✧ Tiago ✧
A
Tiago Arautra tinha 48 anos. Um metro e setenta e dois de altura, cabelos castanhos escuros e olhos da mesma cor. A careca de padre já estava bem acentuada; o rosto um pouco inchado; os olhos meio vermelhos.
Havia muitas histórias naquela mente cansada e confusa, que muita inteligência e astúcia também possuía.
Apesar do vício, era um homem bom, honesto e sincero. Exagerava, às vezes, na sua sinceridade, pois procurava um lado agressivo.
O retrospecto de sua vida daria um livro interessante e polêmico.
A infância foi boa, sem dúvida. A Vila Esperança era um lugar pouco habitado; havia muitos campos de futebol; muito verde, muito mato; nadava-se e pescava-se nos córregos da região. Tiago era muito bagunceiro e gostava era de dar estilingadas nos amigos.
Na entrada da adolescência, Tiago começou a enfrentar seu primeiros problemas. Retraiu-se muito em relação à família. Tinha impressão que tudo que fazia parecia errado aos olhos da mãe e do pai. Vivia recebendo reprimendas e conselhos: "Seja como Anita... seja como Abílio...".
Nesta época, Anita e Abílio já eram casados. Tiago passava muito tempo na casa de Anita. Ela era até sua professora particular — fizera magistério.
Tiago não tinha com quem desabafar. Timóteo era um pai difícil, seguro de si, inflexível em suas ideias. E não era dado a orientar os filhos. Deixava-os cada um por si, Deus por todos.
Altina Corrêa Arautra não era menos fácil. Era muito comedida em relação a Tiago. Queria que ele fosse o que ela pensava ser melhor para ele. Endeusava os outros filhos, esperando que Tiago agisse como eles.
Ailton era um tanto revoltado e não levava nada a sério; Abílio muito distante; Anita semelhante à mãe; Teresa indiferente e Taís ingênua.
Ele queria participar; ele queria receber elogios; mas sempre estava errado; nunca encontrava o meio de conseguir a amizade dos pais.
E assim ele começou a retrair-se. Serviu o exército, onde aprendeu muita coisa. Nessa época tornou-se boêmio, frequentador das noites paulistanas. E era na vida noturna que encontrava com quem desabafar; mas também foi onde encontrou o vício.— Ótimo.
Tudo isso dificultou o relacionamento com os familiares. E ele não percebia que sua postura rebelde perante a vida o afastavam cada vez mais da família, sistemática e conservadora demais para aceitar suas atitudes.
Com vinte e seis anos conheceu Sofia Bonareli. Aquela mulher inocente escolheu para desposar. Casou-se precipitadamente. A situação financeira não era das melhores. Mas conseguiu uma casa que o sogro emprestou. Tiago se dava muito bem com ele, homem totalmente diferente de Timóteo, no qual encontrou o pai que não tivera.
Mas o vício, ah!, o vício! O vício, no qual ele procurava esquecer as mágoas do passado; no qual ele procurava refúgio; que representava a fuga da realidade... estragou seu casamento.
A bebida o deixava agressivo. Não batia nem espancava. Mas feria, com suas palavras picantes e sutis... se fixava num ponto e rebatia, e rebatia, e rebatia, até que Sofia se encontrasse despedaçada, alquebrada e buscasse o apoio da família... o que o deixava mais furioso, já que Sofia "tinha apoio familiar".
E ele descontava todo seu problema sobre a esposa e os filhos, crianças que nada entendiam. Em Sofia ele não encontrava resistência que havia na família... e desabafava toda a sua frustração. Inconscientemente, ele não queria que ela fosse feliz, assim como ele não era.
Positivamente cometeu um grande erro. Justamente em Sofia ele deveria se apoiar, encontrar a solução de seus problemas, pois ela o amava.
A situação foi piorando. Sofia saía de casa; voltava algum tempo depois, quando Tiago prometia recuperar-se. Mas tudo se iniciava novamente; e a agonia das brigas recomeçava. As mesmas conversas; as mesmas coisas tolas em que ele se apoiava para feri-la e magoá-la.
Não era tão fácil como Catarina colocava. Ailton era mais dócil e se bebia, o fazia mais por gosto do que por fuga — tanto que vivia relativamente bem com a esposa e conciliava a bebida com a vida. Catarina não mudaria Tiago, da forma que pretendia agir: como fizera a Ailton, mostrando-se dura e severa. Tiago não se intimidaria tão fácil. E ninguém poderia culpar Sofia: ela se esforçara e muito. Poder-se-ia dizer que talvez não tivesse tido tato para lidar com o marido. Mas não deixara de se esforçar por ter. E quantos sacrifícios não fizera em voltar tantas vezes com Tiago, expondo novamente seus filhos; expondo novamente sua própria felicidade.
E ela se cansou. E chegou à conclusão de que Tiago não queria se ajudar... que ele preferia ser a eterna vítima de si mesmo... e desistiu, indo morar com os pais, levando os três filhos.
✧
B
Orlando Arautra desceu do ônibus. O ponto ficava defronte ao bar do seu Barbosa. Lá dentro avistou o pai.
Nesse dia, em especial, Orlando se encontrava bem consigo mesmo. Disposto e descontraído.
Eram dez horas da noite. Entrou.
— Suma daqui, seu vagabundo. Não quero ver sua cara.
O pai havia bebido. O que não era nenhuma surpresa.
Intimamente não gostava daquela palavra. Se ao menos ele realmente fosse um vagabundo, poderia até considerar o adjetivo. Mas não era verdade.
— Com doze anos eu já trabalhava.
Orlando perdeu o bom humor:
— Acontece que hoje parece ter menos juízo...
— Por que você não some daqui? E eu que pensei ter um amigo... tss... tss... agora vejo que sua hipocrisia não é menor que a dos outros. Pensei que as coisas seriam diferentes depois que você foi me ver no hospital. Eu fiquei contenta. Até me telefonou, dizendo que iria me ver quando eu tivesse alta... e nunca mais apareceu...
Orlando sofreu um choque. Tiago tinha toda razão. ele prometera ao pai a visita. E não fora por quê? Por preguiça.
Tiago estivera internado por quinze dias, devido a um problema de água nos pulmões. Orlando lhe fez uma visita e até levou uma revista. Ligara para o hospital alguns dias depois e soubera que o pai teria alta no dia seguinte. "Eu passo na tua casa no sábado".
— Eu não tive a intenção, pai. Ando muito ocupado, e esqueci...
Tiago limitou-se a pedir um "carquejo" ao dono do bar.
— Poxa, Tiago, você bem que podia parar de beber. Olha só o filho bacana que você tem. Podia ser um marginal, um bandido. Mas olha aí: um moço ente fina!
— Um hipócrita, isso sim.
— Mas Tiago...
Orlando fez um gesto ao seu Barbosa, indicando que deixasse para lá.
Sentou-se num banquinho e ficou olhando a avenida. Após todos aqueles anos de brigas e discussões com o pai, aquela visita representava o início das negociações entre os dois lados. Perdera a oportunidade de reforçar a confiança que o pai lhe depositara.
Em todos aqueles anos também, Orlando nunca percebera que não adiantava argumentar com o pai, principalmente quando ele estava embriagado.
Tiago sempre dizia suas besteiras e Orlando retrucava. Primeiro por não serem verdades e segundo porque o revoltava vê-lo naquela situação. Na tentativa desesperada de querer ajudá-lo, procurando convencê-lo do contrário, acabava discutindo com ele.
Só então percebera que era preciso, antes de tudo, inspirar-lhe confiança, tornar-se seu amigo. Se necessário, aceitar suas palavras e até concordar com elas.
Certa vez, Orlando lera num livro: "Somos muitas vezes inclinados a verificar tão somente os efeitos, sem ponderar as origens. No mendigo, vemos apenas a miséria; no enfermo, somente a ruína física. Faz-se indispensável identificar as causas".
Concordava com aquele ponto de vista. Em vez de perder tempo discutindo com o pai, atacando seus defeitos, era preciso buscar as causas que o levavam a ser assim, para poder compreendê-lo melhor. Quem sabe, assim, tivesse condições de ajudá-lo.
Que não pudesse solucionar o problema — dependeria muito da força de vontade do pai — ao menos havia a possibilidade de amenizá-lo.
Como o momento não era propício para nada, Orlando despediu-se dele.
Tiago permaneceu sentado no banquinho, olhando para o copo de cachaça.
✧
C
E ali ficou Tiago, abatido, desolado, só. Amando e odiando a esposa; desnorteado e infeliz.
Levantou o pequeno copo de cachaça:
— À minha família!
Dois homens ergueram seus copos, rindo do brinde.
— Sabem, meu pai não me suporta. E todos os meus irmãos não passam de hipócritas...
Olhou para um de seus amigos de botequim:
— Você é meu amigo, não é?
Hesitou.
— Pois então posso confidenciar-lhe: todos dizem que minha mãe morreu porque eu a 'enfernizei' nos seus últimos dias. Mas a verdade é que aquele velho a matou. Ele a escravizou durante toda sua vida...
Engoliu o resto da aguardente:
— Não foi só com a vida dela que ele acabou: com a minha também.
O copo escapou-lhe da mão, espatifando no chão. Olhou para baixo com uma expressão tola no rosto:
— Hipócritas!
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Nota: O texto original foi subdividido agora em três partes, sendo que anteriormente iniciava pela atual parte B, depois seguindo com as partes A e C.
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