✧ Anita ✧

Anita Arautra Mazuki gritou de seu quarto:

— Papai, venha aqui.

— O que foi, filha?

— Quem esteve aqui hoje?

Ele já se encontrava na soleira da porta quando ela perguntou. Estremeceu e ficou lívido:

— O Dr. Ernesto...

— Alender? Mas por que motivo? O senhor tem consulta marcada para amanhã.

Timóteo pensou rápido:

— É que ele se encontrava nas redondezas e veio me fazer uma visita. Mas como você ficou sabendo?

Anita esticou a colcha sobre a cama:

— Ora, a vizinha viu ele chegar.

— Ah, Dª Alcoviteira!

— Papai, não fale assim. Dª Maria é uma mulher maravilhosa. Se ela comentou, é porque achou estranho que um médico tivesse entrando aqui em casa. Sabia que eu tinha ido levar Teodoro ao dentista. Ficou preocupada com o senhor.

— Sei! Ficou preocupada...

Arautra olhou para a filha. Era muito dedicada a ele. Tratava-o como filho. Estava cansada, sim, não restava dúvida. Seu metro e meio de altura faziam-na parecer tão frágil e pequena quanto a mãe. Mas apesar das rugas e das mãos já trêmulas, mantinha a fibra que sempre a caracterizara como líder entre os irmãos. Sua palavra sempre pesava nas decisões e tudo tinha que ser à sua maneira e nesse ponto era inflexível, o que, de certa forma, era ruim, pois as pessoas nunca tinham vez com ela. Mesmo assim, era muito prestativa e boa de coração. Kardecista há muitos anos, baseava-se essencialmente no aspecto religioso para formular seus argumentos. E como espírita kardecista cristã, trabalhava para uma comunidade que ela mesma dirigia. Era o centro "Alvorada da Paz", que mantinha várias atividades destinadas a auxiliar o próximo.

— Por que me olha assim, papai?

— Estava reparando como você se parece com sua mãe. Bem mais que seus irmãos.

— Nunca serei tão boa quanto mamãe... bem, vamos jantar. Teodoro já deve estar morrendo de fome.

...¹

— Papai, quer um pouco de pão?

Arautra aceitou. Estava sem fome, mas precisava comer para manter o raciocínio. Afinal, queria observar bem os filhos. Gostaria de saber se Alender levara a sério suas suspeitas. Dissera-lhe ser bobagem, mas Arautra desconfiava que não era verdade, que ele acreditara e ficara muito preocupado, isso sim.

E quanto a Anita? Uma filha tão atenciosa; sempre empenhada em conseguir roupas e mantimentos para levar aos pobres; sempre visitando as favelas, a fim de trazer algum conforto aos mais necessitados. Seria ela capaz de matá-lo?

Timóteo olhou para o prato: haveria algo em sua comida? Não, daria muito na vista. Mas mesmo assim, ela seria capaz disso?

Enquanto Arautra mergulhava em profundos pensamentos sobre assassinatos, Anita perdia-se noutras divagações completamente diversas.

Há tempo que não se preocupava em se olhar ao espelho detidamente, cuidar de sua beleza e de seu corpo. A vida de devoção a Deus e os cuidados excessivos que o pai e o irmão exigiam, tomavam-lhe todo o tempo e a saúde.

Desde a morte da mãe, sua vida mudara muito. Timóteo e Teo tinham vindo morar com ela. As preocupações e responsabilidades dobraram. Afinal, ela se colocara à disposição da família para cuidar dos dois, alegando que seria mais fácil, por não ter filhos e netos.

Não queria admitir, mas se arrependera um pouco, em assumir toda aquela responsabilidade sozinha. E também havia os boatos, maldosos, que corriam impiedosamente na boca dos familiares, que julgavam sua capacidade em lidar com os dois.²

"Só Deus sabe quanto vem sendo difícil".
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Nota geral: Os capítulos que se seguem (Abílio, Ailton, Teresa, Taís e Tiago), faziam parte deste mesmo capítulo (agora intitulado "Anita"). O capítulo era o "Segundo" e estava antes dividido em 6 partes (A, B, C, D, E e F).

¹ O texto original deste parágrafo foi destacado deste capítulo, para a criação do capítulo "Teodoro".

² Texto original:
     "Não queria admitir, mas se arrependera. Além de lidar com um ancião cheio de manias e um doente mental, havia os boatos que corriam impiedosamente na boca dos familiares, que julgavam sua capacidade em lidar com os dois."

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