04 - No Coração do Perigo
A oportunidade finalmente chega, envolto na cacofonia de risadas embriagadas e melodias distorcidas. Thorne e eu nos desvencilhamos da área reservada com a destreza de sombras. Cada passo é um ballet silencioso, nossos pés tocam o chão com a leveza de plumas, evitando qualquer ruído que possa trair nossa presença.
À medida que nos aproximamos do armazém, o ar parece eletrizado com a promessa de segredos.
A porta maciça, escondida atrás de um painel decorativo, é um obstáculo a ser superado. A figura da mulher no quadro sorri para mim, seus olhos pintados parecem seguir nossos movimentos com uma intensidade perturbadora. O camurça vermelho-sangue da poltrona em que ela está sentada parece pulsar com vida própria, convidando-me a adentrar o reino proibido de Raposo.
Apesar da porta ficar oculta na alcova sombria, a urgência impulsiona meus movimentos. O som abafado de música e conversas ecoa ao longe, criando um contraste surreal com a tensão do momento.
Cautelosamente, retiro um grampo do meu cabelo, a textura fria e áspera do metal do contra meus dedos é uma sensação familiar, uma lembrança irônica daqueles que me ensinaram os truques do ofício. Cada movimento é uma coreografia meticulosamente ensaiada. Ele desliza suavemente na fechadura, ecoando o bater acelerado do meu coração. Cada clique é uma nota de suspense, nos aproximando cada vez mais do nosso objetivo.
Quando a fechadura finalmente cede, a porta se abre para revelar o santuário de segredos de Raposo. Entramos rapidamente, o som abafado da porta se fechando às nossas costas ecoando como um sinal de que estamos agora no coração do perigo.
Meus olhos percorrem o ambiente com a precisão de um predador avaliando seu território. Cada caixa, pasta e documento alinhados nas estantes parecem guardar segredos, esperando para serem desvendados. Os cofres, robustos e imponentes, exalam um ar de poder, suas fechaduras guardando tesouros inimagináveis.
O ar no armazém é pesado, impregnado com o odor de papel envelhecido e a umidade que permeia os cantos escuros. A luz fraca das lamparinas cria um jogo de sombras que dança ao nosso redor. O ambiente destoa completamente do cassino lá fora, livre de qualquer luxo, ainda que bem organizado e limpo. Cada item cuidadosamente organizado é uma peça no quebra-cabeça de sua operação criminosa, uma testemunha silenciosa da corrupção que permeia o reino.
— Rápido. — minha voz é um sussurro urgente, um lembrete para Thorne da importância da nossa missão.
Cada segundo é precioso, cada movimento é calculado. No silêncio opressivo do armazém, nossas respirações parecem ecoar como trovões, um lembrete constante de que o perigo espreita lá fora.
Minha curiosidade sussurra em meus ouvidos, uma tentação irresistível que ameaça distrair-me de nossa missão urgente. Mas não posso me permitir desviar o foco, não quando o destino de tantas vidas está em jogo. Mesmo assim, meus olhos furtivamente deslizam sobre os documentos, absorvendo cada palavra, cada número, cada assinatura.
Algo chama minha atenção: uma seção inteira marcada como “Elementais”. Minhas mãos agem antes que eu tome consciência, puxando a primeira pasta da fileira, provavelmente a mais recente. As páginas estão repletas de informações e nomes que eu mal consigo decifrar.
O grunhido de aviso de Thorne me faz pular, recolocando a pasta rapidamente no lugar. Certo, foco. Saio de perto da tentadora seção, reprimindo a curiosidade. Enquanto vasculho as restantes, algo muito interessante chama minha atenção, mas ignoro todas as pastas nomeadas como Prian, e continuo procurando as de Hiveria.
Eu devia ter imaginado. Ali está o maior número de pastas, ocupando muito mais espaço que qualquer outro. Sorrio, sabendo que estou próxima do objetivo. Foram alguns minutos até encontrar o que procuro. Cada segundo parece uma eternidade, mas enfim, minhas mãos encontram os documentos certos. Meu coração dispara, mas me esforço para manter a calma.
Guardo os papéis na minha bolsa, junto com outros, quando uma ideia toma forma, uma perigosa, mas que pode salvar nossa pele de possíveis retaliações.
Sinalizo para Thorne com o polegar levantado em um sinal positivo. Ele se aproxima, a expressão séria e concentrada. Agora, precisamos sair sem sermos pegos, o que certamente causaria muitos problemas se falhássemos.
O caminho de volta parece ainda mais tenso. Fechamos a porta do armazém com a mesma cautela com que a abrimos, garantindo que tudo esteja exatamente como encontramos.
Com os documentos guardados na bolsa e meu coração martelando, seguimos para fora da área reservada, focados em passar despercebidos até a saída. E conseguiríamos, se Raposo não tivesse aparecido em nosso caminho, quando estávamos tão perto da escada que levava para fora daquele lugar.
Todos os meus músculos se retesam, o sangue rugindo nos ouvidos. Uma sensação gélida se espalha pelo meu corpo e respirar parece difícil, me deixando ofegante.
— Olá! — seus olhos ardilosos passam entre nós dois, um sorrisinho indecifrável pintando seus lábios.
— Raposo — respondo, tentando manter a voz firme, mesmo que minha mente esteja a mil.
Thorne ao meu lado está igualmente tenso, seus olhos fixos em Raposo enquanto tentamos manter uma postura despreocupada.
— Já estão de saída? — ele pergunta, seu olhar parece penetrar minha fachada, e sinto como se ele pudesse ler meus pensamentos.
— Sim. — digo, forçando um sorriso. — Tivemos uma noite… interessante.
Raposo arqueia uma sobrancelha, claramente curioso. Ele dá um passo à frente, sua presença dominando o espaço. Posso sentir o cheiro sutil de tabaco e madeira, uma combinação que sempre associarei a ele.
— Interessante, é? — Ele me olha de cima a baixo.
— E pessoal — Thorne intervém com uma voz seca. — Nada que vá te interessar.
Raposo fica em silêncio por um momento que parece uma eternidade, então dá um meio sorriso, seus olhos âmbares brilhando com uma astúcia que me faz estremecer.
— Tenho um serviço para você, garoto. — ele cuspiu a última palavra como se fosse uma ofensa.
Tentei segurar a minha careta. Engraçado como ele acredita que Thorne, de vinte e cinco anos, é apenas um garoto, enquanto eu, com vinte, sou mulher o suficiente para cair em sua cama.
Fico preocupada de deixar meu amigo aqui depois do que roubamos, mas parte de mim relaxa ao me dar conta de que Raposo não desconfia de nada. Demoraria um bom tempo até que ele precisasse dos documentos e inevitavelmente descobrisse haverem sumido bem debaixo do seu nariz arrogante.
Meu amigo se despede de mim, seus olhos passando duas mensagens diferentes. A primeira me diz para ficar tranquila e que ele ficará bem. A segunda, acompanhada de um leve franzir, deixa claro que preciso aguardar seu retorno e não agir sozinha. Concordo com um leve aceno de cabeça e saio do covil, rumo à minha casa.
Minha determinação, é claro, durou cerca de quinze minutos. Quando me dei conta, já estava desviando do caminho.
Paciência não é uma virtude da qual fui abençoada. Meu amigo poderia brigar comigo mais tarde, mas nesse momento sei que não conseguiria dormir sem colocar meu plano em prática. O tempo era precioso; Raposo poderia, a qualquer momento, descobrir o que havíamos feito.
Agora, me encontro encarando olhos tão furiosos que a coloração, que normalmente me lembra mel, estava escurecida pela raiva.
Isolde esbravejou por um bom tempo, repetindo sem parar três objeções. A primeira, eu ousar acordá-la de seu precioso sono da beleza no meio da noite. A segunda, eu ser louca o suficiente para roubar o homem mais perigoso do reino. E a última, mas não menos importante, seríamos pegas, mesmo que o plano desse certo, já que eu seria certamente a primeira suspeita.
Tudo isso foi pontuado repetidas vezes, com uma voz estrangulada e o dedo em riste apontado para meu rosto.
Como uma boa amiga, ela deixou claro todos os motivos que deveriam me fazer desistir “dessa loucura absurda e inconsequente”, segundo suas próprias palavras, mas é claro que eu podia contar com ela.
Não foi rápido ou simples, mas lá pelas cinco horas da manhã, tudo estava pronto e organizado. Thorne ainda não aparecera furioso, o que só poderia significar que independentemente do serviço em que ele tinha se metido, ainda não estava concluído.
Isolde, apesar de toda oposição inicial, mal conseguia conter um sorriso brilhante e orgulhoso. Acredito que ela se sente como algum tipo de espiã ou, quem sabe, heroína. Sua ajuda se provou indispensável; toda sua organização era impecável. Sem dúvida, sem ela eu não teria conseguido deixar tudo pronto tão rápido. Ela é maravilhosamente prestativa e meticulosa.
Sua empolgação é tão contagiante que apagou de mim qualquer receio, me deixando agitada e ansiosa também.
Em breve, a vida de Lorde Alden desmoronaria como um castelo de cartas.
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