Capítulo XVI

O amor em uma de suas facetas é irracional[...]

Lorde dos Espinhos, o filho.

Das mesmas mãos que dão vida, saem o gracejo da morte.

Houve um estalo baixo, depois mais outro, e outro novamente, Morgana enfiou as suas gazuas brilhantes em um bolso, e com a destra tocou nas mãos do lorde que a amava. O homem era forte, inconsequente e atrevido. Tinha os olhos vividos e altivos, buscava a grandeza em seu auge de 20 anos. A pele com o charmoso marfim nas pontas de seus dedos, um olhar obliquo intercalando com o calor do verão.

O corredor estava escuro, porém havia um facho de luz na escada e os balaústres faziam um trabalho vistoso. Estavam a sós. Um homem glorioso, embora jovem e uma Bruxa dos campos.

O toque sutil das mãos e dos corpos em um romance lisonjeiro fazia com que tudo em torno fosse efêmero, as mãos descendo e subindo pelos ombros largos do jovem e a correspondência dos dedos nas curvas do corpo feminino fazia a pele ter um súbito arrepio de prazer.

O lorde dos espinhos amava Morgana, a jovem havia sido um desvio no caminho do nobre que estava prometido à uma princesa de terras não tão longevas, mas o coração do rapaz não se interessava por aquilo que estava longe.

O momento passou mais rápido que o planejado e as luzes do cu os alertara sobre isso. Os dois saíram do pequeno cômodo, o mais alto de toda a torre. Todos sabiam o que o jovem fazia, mesmo assim o lorde dos espinhos se preocupava com as línguas de sua gente. Morgana não era humana, tinha pequenas tatuagens em pontos do seu corpo que exibia a sua natureza distinta. Mas as magias transcendiam o imaginário do povo.

— Quando poderemos nos ver novamente, Torn? — a voz suave de Morgana hipnotizava o nobre que sempre se via sem armas para se contrapor a qualquer pedido da moça.

— O mais breve possível. — e tocou em seus lábios, beijando-a com um amor real e tangível. — More comigo aqui. — sussurrou.

— Você sabe o que as línguas ferozes do conselho diriam sobre isso. — Morgana replicou.

— Eu não ligo, eles sabem das minhas glorias, das conquistas da minha casa e de como tenho tratado de tudo com esmero. — foi interrompido com o toque nos lábios da jovem.

— Tenha calma. As paredes desse lugar são finas e cheias de buracos, não busque um incomodo, meu senhor. — disse abaixando os olhos e buscando as palavras certas. — nossa brincadeira tem que ter um fim. Os senhores das casas não aceitarão o seu pouco caso com o casamento e as nossas ações têm sido ofensivas.

— Brincadeira? — disse ríspido, Torn amava Morgana, mas compreendia que desde a morte do lorde dos espinhos aquele título cobraria muito de si, mas isso não aliviou a sua raiva ao ouvir a palavra brincadeira.

—Brincadeira? — repetiu ainda irritado.

— Você compreende a sua posição? — Morgana indagou. — sabe dos seus compromisso, não é mesmo?

A mulher que tinha se deitado com um lorde estava o deixando e a feição de ultraje passou pelas linhas do rosto de Torn.

— Eu te amo. — as palavras do nobre soaram vazias ao ver as costas da mulher se afastando. Sentia que os ombros tremiam. Não podiam entender o porque daquilo, mas brincadeira era algo que não poderia definir aqueles momentos.

O nobre conheceu a bruxa em uma das suas aventuras pelos lagos de Noinin, o cavalo enrijeceu-se ao passar pela frente da casa de madeira com símbolos entalhados nas porta. A curiosidade furtiva de Torn o convencera a bater naquela porta, e a visão mais delicada e graciosa o interrompeu nos pensamentos mais assustadores e sinistro que vinham em sua mente fértil.

Pensava que as mãos que tocassem e girassem a maçaneta seriam decrepitas, com sulcos verdes e rugas frondosas. Mas as mãos que tocaram eram lindas, delicadas e bem cuidadas, não havia as unhas curvadas e sujas, eram curtas e limpas. Pensou que a criatura que surgisse dali seria feia, uma senhora que mal sobrevivera ao clivo do tempo. A surpresa foi grande ao ver a jovem de pele morena, lábios carnudos e um olhar castanho claro belíssimo, bardos aglomerariam para ver a obra de arte que era Morgana. Não era a velha de nariz triangular dos livros de sua avó, era belíssima.

— Olá, vim a procura de ervas para o meu pai, o lorde dos espinhos está muito doente. — mentiu, não sabia como dizer que na verdade estava ali por pura curiosidade, parecia grosseiro, a moça não parecia estudar a sua face, nem tentar decifrar se era de fato verdade aquilo que saíam da boca do nobre, apenas assentiu com um sorriso.

Ela é linda.

— Muito prazer, meu nome é Torn. — completou e advertiu-se por ter sido ríspido o suficiente em não ter se apresentado para a dama que estava em sua frente.

— Sei quem você é. — disse a moça. — sei que seu pai não está doente, sei que o seu cavalo está parado há pouco metros daqui com a crina levantada e que você esperava algo sair dessa porta que suprisse a sua imaginação. — disse sorrindo. — não posso desperdiçar minhas ervas em suas mentiras. — disse com os lábios cortantes. — meu senhor.

— Longe de mim... — pensou novamente. — perdão. Não sabia que poderia ler mentes.

— Eu não leio, você é um livro aberto, rapaz. — disse dando um risinho. — está na sua testa a sua surpresa por não ter saído dessa porta um ser em ruinas com os olhos verdes como amêndoas velhas e murchas.

— Não é que... — Torn estava com vergonha.

— Mas se quiser entrar, seria uma honra. — disse abrindo a porta e o convidando. Torn entrou. O cheio de carne, fumaça e erva invadiram as suas narinas, os odores o lembraram que não comia há horas e que estava faminto. A mesa de madeira no centro com frutas, cestos com uma massa que julgou ser uma torta e pratos coloridos preenchiam o móvel. A venezianas abertas e os raios da estrela entrando afoito, a casa não era fúnebre com cores mortas e madeira podre, era bem cuidada, honesta com vários moveis coloridos, verde, laranja e vermelho, as paredes com desenhos e caramba! Tudo era acolhedor. Os lençóis com desenhos dos esquilos, todos bordados com apreço e precisão.

— Você está com fome? — disse Morgana ao reparar que os olhos de Torn estavam grudados no guisado da panela.

— Me perdoe por minha postura frívola.

— Não diga essas coisas, não sou uma das jovens tolas que tem a mente romântica de que nobres não cagam, não erram e nem pensam em frivolidades, e fome não é algo trivial, seu tolo.

Embora fosse aparentemente da mesma idade que Torn, seus adoráveis 16 anos, ela se portava como uma mulher de vidas e vidas mais velha que ele.

Morgana pegou um dos pratos que estavam em sua frente e serviu o guisado, arroz, camadas de uma massa que Torn não sabia o que era, mas que aparentava ser deliciosa. A baba escorria dos lábios do nobre que se sentiu envergonhado por aparentar ter tamanha fome.

— Pode se servir, meu senhor. — e Morgana comeu o que tinha tirado da panela. O alimento separado não era para ele, os modos das casas aristocráticas era de que alguém os servisse, mas assim como Morgana havia dito, ele não estava ali para ser servido. Nada romântico.

Torn pegou uma colher de pau e ao se aproximar do guisado foi surpreendido pela voz da moça.

— Não se põe colher de pau no guisado, vossa senhoria.

— Me perdoe. — e sem coordenação aparente derrubou a colher no chão.

— Nobres. — Morgana deu uma batidinha na testa. O nobre quando ensaiava um gracejo envergonhado foi surpreendido pela risada natural daquela mulher. o coração bateu forte, rápido e desesperado. Ele nunca sentiu aquilo, nem em festas pomposas ou nos encontros que tinha. Ele estava encantado.

Desde aquele dia, Torn não parou de frequentar a casa em que Morgana estava.

Ele se sentia honesto com ela, livre e sem responsabilidades. Naqueles momentos sentia que toda a história de preço, valor, equilíbrio e os demais, não passavam de liturgia boba para corrigir jovens tolos. Se sentia normal, sem os gritos de ordens de postura. Ele não precisava ser o garoto de cenho cruel, duro e cheio de empatia. Ali ele poderia ser ele mesmo e isso era o que amava naqueles dias, e o coração em suas batidas ensurdecedoras era o que fazia Torn amar Morgana.

Até o dia em que seu pai adoeceu, nenhum feiticeiro conseguiu o socorrer, nem mesmo a própria Morgana. E em dias, eternos para o jovem que sofria ao ver o definhar da linha da vida do seu pai, o lorde dos espinhos morrera.

Tudo mudou, o jovem agora era o lorde, não poderia mais se perder nos caminhos para casa. A distância de Morgana não o fez esmorecer em sentimentos, apenas se aprisionar nas responsabilidades que lhe cabiam.

Aos 19 anos tinha uma habilidade invejável com a espada, uma mente brilhante e uma postura enfática. Não cortejava damas, não bebia abertamente e nem se empenhava nas caças. Imitava seu pai, e isso lhe convinha, porém o amor foi gentil em trazer Morgana para o seu jardim. Ela se mantinha igual, sem elegantes joias ou com roupas cheias de adornos.

A conversa foi única, como todas as outras que tinham e a época em que Torn se sentia livre, retornou.

Como a sua avó dizia "homens sérios têm que tomar atitudes sérias" os uivos dos ventos por uma aliança com uma nobre vieram e, mesmo não desejando, estava sendo prometido em casamento, o povo precisava de uma mulher idônea para se inspirar.

Os encontros casuais de Morgana e Torn não terminaram.

Aos 20 anos, ainda estava prometido e aquele encontro tinha sido o último, pelo menos foi o que Morgana deixou no ar. O rapaz não queria, mas sabia dos preços a serem pagos por sua posição. Não houve discussão.

Os dias se passaram.

Afoitos, desinteressantes e precisos.

Assim, como a casa dos espinhos, sem novidade, brilho e cores.

O casamento estava marcado, os jardins com hortênsias, rosas e um gramado belíssimo, com os arcos pratas na entrada do jardim. O clérigo sorridente, o povo se reuniu. Cada um em seu assento, cada qual com as descrições. Os mais ricos estavam na frente e a plebe atrás. Os sorrisos em uníssono, não havia lamentações. Não há espaços para murmúrios desrespeitosos nas festas da casa dos espinhos. O corpo extenso das rosas no altar e uma escultura do antigo senhor daqueles campos estavam dispostos a serem apreciados.

O povo estava ali, a aristocracia estava também, a noiva ansiosa jazia em sua carruagem e nada da presença do noivo. Nada de avisos, o clérigo começava um burburinho irrequieto, observando a entrada e nada.

Cadê o lorde dos espinhos?

E descortês nos deixar esperando.

Vim de tão longe para ficar aqui plantado?

Eu espero que isso acabe logo, eu estou cagado de fome.

A eternidade em que a jovem estava curvada esperando o seu noivo fora uma afronta para os outros membros do conselho. A eternidade de horas. Nada dos homens de Torn, os convidados estavam dispersos.

Momentos depois a carruagem se aproximava, lentamente. Todos se levantaram em um regozijo de alívio e as mentes que estavam se envenenando em uma batalha eminente pelo desrespeito do nobre, agora estavam encantadas com as joias cravadas na madeira de arcadian que tornavam a carruagem dos lordes dos espinhos tão imponentes.

A carruagem parou e ninguém saiu. Não havia alguém guiando os cavalos, e um silencio sepulcral estava instalado naquele momento.

Um dos homens da nobreza vieram ao encontro para saudar Torn. A sua surpresa foi terrível ao ver o corpo do lorde inerte no chão. Paralisado, ambos, nobre e lorde. Uma mulher veio ao encontro para saudar o rapaz. Um grito agudo e desafinado foi o gatilho para gritos que vieram em seguida da frase:

Ele está morto! O lorde dos espinhos está morto!

o caos pairou, correria, pernas saltando. Gritos irritados, dois homens que estavam nas escadas caíram e brigaram. Um afirmava ter disso empurrado e o outro estava incrédulo que o companheiro duvidara de sua honra. Socos e pontapés. A noite estava abraçando o cenário e os gritos aumentavam, ninguém mais ligava para o cadáver na carruagem, para o sumiço de quem conduzia os cavalos e por Torn não ter marcas de uma batalha. A morte silenciosa não era a fonte do desespero. Aquelas almas estavam estarrecidas e intoxicadas. Mais briga. Um dos guardas tirou a espada da bainha e o reluziu entre dois plebeus, o insultou fez com que um terceiro pegasse uma pedra e batesse com força na fronte do home que não esperava por isso. Cabeças foram lançadas ao ventos. O que era um casamento se tornou em uma batalha sangrenta. A garota assustada com aquilo que era para ser o dia mais feliz da sua vida, ficou encolhida em sua carruagem que balançava, uma força impetuosa de alguns homens. Os cavalos relinchando e guinchando. O casamento se tornou um inferno antes de acontecer. É assim mesmo.

O brasão estava sujo de sangue. O bordados dos espinhos estava vermelho.

E o dia se passou. Muitos corpos duros no chão. Uma nevoa triste atingia a fronte de quem se aventurava à procura de perolas nos pescoços das jovens e na carteira de couro legítimo dos homens condecorados. E entre muitos, Morgana. Assustada com a cena. Homens parecendo animais, tocando nos corpos como se não fossem nada, viu uma garotinha sendo tocada como um objeto por um ser com a traqueia aparente, em trapos. A criatura buscava por prata, ouro e alguma coisa que pudesse vestir. A cabeça da bruxa latejou. As silhuetas nas nevoas guinchando como bichos selvagens era uma parcela pequena do que acontecia nas terras baixas. Havia estranhos nas terras altas. Os mares trouxeram alguns. Um homem sem sombra é um ser grosseiro e irracional, sem proposito.

Morgana se aproximou da carruagem do lorde e viu uma criatura tirando o colar de rubis do pescoço do rapaz, Morgana vociferou palavras magicas que explodiram o corpo da criatura. Se sentia mal por aquilo, afinal o lorde estava morto. Seria um corpo sem vida, Nis e sopro mais valioso que uma criatura viva? Ela não se esforçou em responder. As lagrimas cobriram o seu rosto. O homem que amava estava ali. Morto.

Das mesmas mãos que dão vida, saem o gracejo da morte.

A maldição de Morgana, uma mulher que tinha o poder de ressuscitar os mortos com um toque, mas que voltasse a tocar o mesmo corpo, o reduziria ao nada. Sabia que se tocasse em Torn, o homem voltaria a vida, mas se tornasse a tocá-lo, o mataria. Amar alguém que não se pode tocar, a mente estava em frenesi e não sabia o que deveria fazer. O lorde dos espinhos merecia viver, ter uma vida, um povo, filhos e animais. Sabia que com um simples toque faria isso ser possível na vida de Torn, mas o preço era sumir da vida daquele a quem ela jurara amor.

As lagrimas vieram impetuosas e uma dor lancinante atingiu o amago da jovem que tinha que tomar a atitude.

As mãos tocaram no rosto do rapaz, e um suspiro de amor foi proferido.

Morgana saiu correndo e nunca mais foi vista naquelas terras. A sua casa se tornou um recipiente desfigurado de história. Garotos das redondezas destruíram as vidraças, quebraram a venezianas e queimaram seus panos. A casinha adorável se tornou apenas um casebre sem cores.

A tristeza profunda de Morgana amaldiçoou a semente de Torn.

O nobre a procurou, mas sem êxito, se casou com uma nobre que deu a luz a uma menina adorável. Ruiva, olhos azuis e um choro estranho, que não parecia nada com o humano, em alguns momentos ronronava como um gato. Uma maldição que veio do amor de uma bruxa. Assim, Janel Wos cresceu. A menina adorável dos nobres revolucionários, filha do lorde dos espinhos e uma Animorfo desde o seu nascimento. 

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