VIII.
Era um pouco cedo demais para Tim já estar lá ao lado do labirinto.
Normalmente, em um dia de semana, ele ia para lá depois da hora de todos fazerem a lição de casa, era quando todos os orfãos se distraíam ouvindo o rádio ou brincando dentro de casa, seja os meninos com as bolinhas de gude, ou as meninas com suas bonecas.
Mas para Tim, essa era a hora que ninguém se lembrava que ele existia, e por isso, era o horário perfeito se ele quisesse se encontrar com Eliza.
A cada dia que passava ele conseguia terminar a lição mais cedo que no dia anterior, era quase como um desafio pessoal que ele estava tentando cumprir, só para ver se conseguia bater um novo recorde. Naquele dia, ele havia conseguido terminar tudo em meia hora, e então pôde sair de fininho enquanto todos ainda estavam ocupados com a lição.
O sol ainda se encontrava relativamente alto no céu quando ele a encontrou deitada na grama. Um de seus braços estava servindo como proteção para os olhos enquanto ela olhava para cima, sua outra mão subia e descia lentamente em sua barriga. Seus pés estavam mergulhados na grama, os fios de cabelo dourado se misturando com o verde do chão.
Sem dizer nada, Tim se aproximou e deitou-se ao seu lado, e então pôs-se a observar as nuvens, tão brancas quanto algodão, que se mexiam lentamente até se esconderem atrás das copas das árvores ao lado.
“No que está pensando?” ele perguntou sem virar o rosto. Eliza ficou uns segundos sem dizer nada, até que comentou:
“Aquela nuvem ali não te lembra um cavalo?” ela apontou para cima. Tim tentou ver para onde o seu dedo mirava.
“Qual delas?”
“Aquela ali.” Ela esticou mais o braço. “Na verdade, parece a cabeça de um cavalo. Ali fica o fucinho dele e mais para cima a orelha, e ali fica o pescoço.”
“Eu não consigo enxergar nada,” respondeu ele. Eliza suspirou.
“Isso é porque você não está verdadeiramente procurando!” disse ela. “É só você observar melhor que logo as imagens vêm à sua mente.”
“Tudo bem, vou tentar...”
Tim observou as nuvens ao redor, pensando no que poderia enxergar. Nenhuma delas lhe trazia algo em mente, somente uma menor no canto que tinha um formato meio esquisito, era quase geométrico, parecia uma panela.
“Tem aquela ali, parece uma panela, não parece?”
“Sim, mas essa é a mais óbvia” disse ela. “Veja aquela, parece uma tartaruga bem pequenininha, e ainda tem um peixe bem ao lado, e essa que está aqui bem em cima da gente parece um cachorro de asas!”
“Cachorro de asas?” Tim queria rir, mas depois de ela ter dito aquilo, ele quase que conseguia ver a mesma coisa. O cachorro estava de lado e sentado, os pedaços de nuvem que saíam do que seria as suas costas deviam ser as asas que Eliza havia mencionado. “É, acho que parece mesmo.”
“Parece um cachorro que eu tinha quando eu era menor," revelou ela. “Ele já não era tão jovem quando eu nasci, não me lembro tanto dele, lembro que eu queria brincar com ele, mas meus pais não deixavam porque eu tinha alergia.”
“Sempre quis ter um cachorro.”
“E por que não teve?”
“Meu tio não gostava de sujeira em casa, e não tinha como deixar um animal num jardim pequeno,” disse ele. Eliza virou-se para ele novamente.
“Por isso que eu nunca iria querer morar em Londres.”
Tim agora olhava para outras formas de nuvens, tentando imaginar com o que elas se pareciam. Parecia uma coisa meio boba ficar procurando formas nas nuvens, mas até que era divertido, era como uns dos jogos de achar os personagens que tinha no jornal que seu tio comprava, ele sempre o deixava fazer os jogos que tinha no final quando acabava de ler.
Havia uma nuvem que lembrava um casco de navio, já uma outra que passava ao lado parecia uma batata, mas Eliza insistia que era o pezinho de um bebê. A terceira nuvem não tinha um formato muito definido, parecia somente um monte de bolas que foram amassadas juntas, no que Eliza comentou ser uma massa de pão bem fofinha, e depois de muito pensarem, eles acabaram deixando essa como a definição.
Quando a imaginação para nomear nuvens havia acabado, os dois ficaram em silêncio por um tempo. As nuvens foram embora pelo horizonte e sem que Tim percebesse, logo não havia mais nenhuma nuvem em seu campo de visão.
“Eu costumava procurar formas nas nuvens com o meu pai,” comentou Eliza com sua voz fraca. “A gente ficava horas na grama comentando tudo que a gente via, era engraçado.” Ela deu um sorriso. “Eu quase não me lembro do tempo que passava com ele, essas poucas horas são as únicas de que me lembro.” O sorriso sumiu de seu rosto ao falar a última frase. “Ele morreu já faz um tempo.”
Essa era a primeira vez que Eliza falava algo mais profundo sobre seus pais, o que havia pegado Tim um pouco desprevenido. Não sabia o que dizer em resposta, a não ser falar que sabia como ela se sentia, mas isso significava que ele teria que falar sobre seus pais também.
“Eu sei como é, também queria ter mais memórias dos meus pais.” Tim respirou fundo, pensando se realmente deveria continuar falando sobre aquilo.
Mas, por algum motivo, ele queria contar a ela, queria que ela soubesse, e sentia que ela seria a última pessoa que iria julgá-lo.
“Eles morreram quando eu tinha oito anos, foi em um incêndio,” ele continuou. “Ninguém sabe muito bem como começou. Só eu sobrevivi.”
Eliza, que falava somente olhando para cima até agora, virou-se para ele. Ela o encarava surpresa, como se tudo de repente se encaixasse, mas ao mesmo tempo, havia uma preocupação em seu olhar.
“Foi daí que ela veio... a cicatriz,” ele complementou.
“Sinto muito, Tim.”
“E-eu nunca havia dito isso em voz alta para ninguém até agora.” Ele voltou a olhar para cima, não estava conseguindo olhar em seu rosto por muito tempo. “Você é a primeira.”
Tim respirou fundo. Ele queria ter coragem de olhar para ela, mas não conseguia. Era melhor fingir que estava falando sozinho enquanto deitava na grama e admirava o dia, a voz de Eliza sendo somente sua consciência conversando com ele.
“Então, você ficou morando com seu tio, não é?”
“Sim, ele era o único membro da família que eu conhecia,” respondeu ele. “Eu tinha uma avó também, bem antes disso, mas ela morreu quando eu tinha uns 5 anos. Foi a Gripe Espanhola, sabe? Mas eu quase não me lembro dela.”
“Ela deve ter sido uma boa pessoa.”
“Ela era, lembro que sempre levava biscoitos quando me visitava.” Ele sorriu com essa lembrança. A lembrança que tinha com a avó era somente de um momento de uma de suas visitas no feriado, ele estava abrindo sua certa de biscoitos feliz da vida. Eles eram sempre quentes, assim como seus abraços.
Tim virou o rosto enquanto Eliza o olhava, queria saber qual era a sua reação agora, e antes dele virar a cabeça rapidamente para cima de novo, percebeu que ela sorria enquanto o olhava.
“O que você acha que tem além disso?” Ela disse por fim.
“Além do quê?”
“Do céu. Já pensou sobre o que teria mais para cima?”
Era uma mudança estranha de assunto, mas Tim decidiu acompanhar seu pensamento mesmo assim.
“Pelo que eu sei, são só estrelas e planetas,” respondeu ele. “Sabia que o azul do céu são só os raios do sol que batem na atmosfera? Se não fosse isso, o céu seria sempre preto. Vi isso em alguma enciclopédia uma vez.”
“Hum.” Eliza continuou olhando para cima. Ele ficou se perguntando se ela entendeu o que ele havia dito ou se tinha dito algo idiota. Mas antes que tirasse alguma conclusão, Eliza disse:
“Você é muito inteligente, Tim.” Sua voz soou quase como um sussurro. “Queria ser assim também...”
“Mas você já é.” Tim se levantou. As palavras saíram de sua boca antes que pudesse perceber. “E-eu não sou tão inteligente assim, só tenho boa memória, eu acho. Mas você... às vezes você diz coisas que eu nunca havia parado para pensar antes, isso é ser inteligente também.”
“Se você diz...” ela sorriu. “Mas não era sobre esse tipo de céu que eu estava falando, era sobre o outro céu, aquele em que se vai quando se morre.”
“E o que tem ele?”
“Eu às vezes gosto de imaginar o que poderia ter lá em cima,” comentou, se sentando na grama. “Imagino que tenha um portão invisível para a gente e qualquer outro balão ver, mas um portão gigante, e atrás dele, morem anjos que tocam harpa todas as manhãs.” Disse ela, gesticulando com seus braços para cima. “E para cada pessoa que chega lá lhe é dado uma casa feita de algodão, bem macia onde nem se precisa de cama para dormir.” Ela se virou para ele novamente. “E você, o que imagina?”
“Não tenho certeza...”
Na verdade, ele já havia pensado várias vezes sobre isso antes. Quando mais novo, ele sempre se ajoelhava ao pé da cama todas as noites para conversar com seus pais, rezando para que eles estivessem em algum lugar em que pudessem ouví-lo.
Imaginou que eles pudessem estar acima das nuvens, conversando com anjos e fazendo banquetes em mesas feitas de algodão. Ou então poderiam estar em algum outro lugar em que o incêndio não tivesse acontecido e que eles ainda fossem uma família. Ou talvez, eles poderiam estar ali naquele momento, mas não conseguia vê-los.
Mas e se não estivessem? E se não houvesse mais nada além da vida e eles só fossem cinzas e restos de ossos que depois seriam decompostos com o tempo? Se fosse assim, então de quê adiantaria?
No fim, com o tempo ele parou de fazer isso. Talvez não houvesse nenhum céu de qualquer forma, mas mesmo assim, gostava de pensar que sua família pudesse pelo menos estar em algum lugar onde não houvesse sofrimento.
Um lugar onde o céu também seja tão azul quanto este.
Eliza voltou a se deitar junto dele. Seu corpo se espriguiçava na grama enquanto a brisa fraca penteava seus cabelos. Ela deu um grande bocejo, os olhos piscando até se fecharem completamente.
Eles ficaram assim por um tempo, sem dizer nada um para o outro. O silêncio não era bem um silêncio, ele conseguia ouvir o cantar dos pássaros ao longe, e se fechasse os olhos, conseguia imaginá-los voando ao redor de si. O sopro da brisa também tinha o seu som, ela raspava entre as folhas das árvores fazendo um barulho quase como o de uma chuva.
E enquanto estava lá, os olhos semiabertos, a brisa fraca raspando em sua pele, ele perdia a noção do tempo.
A terra parecia que parava de girar, cada respiro durava uma hora, cada milionésimo de segundo virava um século.
E a parte estranha de tudo.
Era que ele gostava disso.
Ele pararia a terra naquele exato momento se pudesse.
A presença de Eliza ao seu lado também era difícil de ignorar, conseguia ouvir cada respiro, o movimento de sua barriga indo para cima e para baixo era visível se ele olhasse pelo canto do olho.
Era estranho como, mesmo a conhecendo por poucas semanas, ele sentia que a conhecia por muito mais tempo; ou pelo menos, era assim que ela o tratava. Ela nem parava para pensar antes de falar com ele, tudo parecia vir espontaneamente, algo que Tim nunca aprendeu a fazer.
Ela tinha um jeito otimista, um espírito livre, não parecia ter nenhuma preocupação em sua mente. Ele nem imaginava que uma pessoa assim pudesse realmente existir.
Ao erguer um pouco a cabeça para olhá-la, viu que ela estava dormindo, o ar entrando por entre seus lábios ligeiramente separados. Seu braço direito estava caído ao lado dele, enquanto o outro repousava em seu peito.
De repente, Tim se deu conta de uma coisa: ele nunca havia tocado nela antes.
Sem olhar para ela, Tim esticou o braço lentamente, tentando tocar em sua mão. Ele precisava de uma confirmação de que ela era alguém real, mesmo este sendo um pensamento idiota de sua mente.
Só precisava tocar uma vez, e então saberia.
Ele olhava para cima enquanto sua mão deslizava pela grama, procurando a dela. Não devia estar muito longe, mas pela velocidade do movimento, parecia que nunca ia chegar. Tim olhou um pouco para baixo, tentando visualizar enquanto seu dedo mindinho se alongava para tocar a mão de Eliza.
Mas o toque não durou nem um segundo, pois Eliza tirou a mão logo em seguida.
“Você está ouvindo isso?” Ela se sentou na grama, olhando de um lado para o outro.
“N-não, não ouço nada.”
“Parece um som de passos, alguém está aqui por perto.”
Por um momento, ele não sabia se ela estava falando sério, nem sabia se ela realmente havia sentido o toque ou não. Talvez ela só estivesse confusa, confundindo os dois sentidos como ela às vezes fazia, mas Tim não sabia dizer se isso era uma possibilidade.
“Tem certeza?”
“Tenho que ir, Tim, até uma outra hora.” Eliza se levantou, indo direto para o meio do bosque.
“Não, espera...” ele tentou gritar. “Eliza!”
Após Eliza ir embora, Tim começou a ouvir o mesmo som que ela descrevia. Folhas se rachavam e galhos se quebravam enquanto passos vinham em sua direção, até que o rosto de Stephen ficou visível em meio às árvores.
“Stephen? O que você faz aqui?” Ele perguntou, torcendo para que estivesse escondendo o nervosismo. Se ele tivesse chegado segundos antes, teria o visto com Eliza.
“Posso fazer a mesma pergunta. Eu ouvi você gritando, parecia que estava chamando alguém.”
Tim congelou. Ele tinha o ouvido chamar pelo nome dela.
Como pôde ser tão idiota?
“Eu tinha ouvido alguém chegando, gritei para saber quem era,” Tim conseguiu pensar em uma desculpa.
“Vamos, nós dois sabemos que isso não é verdade,” contestou Stephen. “Você sempre some mais ou menos neste horário quase todos os dias, nunca soube direito o porquê, e agora ouço você gritando o nome de uma mulher. Quem é essa?”
“Ninguém, é só uma... garota que eu conheci...” Tim respondeu fitando as folhas no chão, um pouco envergonhado. “Ela é uma vizinha nossa.”
“Então qual é o problema? Por que ficam aqui escondidos se não é nada demais?” perguntou ele, perguntas que nem Tim saberia dizer a resposta. “O que você está tramando, hein?”
“Nada, eu não tô tramando nada. Por que você acha que eu estaria...”
Tim interrompeu sua pergunta no meio, ele se deu conta de algo importante que provavelmente tinha muito a ver com o porquê de Stephen estar o seguindo.
Tinha algo a ver com aquele dia.
Devia ter.
“Aquele dia no banheiro,” começou ele. “você tinha tido uma visão minha, não tinha?"
Antes que ele pudesse ouvir a resposta de Stephen, eles ouviram uma voz:
“O que vocês estão fazendo aqui?”
Tim e Stephen se viraram para ver a Sra. Parsons os olhando em completo espanto. Ela estava segurando um buquê de flores em sua mão direita, mas ao vê-los, seu buquê caiu na grama.
“Sra. Parsons, deixe-me explicar...” começou Stephen, mas ela logo o interrompeu.
“Não tem explicações," disse ela com rigidez. “Vocês sabem que andar por aqui é proibido, não quero ver mais ninguém aqui, de jeito nenhum, entenderam?”
“Sim, Sra Parsons,” os dois meninos disseram quase que em uníssono.
“Muito bem.” A Sra. Parsons pausou por uns segundos, parecia que ela não iria dizer mas nada, mas ela então continuou: “Me esperem na minha sala, por favor.”
Os dois se viraram de costas a ela e saíram andando de volta ao orfanato, sem sequer terem coragem de olhar para trás para ver se ela os seguia ou não. O punho de Tim segurava forte, uma gota de suor caiu de sua testa enquanto imaginava o que aconteceria em seguida.
“Inacreditável,” bufou Stephen enquanto andavam. “Você vai para lá sem permissão e nós dois temos que pagar por isso.”
Tim olhou rapidamente para trás. A Sra Parsons não os seguia, ela havia ficado lá por alguma razão, mas o importante era que ela não estava mais ouvindo a conversa.
“Nós dois fomos lá, não fui só eu,” ele sussurrou
“Eu estava tentando encontrar você, é diferente” Stephen respondeu, embora Tim achasse que ele havia dito isso baixo o suficiente.
Seus passos eram rápidos por conta de suas pernas largas, ele estava se afastando casa vez mais, até que Tim deu uma corrida para alcançá-lo.
“Você não respondeu a minha pergunta de antes,” Tim voltou ao assunto. “O que aconteceu no banheiro aquele dia? Você viu algo sobre mim?”
“Vi.”
“O que era?” perguntou Tim. Stephen permaneceu em silêncio como se não tivesse ouvido a pergunta. “Stephen, poderia responder…”
“Você não precisa saber.”
“Claro que preciso, a visão foi sobre mim!” exclamou Tim já sem paciência. Os dois passaram pela porta de entrada, a únicas crianças que estavam lá eram Beatrice e Edmond, que pularam do sofá ao ver Stephen.
“Stephen, você voltou!” Beatrice disse animada, correndo em sua direção, Edmond parou logo atrás dela. “Continua brincando com a gente, por favor!”
“Depois a gente fala disso, tá?” ele cochichou para Tim, depois se voltou para Beatrice. “Agora eu não vou poder, Tris, a Sra. Parsons chamou a gente para a sala dela.”
“Mas por quê?” Choramingou a menina. “Você nunca vai pra sala dela.”
“O que aconteceu?” Foi a vez de Edmond perguntar.
“Não foi nada, eu vou sair de lá logo e depois a gente brinca, tudo bem?” As duas crianças fizeram que sim a cabeça. “Vem, Tim, por aqui.”
Tim o seguiu pelo corredor. Eles passaram pelos quadros das crianças nas paredes e ao final dele, estava a porta de uma sala menor onde havia uma mesa de escritório logo em frente à porta. Os móveis tinham um tom de madeira e alguns objetos na cor meio laranja que combinavam com as cores da sala.
A mesa da Sra. Parsons estava perfeitamente arrumada. Do lado esquerdo, havia uma pilha de quatro livros colocados exatamente um acima do outro, a lombar borrada de alguns deles impedia Tim de ver sobre o que eram. Do lado direito, canetas tinteiro foram colocadas alinhadamente uma ao lado da outra.
Em frente à mesa haviam duas cadeiras, e logo à direita, havia uma estante com mais livros. Ela estava quase que totalmente preenchida, com os livros organizados por tamanho, exceto pelo lugar onde aqueles quatro livros na mesa deveriam estar. No canto da estante perto da janela no fundo da sala, Tim também conseguiu ver outro espaço sem livros, onde havia uma moldura de fotografia virada para baixo.
Tim e Stephen se sentaram nas duas cadeiras e a Sra. Parsons chegou logo em seguida, não emitindo nenhum som até se ajustar na cadeira em frente a eles.
“Meninos" começou ela. “, o que vocês fizeram hoje não foi nada legal, não quero que se repita. Então, para garantir que vocês entenderam...” Ela abriu uma gaveta embaixo da mesa e retirou duas folhas de papel, entregando-as a eles. “Eu quero que vocês escrevam 'Não irei brincar perto do labirinto nunca mais' até que a folha esteja toda preenchida, frente e verso. Entenderam?”
“Sim, Sra. Parsons” eles responderam quase em conjunto.
Ela deu duas das canetas para os garotos e observou enquanto eles escreviam. Tim tentava escrever com uma fonte maior e mais espaçada para acabar mais rápido, mas era difícil escrever com muita velocidade quando seu braço esquerdo vivia trombando com o braço direito de Stephen, que mexia ferozmente sua caneta. Ao espiá-lo, Tim notou que ele já estava muito na frente, umas 5 linhas da dele, chegando na metade da folha.
Cada vez que Tim escrevia essa mesma frase, só conseguia pensar no que faria dali para frente. Talvez fosse melhor nunca mais falar com Eliza, não poderia arriscar ser pego de novo, não sabia o que iria acontecer na segunda vez, mas provavelmente seria bem pior do que só escrever uma frase várias vezes em um papel. Mas antes disso, ele devia falar com ela só mais uma vez, pelo menos para avisar a ela que eles não podiam mais se ver. Ela merecia saber.
Era quase como o que havia acontecido entre ele e seu amigo de infância, isso pouco antes de... todo o incêndio acontecer.
Vendo que Stephen já terminaria sua folha, Tim decidiu se apressar mais para conseguir alcançá-lo. Assim, quando Stephen estava há cinco linhas para acabar, ele estava duas linhas atrás, quase que escrevendo ao mesmo tempo.
“Terei de sair agora, preciso preparar o jantar de vocês,” disse a Sra Parsons ao se levantar. “Não saiam até terem terminado tudo.”
Um minuto após ela sair, Stephen terminou de escrever sua última frase. Ele deixou a folha e a caneta junto à pilha de livros e já saía quando Tim o chamou:
“Espera, não saia ainda.” Tim desviou a atenção do papel para olhar para ele. “Agora você pode me contar, sabe, sobre a visão.”
Stephen respirou fundo.
“Você realmente quer saber?” perguntou. Tim afirmou com a cabeça sem nem pensar.
Stephen suspirou.
“Naquele dia no banheiro, eu tive uma visão horrível, normalmente minha cabeça dói mais quando tenho esse tipo de visão ruim” Ele hesitou por um instante, mas continuou: “Eu vi todos no orfanato mortos, um perigo a solta vai acabar com todos nós, e por algum motivo, você é o centro de tudo isso, Tim, tudo acaba e começa com você.”
“Comigo?” Tim disse surpreso. “Mas o que eu posso fazer de ruim? Eu nem tenho habilidade nenhuma.”
“Eu também não sei” ele respondeu francamente. “, mas ultimamente as minhas visões não têm falhado.”
“E por que você não me contou antes? Eu te vi no banheiro aquela hora, poderia te me contado.”
“Eu não sabia quem você era, não sabia se podia confiar essa informação a você. Nem agora tenho certeza se devia ter dito algo.”
Tim ficou em silêncio por uns segundos. Stephen era realmente do tipo muito desconfiado, até mais que ele.
“E você não viu mais nada além disso?”
“Não. A maioria das minhas visões são assim, elas vêm em pedaços. A única coisa que sei é que essa visão não deve demorar tanto para acontecer,” explicou ele. “Mas eu não vou deixar que isso aconteça. Vivi aqui minha vida toda, todas essas crianças são meus irmãos, e eu vou proteger a minha família custe o que custar, até de você se for preciso.”
Stephen parou em frente a porta, seu olhar era sério.
“É por isso que, o que quer que esteja fazendo todos os dias longe de todo mundo naquele bosque, por favor, pare.”
Stephen saiu e o deixou terminando as duas últimas linhas que faltavam, e estas foram, sem dúvidas, as mais demoradas. Ele somente remoía aquelas palavras em sua mente:
Tudo acabava e começava com ele.
O que aquilo poderia significar?
Ao terminar, Tim deixou sua folha em cima da de Stephen e olhou para a sala mais uma vez. Era estranho que, com tudo perfeitamente arrumado, a Sra. Parsons não tivesse se atentado àquela moldura deitada na estante, então ele decidiu colocá-la de pé novamente. Mas o que ele viu na foto quase o fez derrubá-la no chão.
Mesmo estando mais nova na foto, era fácil para ele identificar a Sra. Parsons. Seu rosto não havia mudado, apesar de terem surgido rugas e seu cabelo ter ficado branco. Mas ela não estava sozinha, e essa essa a parte mais interessante e mais assustadora da foto.
Havia uma criança junto dela, uma menina.
Seus cabelos eram loiros, mesmo estando em preto e branco era fácil de saber. Seu lábio de cima era fino e o outro mais carnudo, mas isso dava um tom delicado à sua boca. Ela segurava uma boneca nas mãos, vestida exatamente igual a ela.
Exatamente igual...
Não.
Não, não podia ser, não era possível, mas não havia como ignorar.
O rosto, o cabelo, os olhos...
Ela era exatamente igual a Eliza.
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