele parecia bem — Aimee sorri. — Acho melhor não se preocupar tanto.
Desvio o olhar dela para a fogueira de mais de dois metros de altura. Com um vermelho brilhante de cores da aurora.
— Nossa. Isso sim é uma fogueira! O que vai acontecer?
— Nada demais. Só pessoas cantando, contando histórias... Aquela coisa típica — ela suspira e dá um sorriso de lado. — É um dos poucos momentos que faz esse lugar parecer normal.
— Vai ter comida? — pergunto animada e ela exibe um sorriso largo. — Então o que estamos esperando? — agarro Aimee pelo pulso e corremos até lá, passando por campistas alegres. Nem parece que no dia anterior, estávamos duelando uns contra os outros.
— Daphne! — alguém grita e vejo Charlotte lá em cima no assento do anfiteatro. Aimee logo fecha a cara e larga minha mão.
— Pode ir com ela. Eu vou lá... Ver uma coisa com meus irmãos sobre a colheita dos morangos.
— Ok — falei triste e ela correu para outra parte da construção antes de eu poder completar minha frase. Corri até Charlotte e ela bateu de leve no lugar vago ao seu lado.
— Cadê o Mike? Estou surpresa por não andarem juntos agora — ela diz quase cuspindo as palavras, havia me esquecido da briga deles.
— Não sei. Sabe, essa nossa amizade não dá certo, porque eu gosto de todos vocês, mas você não gosta do Mike e Aimee, nem eles de você. É complicado.
— É, mas não sei se isso pode mudar em questão da Aimee. Aliás, mudando de assunto, preciso te contar uma coisa — ela diz serena e olho em seus olhos. Engulo seco e nervosa. — Hoje de manhã, depois do nosso treino, contei tudo para Quíron e Helena o que sabia. A Captura da Bandeira, Ada, outros semideuses...
— E o que eles vão fazer?
— Não sei, mas devem ser breves. Talvez eles avisem alguma coisa amanhã de manhã ou agora — ela balança a cabeça e segurou forte minha mão. Estremeço. — Se isso tiver algo relacionado aos descendentes do seu sonho, pode ser ruim, muito ruim. Por isso quero que fique segura, Daph. Não ande sozinha, eu me preocupo com você.
Fiquei quieta e olhando para ela. Charlotte deu um sorriso de lado e largou minha mão. Olhou para a fogueira alguns minutos e, enquanto isso, me perguntei o que havia acabado de acontecer.
Tentei fazer o mesmo, mas minhas mãos tremiam, eu desviava o olhar a cada três segundos e dava de cara com seus olhos escuros, ou a pele bronzeada iluminada, o cabelo batendo nos ombros.
— Mudando de assunto de novo, acho que você pode ser reclamada hoje — ela disse olhando para a fogueira. Ela estava apoiada nos cotovelos toda esticada.
— Hoje? Tipo agora? — falei rápido gaguejando, ela assentiu com a cabeça. — Você tá me dizendo que vai ter um troço flutuante em cima da minha cabeça? Descendentes podem fazer isso?
— Pare de se humilhar! Eu também sou uma, esqueceu? Também fui reclamada. Depois daquele seu desempenho na captura da bandeira, não vou me surpreender se Hermes resolver te reclamar. Ele adora uma entrada triunfal.
— Desempenho de Mike, você quis dizer. Eu só consegui usar uma espada — suspiro e ela semicerrou os olhos. — Eu nunca controlei o tempo, acho que não tenho esse poder. Não sou como minha mãe.
— Você quer falar sobre isso? — ela pergunta deixando o cabelo cair para trás. Nem me dou o trabalho de responder.
— Isso é muito difícil para mim — comecei. Sabia que minha voz ia começar a acelerar. — Nunca recebi conselhos de ninguém sobre. Eu tento fazer meus poderes, que nem sei se existem, saírem de mim e não consigo. E se eu não controlar? E se, e se, e se... Não sai da minha cabeça! Só queria um tempo pra pensar, ficar longe daqui — ponho as mãos na cabeça, esperando uma resposta, mas não recebo nada, só um silêncio quase infinito.
A primeira coisa que pensei foi na mamãe aquele dia na escola. A sensação era a mesma.
Ergo a cabeça e Charlie está parada como uma estátua. Assim como todos ao redor.
Eita porra.
— Charlotte? Oi? — passei a mão na frente do seu rosto e ela nem piscava.
Levantei—me e andei entre os campistas, todos paralisados. Desci um pouco mais, observando todos. Vi Aimee rindo, como sempre, junto de seus meios—irmãos. Mike estava no primeiro degrau, onde a luz da fogueira se refletia em seus óculos. Não gostei de vê—lo assim sozinho, sem expressão.
— Isso é muito estranho... — murmuro apesar de ninguém me ouvir. Eu tinha feito sozinha. Ando na direção da fogueira. — Será que...?
Tentei tocar o fogo, mas acabei queimando o meu dedo.
Nota mental: Não tocar no fogo quando parar o tempo. Que brilhante ideia, Daphne!
— Merda! — coloco o dedo na boca, como se isso fosse resolver meu problema.
Finalmente!; uma voz exclamou na minha cabeça e tenho certeza de que não fui eu. Quase caí para trás.
— Oi? — chamei. Ninguém dizia nada. Não ouvi barulho algum.
Uma força se expandiu por todo o lugar. Arregalei os olhos. Todos voltaram ao normal, e em segundos posicionaram a atenção em mim.
Não é que ela adivinhou?
Uma luz vermelha apareceu no topo da minha cabeça. Era o Caduceu de Hermes e a foice de Cronos — só acho — cruzados, formando um "X". A luz, antes branca do caduceu, foi coberta por outra cor de sangue. Foi como se Cronos quisesse cobrir toda a atenção e tomar o lugar de Hermes.
Como o titã conseguia me assumir neta lá no fundo do tártaro? Talvez ele possa ter tido exceção especial para membros da família.
— Hermes e Cronos... — Helena diz em voz alta. — Salve, Daphne Kristall, descendente do tempo!
Então era verdade. Agora todos sabem disso, ninguém ousava julgar sem saber, mas agora têm certeza.
Isso aconteceu antes, anos atrás, com a minha mãe.
Agora a aberração voltou para ficar.
Todos se curvaram diante de mim, e eu ainda com o dedo na boca. A ficha caiu de verdade.
Eu sou uma descendente. O sangue de um titã corre nas minhas veias. Eu sou a nova herdeira de Cronos.
. . .
Naquela mesma noite, me aprontei para dormir no chalé de Hermes. Arrumei minhas coisas e coloquei a mala embaixo da cama. Vesti o pijama e senti um enjoo enorme.
Me direcionei a porta para sair e alguém me interrompeu.
— Aonde vai? — perguntou o garoto na cama ao lado.
— Não me sinto bem. Preciso de um pouco de ar.
— Cuidado aí fora e não demore — disse calmo e assenti com a cabeça. Assim que senti o vento frio bater contra meu rosto, tirei os óculos e respirei fundo.
Sentei—me em uma pedra enorme ao lado do chalé, perto das moitas e apertei os olhos. Vai ficar tudo bem. É só um enjoo. Eu só estou ansiosa com tudo o que houve.
Tentei me concentrar no som do riacho Zéfiro que passava ali perto.
Talvez eu passe um bom tempo por aqui, disse aquela voz mais uma vez na minha cabeça. Já comecei a me assustar.
— Você não é real, Talvez seja coisa da minha mente e eu esteja louca — falei assentindo para mim mesma. — É. Eu devo estar falando sozinha.
Pode até ser, mas garanto que sou 40% real, infelizmente, disse e grunhi.
Sinto o enjoo voltar de novo e me agacho diante da moita. Eu não vou vomitar, pensei. Não posso, não agora.
Dito e feito, dou algumas tosses pesadas, quase me deixando rouca. Abri os olhos e observei aquele líquido escuro.
— Isso é sangue?
Possivelmente.
Passo os dedos nos lábios e limpando a boca no pijama. Algo está dando muito errado.
Ouço alguma coisa entre as árvores, várias vezes. Um vulto passa correndo perto do chalé oposto. Harpias. Preciso entrar.
Encarei a mancha secar lentamente. Tremi com o vento e tive a sensação de estar envenenada, como se a pureza quase existente da Daphne de semanas atrás houvesse sumido. Só restava esperar.
— Ninguém pode saber disso — falei para mim mesma em uma promessa solene. Por enquanto aquela voz na minha cabeça só podia ser alucinação.
Não vão.
. . .
No dia seguinte, depois de todo aquele momento sinistro e estranho, fiquei procurando Mike. Ele tinha sumido depois da fogueira. Agora de manhã é mais fácil. Eu Precisava de alguém para conversar.
É meio chato tentar andar normalmente e as pessoas te olharem como se você fosse um morto—vivo. Ser descendente de Hermes tudo bem, agora de Cronos é tipo "Corre que agora fodeu!".
Passei perto da Casa Grande quando finalmente o encontrei, encostado perto da janela, na varanda. Corri rápido passando como um borrão e o cutuquei no ombro.
— Oi!
— Oi — ele diz sorrindo e sussurrando. Volta a encostar-se à parede e tenta escutar alguma coisa com atenção.
— Por que está sussurrando? — perguntei no mesmo tom.
— Eu estava caminhando quando do nada escutei os dois falando sobre descendentes raros... Não sei como foi possível.
— Seus instintos de lobo, talvez? — sorri e ele fez sinal de silêncio, se encostando mais uma vez na parede.
— Uma garota desaparecida... Um descendente de não sei o que e... — dou risada e ele ergue a sobrancelha, depois franze o cenho. — E você.
— O que eu tenho a ver com isso? Mike, isso tá muito esquisito. Será que é a garota do meu sonho?
Ele franziu o cenho voltando a olhar para mim.
— Helena está saindo! Rápido!
Mike me puxa pelo braço e corremos até o outro lado da casa, onde tem a vista para a floresta. Foi tudo tão depressa que nem me dei conta, quase caio em cima dele.
— Cuidado! — ele sussurra e me segura pelos ombros, fazendo sinal de silêncio. Obedeço e confirmo com a cabeça. Mike contorce um pouco o pescoço tentando escutar de novo. Ele arruma meus óculos que estavam quase caindo. — Certo, acho que ela já foi. Ei, você tem olhos bonitos! Parecem chocolate.
Dou um sorriso, foi meio repentino o elogio se deparando com a nossa situação. Mike era o tipo de pessoa que fazia elogios repentinos e apesar disso eu sempre duvidava se ele queria algo.
— Obrigada — imitei seu gesto. — Os seus também. Me lembram a luz da lua.
— Vai fazer essas piadinhas até cansar no vai?
— Pode apostar.
Ele ri e saímos da varanda de fininho caso alguém nos veja. Corremos até estarmos longe da vista de alguém.
— Calma! — ele diz caindo na grama, dramatizando. — Não sou tão rápido quanto você!
— Isso foi por vingança! — o ajudo a se levantar. — Fiquei te procurando a manhã inteira! Você anda muito estranho, Mike!
— Eu só precisava de um tempo sozinho para pensar sobre tudo o que aconteceu... Com você e comigo.
Ah não. Ele está gaguejando. Alguma coisa aconteceu e eu vou descobrir o que foi.
— Essa história toda de Selene, você sendo reclamada... E o mistério de Helena me deixa nervoso — completou.
— Percebi. Aliás, o que Helena e Quíron estavam conversando na Casa? Fiquei curiosa.
— Não consegui ouvir muito, só sei que os dois falavam de descendentes desaparecidos. Tenho certeza que também falavam daqueles caras no dia da Captura da bandeira — olhou ao redor para saber se ninguém escutava, mas as pessoas passavam sem dar muita atenção. — Eles eram daqui, Daph. Invadiram o acampamento para tentar pegar algum outro descendente! E aquela garota, Ada, estava do lado deles — Mike aperta o braço, nervoso.
— Quantos? Quantos eram os descendentes perdidos?
Mike hesita, ele sabe que o meu sonho foi real e sabe que eu tenho razão.
— Mike!
— Dois! São dois deles. Eu sei porque os vi no sonho que tive ontem, por isso estou com medo! E se for real? — disse. Há essa altura, óbvio que os "sonhos" são visões. — É normal termos sonhos assim? Pesadelos, sensações esquisitas?
— Provavelmente. Precisamos falar com Aimee e Charlotte.
Corremos até o pavilhão do refeitório apressados. Quíron e Helena escondiam sobre aqueles garotos, sobre quase termos morrido no jogo e eu. Eu tinha alguma coisa a ver com isso. Descendente de deuses dados podiam estar em perigo.
— Espera! — ele grita e quase dou um tombo na grama. — O seu sonho, me conte de novo!
— Era uma descendente de Ares e um de Tique — parei me apoiando sem jeito. O vento forte balançava nossos fios. — Por quê?
— Daphne, nós também somos desse tipo. Descendente e filho de uma deusa rara. Assim como Charlotte! E meios—sangues como nós estão desaparecendo. Precisamos falar com ela — ele aperta minhas mãos e olha nervoso nos meus olhos. — Entende o que eu quero dizer?
Mike fecha o rosto em uma expressão sombria, assim como eu. Direciono meu olhar para o chão e depois volto para ele.
— Se no jogo de sexta aquele pessoal não era daqui estavam tentando nos capturar, e já existem duas pessoas desaparecidas...
— Eles são descendentes — Mike continuou. Apertei sua mão com mais força. — Assim como Charlie e você. Tudo tem uma ligação, Daphne. — Mike... — falei. Foi como se cálculos surgissem na frente da minha cabeça. — Acho que somos os próximos.
...
Oi, galerinha que ainda lê essa fic ksks. Eu não sou tão ativa aqui mas queria só desejar um bom dia e postar esse meme:
Cronos voltando depois de mais de 10 anos:
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