⚔️ Capítulo 1 ⚔️


Aquela noite fria era só mais uma entre tantas noites vazias na vida de Margoth, a lua cheia e as estrelas levemente ocultadas pelas nuvens escuras eram figuras conhecidas desde sua juventude. A única mudança naquela vista do céu era a praça da pequena cidade que podia ser observada através das barras de ferro que limitavam a janela da cela.

A prisão suja, com apenas duas camas e um balde, não seria sua estadia por muito tempo, sua existência chegaria ao fim pela manhã, na mesma praça que podia admirar durante sua última noite. O palanque lá fora já tinha uma corda para seu enforcamento, só podia pedir aos céus que sua morte fosse rápida, contudo, a multidão que tomaria a praça pela manhã, atrás de sangue e espetáculo, poderia não concordar com uma morte rápida.

Isso estragaria o momento.

Sua alma estranhamente estava em paz, aceitava o fim com paciência peculiar, encarava tudo aquilo como mais uma etapa de uma vida sem sentido, afinal, a morte sempre a acompanhou. Quando os pais morreram ela estava lá, quando o marido morreu também, era como se Margoth tivesse um dom de atraí-la .

Por mais que o medo não à consumisse algo não estava certo com sua sanidade, há três horas uma mulher de olhos castanhos e um estranho vestido escuro— com os ombros a mostra, que era algo que nem mesmo as camponesas estavam acostumadas a ver em outra mulher —, estava parada bem ali na outra cama da pequena cela, sentada com um sorriso amigável a encará-la.

O absurdo da outra mulher bem na sua frente, tinha como base que em momento algum desde que fora lançada naquele lugar algum guarda tenha se disposto a abrir a porta da prisão para o infortúnio de uma nova prisioneira. Aquela outra moça nunca entrou, então como poderia estar bem ali?

Margoth percebeu a movimentação de um guarda e o chamou prontamente:

— Carcereiro! Carcereiro!

O homem que vigiava a pequena instalação naquela noite era um sujeito de longa barba, já marcada por certa tonalidade grisalha, tinha um velho e abatido uniforme que indicava certa falta de higiene e o andar cambaleante de um bêbado. O homem chegou perto da cela e acenou com a cabeça.

— O que foi, mulher? Você já bebeu água.

— Não é isso. Quero saber se você pode colocar aquela mulher em outra cela.

O guarda franziu a enrugada testa e sua grossa sobrancelha.

— Não existe outra cela nessa prisão e você é a única presa aqui. Agora vai dormir, amanhã será seu grande dia. — Disse com o tom sarcástico e um hálito carregado de álcool.

Aquela era a confirmação de que sua mente estava em choque, afinal, o homem olhou bem na direção da cama em que aquela mulher a encarava e absolutamente não avistou ninguém. Lá estava ela com seu estranho vestido cinzento e aquele sorriso, seria uma brincadeira de Deus? Um castigo divino?

Resolveu observar a mulher durante sua última noite, os cabelos lisos, a forma despreocupada com que ela estava sentada, e o vestido quase branco, que estranhamente mudava de cor com o avançar da madrugada. A veste que começara branca, quando ela notou sua presença, agora se tornara cinza quase preto.

A sensação de que aquela mulher era estranhamente familiar ressoava em sua cabeça, quando foi que ela viu tal pessoa? Era cada vez mais claro em sua mente, era tão óbvio. A mulher sentada bem a sua frente nunca foi vista por Margoth, mas sua presença sim, algumas vezes.

Margoth encarou sua companheira de cela bem nos olhos e disse:

— Eu sei quem é você.

A mulher abriu ainda mais seu sorriso, e para sua surpresa respondeu prontamente:

— Cheguei a pensar que seria ignorada a noite toda, Margoth.

A voz era menos assustadora do que se podia imaginar, era quase afável.

— Você é a morte, não?— Perguntou Margoth.

— Sim, sou a morte. Você não está com medo?

Então a mulher, que lidou com a presença da morte tantas vezes, balançou a cabeça negativamente.

— Você veio me levar? Quando me enforcarem amanhã você estará perto de mim.

— Talvez sim, mas não gostaria de falar sobre o futuro. Estou aqui para falar do passado, você levou uma vida peculiar, gostaria de saber mais sobre você e o sobre seus dois filhos.

No momento em que a mulher citou Juliete e Pietro, às duas falecidas crianças, o coração de Margoth estremeceu com agonia, sentiu pela primeira vez o vento cortante e frio que a indesejada das gentes carregava por onde passava.

— É por causa delas que você está aqui. Não precisa esconder eu sei que você as envenenou.— Disse a Morte.

— Se você sabe, então o que gostaria mais de saber?

— Quero ouvir o que te levou a cometer tal ato. Sabe, eu também estou nessa vila para levar duas almas comigo e até lá, proponho que você me entretenha. Você aceita isso?

Como negar um pedido feito por aquela que toma nossas vidas? Como dizer não ao último sopro que separa o mundo dos homens do sobrenatural?

— Acredito que não possa dizer não a você, correto?

— Você gostaria de perder a chance de uma última conversa?— Respondeu a morte com um sorriso em sua face.

Margoth sorriu timidamente, realmente esperar sozinha por seu inexorável fim, não parecia ser sensato. A misteriosa mulher levantou e caminhou em sua direção, para surpresa dela a morte sentou-se bem ao seu lado.

— Não se preocupe, sei retribuir um favor. Trouxe um pequeno presente que espero ser do seu agrado.

A Morte retirou de seu vestido um caco de vidro, que outrora fora uma garrafa de vinho, o cheiro doce da uva e do álcool ainda dançavam pelo objeto. Entregou na mão aberta de Margoth e com um suave toque fez um gesto para que ela guardasse.

— Sei porque você me deu isso.— Respondeu Margoth.— Você quer que eu mesma faça, não?

— Eu jamais pediria tal coisa. Isso é apenas um presente, use da forma que achar melhor.— Disse a morte com mais um de seus sorrisos marcantes.— E então, à noite já avança, vamos começar?

Do lado de fora o vento soprava com rigor, fazendo com que a madeira das janelas cantasse e a corda habilmente preparada para o enforcamento dançasse em um ritmo contínuo.

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