PART II

Depois de um longo período de viagem, para não dizer boas horas sentadas num banco pouco confortável, o trem parou na estação em que elas desembarcaram quase no fim da tarde. O clima era quase tão frio quanto o de Toronto, e Lorena agradeceu que as calças que Marjorie havia feito para ambas eram de um tecido bem quente.

— Meninas, aqui! — uma mulher loira chamou acenando animada para as mesmas.

— Tia Muriel! — Lorena correu para abraçá-la — Quanto tempo!

— Eu que diga, está tão grande! Uma moça tão linda que nem parece aquela menina que vivia lendo. — comentou a mulher olhando-a — E você deve ser Marjorie.

— Sim, prazer em conhecê-la e agradeço por me acolher em sua casa.

— O prazer é meu e será muito bem vinda na minha casa. — a mulher sorriu animada — Esse é o Bash, um amigo. Ele veio me ajudar a buscar vocês, acho que minha motocicleta iria ser pequena para nós três.

— Olá, prazer em conhecê-las  senhoritas.  A senhorita Stacy falou muito de vocês. — o rapaz cumprimentou com um sorriso animado.

— Olá. — as duas responderam animadas.

— Você tem uma motocicleta? Sério? — perguntou Marjorie com os olhos brilhantes vendo a mulher assentir — Lorena, por que não me disse isso antes!?

— Vamos? Espero que vocês duas não se incomodem de dividir o quarto, o espaço é pequeno em casa.

— Sem problemas, eu já dividi a bagunça algumas vezes na casa da Marjorie mesmo. — Lorena comentou e recebeu um beliscão da amiga — Ei!

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A casa da senhorita Stacy era pequena como ela havia descrito, porém não deixava de ser aconchegante. Bash deixou elas arrumarem as coisas e antes de sair, convidou as meninas para passarem a ceia de natal com sua família, como a senhorita Stacy já iria, elas não tiveram porque negar.

— Avonlea aparenta ser adorável mesmo com essa montanha de neve por todos os lados. — comentou Marjorie enquanto abria suas malas no pequeno quarto que dividiriam a cama — Nunca veio aqui?

— Não, é minha primeira vez também. O que acha de explorarmos por aí amanhã? — Lorena perguntou colocando sua camisola.

— Acho bom, mas não teremos que acordar? Não sei se sua tia deixará dormirmos até um pouco mais tarde.

— Ah não, acho que ela deixa sim. Tia Muriel não é tão má assim, certamente entenderá se acordamos um pouco além do horário.

— Ótimo. Será que podemos ir a Charlottetown amanhã? Quero comprar alguns tecidos para reformar seu vestido.

— Marjorie, não comece. Isso não é necessário. — Lorena comentou olhando para a amiga, a Hillow tinha a mania de costurar e renovar roupas, algumas vezes deixando-as mais ousadas para "impactar a sociedade patriarcal", como ela costuma dizer.

— Ora como não? Você já tem roupa para o Natal na casa do Bash?

— Acho que algumas roupas minhas devem dar, não tem necessidade de se arrumar tanto.

— Lorena, nossa estadia nessa cidade será passageira mas, ao menos, deve ser marcante.

— Está bem, faça o que quiser. — Lorena cedeu por fim.

— Já ia de qualquer forma.

A Delyon revirou os olhos sabendo que não adiantava discutir com a Hillow, ambas eram cabeças duras quando se tratava de defender suas opiniões, por isso eram tão amigas.

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O dia havia amanhecido calmo e frio, mas nada entristeceu as garotas. Como iriam até Charlottetown, Lorena achou que de início seria melhor colocar um vestido rosa, que removia a saia em caso de necessidade, com uma capa por cima, e por conta do frio, colocou uma calça de lã tão grossa  junto com suas botas marrom.

— Olha só, está bonita querida. — a senhorita Stacy elogiou assim que a garota passou pela cozinha — Vão até a cidade?

— Sim, acho melhor acompanhar Marjorie porque quando ela começa a se empolgar com compras, vai longe.

— Isso é um ultraje! — Marjorie apareceu na cozinha com suas típicas calças e um casaco grosso — Não gasto tanto assim.

— Imagine. — Lorena disse em tom sarcástico recebendo uma careta em resposta.

— Parece que Avonlea já mudou você, usando vestidos? 

— Diferenciar um pouco. — deu de ombros — Mas estou com uma calça de lã por baixo, qualquer coisa é só tirar a saia.

As três comeram enquanto conversavam sobre livros e o desejo de que calças se tornem tão populares entre as mulheres quanto saia, a senhorita Stacy comentou que os moradores da região ficaram surpresos quando a mesma chegou com sua motocicleta e sem corpete.

— Queria depois ver esse seu veículo, parece ser sensacional. — Marjorie comentou animada enquanto saia da casa e Muriel ficava na porta.

— Depois vemos isso. Tomem cuidado, e voltem antes do anoitecer porque as estradas podem ser perigosas. — aconselhou Muriel acenando na porta vendo as duas se distanciarem.

— Até mais tarde. — acenaram de volta.

Durante o caminho, elas foram conversando de vez ou outra sobre a paisagem branca que preenchia todo o horizonte.

— Com licença, senhoritas. — um rapaz com um sorriso nos lábios apareceu — Posso fazer companhia até chegarmos na cidade? Vi que saíram da casa da senhorita Stacy.

— Mas nós nem nos conhecemos. — comentou Lorena receosa.

— Sou Cole Mackenzie, muito prazer, senhoritas.

— Sou Marjorie e essa é Lorena, sobrinha da senhorita Stacy. — comentou a Hillow — Estamos de passagem.

— Vieram passar o feriado em Avonlea, são de onde?

— Fazemos faculdade em Toronto — comentou Lorena. — Mas nascemos na França.

— Bom, creio que posso ser o guia de vocês até Charlottetown. Já possuem planos para o ano novo?

— Ainda não. — comentou Lorena.

— Deviam vir à festa que a senhora Josephine Barry vai dar, será esplêndida. Pode trazer a sua tia. — convidou o rapaz.

— Espere, Josephine Barry? Conheço ela. — Marjorie comentou surpresa — Não sabia que estava morando aqui, minha família já a conhece há um tempo.

— Melhor ainda. — Cole sorriu animado.

Foram algumas horas de caminhada e conversas até chegarem na cidade.

— O que querem fazer primeiro senhoritas? Joias? Roupas? — perguntou Cole vendo-as olhar vitrines.

— Vamos na loja de tecidos primeiro, tudo bem?

— Sim, depois vamos à loja de penhores ver se tem algo de interessante. — comentou Lorena.

— Certo. — o rapaz sorriu acompanhando as duas, ambas com os braços entrelaçados em cada braço dele.

Assim que pisaram na loja, perceberam que a maioria das roupas continham babados, rendas e coisas tão bufantes que Marjorie reprimiu uma careta.

— Não tem nada aqui fora isso? É tão espalhafatoso.

— Não é tão ruim assim, são apenas vestidos. — comentou Cole.

— E nem um pouco estilosos, será que preciso salvar a moda aqui também?

— Ainda me questiono como você ainda faz medicina. — Lorena brincou vendo as caretas que a amiga fazia ao ver um vestido que tinha, no mínimo, nove babados em cada manga.

— É só uma questão de tempo, assim que terminar farei minha própria marca de roupas.

As duas compraram o necessário saindo com os braços carregados de tecidos e algumas caixas, Marjorie tinha se empolgado além da conta quando a dona da loja mostrou uma coleção de tecidos que ainda não estavam sendo vendidos, fora os tecidos que comprou para fazer coletes para Cole. O rapaz havia deixado as duas falando que iria até o correio, mas que voltava em breve.

— Senhoritas, permitam que nós ajudemos. — uma voz surgiu próximo as duas que não puderam ver por causa da quantidade de pacotes.

— Eric? — Lorena perguntou olhando para o rapaz quando viu quem tinha pego suas coisas e viu quem estava do lado — Gilbert?

— O que fazem aqui? — perguntou Marjorie.

— Nós que perguntamos, a sua tia mora aqui em Charlottetown? Por que não me contou que vinha para cá quando embarcaram? — Gilbert perguntou a Lorena que abriu a boca sem saber o que responder.

— Ora Blythe. — interviu Marjorie — Não disse muita coisa também, e sim, ela mora perto daqui. Se nos dá licença, ainda temos muitas coisas para fazer ainda.

— Posso ajudar a guardarem isso pelo menos? — Eric perguntou fazendo menção às caixas que segurava — Onde está a carruagem de vocês?

— Não estamos de carruagem. — argumentou Lorena.

— E como vão levar tudo isso?

— Não pensei nisso, mas levo nas costas se necessário. — disse Marjorie — Sou forte de qualquer maneira.

— Menos Hillow. — Eric falou revirando os olhos.

— Então vamos levá-las até em casa. — falou Gilbert — Não deixarei vocês andarem sozinhas com todos esses pacotes.

— Ah que gentileza galã. — Marjorie comentou irônica — Saiba que só irei aceitar porque comprei além da conta.

— Vamos então? — perguntou Eric.

— Espere, tem mais alguém. — Lorena disse olhando para a direção que Cole havia ido.

— Quem? — perguntou Gilbert.

— Um amigo nosso muito bondoso e bonito. — Marjorie sorriu provocando — Por que não vai atrás dele Lorena? Eric pode me ajudar com isso.

— Hã, eu ia no antiquário. Podem ir na frente, vou depois. — Lorena falou se afastando do grupo.

— Vou com você até lá. — Gilbert sorriu para ela e começou a andar ao seu lado.

— Não precisa, Blythe.

— Você não conhece a região, aqui não é como Toronto, então vai precisar da minha ajuda.

— Tudo bem, se é assim. — deu de ombros.

Os dois andaram até o estabelecimento, Lorena acabou comprando uma caixinha de músicas que havia achado fofa com dois bonequinhos dançando enquanto tocava a música. 

— Tão romântico. — murmurou olhando o objeto.

— Por que está de vestido? — Gilbert perguntou assim que saíram da loja e a viu colocar a capa em seus cabelos porque a neve começará a cair novamente e não queria que molhasse.

— Ah, achei que seria legal mudar um pouco o visual, ficar diferente. Estou muito ruim?

— Não, é só que bom… — ele pigarrou e ergueu uma sobrancelha olhando-a com um sorriso de lado — Dá para contar nos dedos quantas vezes te vi de vestido desde que nos conhecemos, ficou legal.

— Eu devo encarar isso como um elogio?

— Deve, por que não?

— Então obrigado, já poderei me gabar para as meninas na faculdade que Gilbert Blythe me elogiou. — dramatizou se abanando com uma mão.

— Não sei porque você e a Marjorie insistem em chamar a gente de galã.

— Bom, depois que nos tornamos amigos, já ouvi muitas coisas ao seu respeito naqueles dormitórios.

— Boas ou ruins? — o rapaz a questionou curioso.

— Deixarei isso para sua imaginação, talvez devesse abrir as cartas que tanto recebe.

O Blythe riu vendo ela revirar os olhos, os dois atravessaram a rua ao ver que Marjorie e Eric conversavam com uma senhora.

— Lorena! Gilbert! Era exatamente de vocês que estávamos falando. — a Hillow disse animada ao lado de Cole — Essa é a senhora Josephine, uma amiga antiga da família, ela nos convidou para a festa de ano novo na sua casa.

— Serão todos bem vindos, amigos de Marjorie são meus amigos também. — sorriu a senhora.

— E eu não posso deixar meu amigo Bash. — disse Gilbert — Ah propósito, olá Mackenzie.

— Olá Blythe. — cumprimentou o rapaz.

— Tragam todos, serão bem-vindos também. Quanto mais pessoas, melhor será a festa. — disse a senhora.

— Já garanti nossa presença na festa. — comentou Marjorie.

— Acho que posso ir também. — disse Gilbert.

— Esplêndido. Vejo vocês na festa de ano novo — Josephine se despediu e saiu junto ao seu mordomo.

— Vamos? Já está ficando tarde e a viagem é um pouco longa. — falou Marjorie.

— Te deixamos lá meninas. — falou Eric.

— Então, até a festa de ano novo senhorita Delyon. Vou aguardar ansiosamente vê-la novamente. — Cole pegou a mão de Lorena depositando um selar na mesma e dando um sorriso.

— Até. — disse a garota sorrindo.

Os quatro foram para a carroça com Gilbert na condução. Pegaram a estrada e logo depois de algumas orientações, chegaram na casa da senhorita Stacy.

— Espere, sua tia é a senhorita Stacy? — perguntou Gilbert vendo a Delyon assentir — Ela foi minha professora.

— Que mundo pequeno. — argumentou sorrindo e descarregando as compras — Agora sabe onde estávamos, até qualquer dia Blythe.

— Vão fingir que não nos conhecem? — Eric perguntou ao ver que Marjorie entrou na casa sem se despedir — O que deu nela?

— Não sei, mas obrigado de qualquer forma rapazes. Voltem em segurança. — Lorena disse entrando na casa e fechando a porta.

— Olá meninas, como foram as compras?

— Bem, conhecemos Cole Mackenzie na estrada. — Marjorie disse enquanto abria as caixas — Encontramos Gilbert e Eric na cidade, foram eles que nos ajudaram a chegar até aqui. E fomos convidadas para uma festa de ano novo, venha conosco senhorita Stacy.

— Acho melhor não meninas, estou bem aqui.

— Na verdade não temos muitas opções, Josephine praticamente nos deu uma intimação, acho melhor não contrariá-la e as festas dela são de tirar o fôlego. — brincou Marjorie — Farei um vestido para a senhorita também.

— Sendo assim, acho que não possuo muitas alternativas. — a professora se deu por vencida.

— Lorena, sua tia sabe sobre a oportunidade de Paris? — Marjorie perguntou a amiga.

— Oportunidade? — a loira perguntou curiosa.

— Fui chamada para ser assistente de um dos maiores médicos que existem na Europa, e se eu aceitar, terminarei meus estudos na Sorbonne.

— Que notícia maravilhosa! E você irá?

— Não sei. — respondeu cabisbaixa mexendo no cordão da capa para retirá-la.

— Como não? É uma oportunidade de ouro.

— Foi o que eu disse a ela. — argumentou a Hillow erguendo as sobrancelhas — Mas quem diz que ela me ouve.

— Mas por que está tão relutante meu bem? — questionou a mulher vendo que a feição da garota era tomada pelas dúvidas e incertezas.

— Lorena está apaixonada e não quer ir porque irá deixar ele para trás.

— Quem? — a senhorita Stacy perguntou curiosa.

— Gilbert Blythe.

— Marjorie! — Lorena protestou corando em vários tons de vermelho — Não é por causa dele.

— Não? Tem certeza? Você estava toda animada, mas quando viu a expressão de tristeza dele  ao saber que voltará à França, acabou dando para trás na hora.

— Porque eu sei que ele quer Sorbonne. E ele ficou triste porque perderá contato uma amiga, praticamente me vê como uma irmã.

— Lorena, sabe quantas mulheres se matariam para estudar medicina nesta faculdade? E você está jogando tudo fora por causa dele, ainda bem que você não deu a resposta pro professor ainda.

— Olha, de fato isso é uma oportunidade muito grande, pense com cuidado Lorena. — aconselhou a senhorita Stacy — Sorbonne é um sonho, não deixe passar em branco. Você poderá conhecer outros rapazes, até onde sei ele está comprometido com a Anne.

— Sim, sei disso. — suspirou — Mas os dois terminaram.

— Independentemente de com quem ele está ou não comprometido, pense com carinho. É seu futuro. — aconselhou Marjorie novamente como sempre tem feito desde que a amiga lhe contou sobre a proposta.

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Notas da autora: Hey pessoal, como estão?

Se vocês fossem a Lorena, iriam para Paris ou não? Particularmente essa escritora aqui iria, mas vamos acompanhar para ver se nossa prota nos surpreende.

Me digam o que estão achando, quero saber de tudo!

Até o próximo!

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