Capítulo XV

Os animais são os melhores, eles vivem sem as preocupações que ao longo do tempo vem nos destruindo. Eles não possuem vaidades[...]

Mozar Wozniak

A família Wozniak era conhecida até os confins do mundo, não havia muitas almas que não os conhecessem, os nobres sábios. Aqueles que tinham em sua magia algo peculiar. Um treinamento extensivo que sacudia as estruturas de quem desejasse aprender a arte do animalis, um dom de se comunicar com os animais, em alguns casos o mago sentia as dores, o apreço e até poderia interferir nas ações do animalzinho. Para muitos isso era trivial, bobo e beirava a ingenuidade, para outros era a excelência. Os prédios pomposos e verdes do castelo da família Wozniak mostrava com esmero uma batalha de séculos.

E em sua escrivaninha estava o nobre e senhor Mozar Wozniak, com a pena falha e que em seguida caía nos dedos nodosos, deixando um rastro de animal peçonhento em tinta sobre o papel caro. Coçava o cocuruto irritado com mais uma falha. Estragou mais uma folha do fino matéria naquilo que suspeitava ser uma tentativa inútil de encontrar o ponto fraco dos magos negros. Não havia empatia nas ações daqueles seres. Mozar reconhecia que havia postergado por muitos anos aqueles "deuses", mas algo o tocara. Precisava ser capaz de ser útil. A intromissão furtiva de amargura lhe arrastava para os campos, as flores brancas, azuis, amarelas e vermelhas eram uma fonte inesgotável de prazer. Mozar amava conversar com as abelhas, lhe dava mais fé na unidade e no coletivo.

Bebericava seu chá naqueles momentos. Um nobre que não estava à mercê das batalhas. Era um alento para a sua família, mas grilhões pesadíssimos em sua jornada. Se sentia incomodado com as ações da maioria dos poderosos e sentia um nojo nas profundezas do seu amago pela aristocracia.

Melhor eu ir pegar outro papel.

O primeiro cômodo que passava para ir aos seus aposentos era a cozinha, ali, uma dúzia de guardas relaxava em bancos, comia e bebia numa grande mesa desgastada, não havia luxo ali, o cômodo cheirava à cerveja, suor dos homens, comida e á roupas de lãs molhadas. Poderia estar com o tempo estável, sem gotas de chuva. Sempre o odor estava lá. O seu escritório era duas vezes menor, mas se sentia mais à vontade lá. Os rapazes gritavam, riam, vociferavam. Mozar se sentia bem com aquela cena. A fumaça da lenha e da gordura da carne. Toneis e pequenos cascos alinhavam-se contra a parede. O nobre deu batidas curtas e estalou os dedos, continuou caminhando. Olhou para os aposentos, nada de grandioso, nem parecia ser a residência de um nobre, apenas sua cama, a mesma escrivaninha que jazia em seu escritório. Algumas cartas, pinceis e penas. Espelhos em todos os cantos, sabia que alguma coisa aconteceria se estudasse a composição de cada um deles. As repostas estavam nos reflexos. Ele sentia.

Pegou os materiais e desceu, sem incomodar nenhum dos homens, nem as mulheres que estavam com seus lenços na cabeça. Deu um risinho leve para uma e foi em direção ao seu lugar favorito da casa.

Continuou escrevendo, os dedos estavam estranhos, doíam. A mania, velha e viciosa de estalar os dedos nas paredes. Bateu novamente na fronte e deu um riso que o fez enjoar.

Escrevia.

Escrevia, sentia que as repostas viriam com os seus estudos. Uma pilha de metros de altura estava ao seu lado, lendas, teorias da magia e o preço. Tudo tinha um preço. O equilíbrio de um universo que não era equilibrado e nada justo. Continuou. Os pensamentos revolucionários não serviriam de nada se ação continuasse sendo de um complacente do sistema.

Mais tinta caía, o papel era o seu amigo mais ingrato.

O seu gato se aninhou em suas pernas. Lembrava-se da primeira vez que entrara no sonho de seu amigo. De sentir a temperatura oscilar. Partilhou de seus sonhos confusos. Sabia do preço, uma parte generosa de sua razão, mas no começo, todo jovem não entende o que isso significa. Os padres tinham medo de que se transformasse em um ser nefasto e maligno.

Eles temem tudo, meu amigo.

Conversava com o seu amigo, e se lembrava dos pedregulhos e silvas dos sonhos do gentil animal.

Eu sei que estou perto, sei que os magos negros têm as suas fraquezas todos temos, por mais que os portões que os demônios abrissem poderiam o conduzir à um mundo divergente do nosso, não há muito demônios, meu amigo.

O gato, cujo nome era Amigo, lhe deu um sorriso caloroso.

Mozar temia por sua vida; os tempos inconsequentes de sua juventude fazia com que doesse as suas juntas, não se sentia mais a vontade conversar com animais.

Sem perceber havia levado consigo o espelho dos milhares, um poderoso objeto que servia de estudos , sempre o mantinha de cabeça para baixo, tinha medo de ativar alguma coisa que não soubesse controlar.

Continuou escrevendo.

As vezes o ponto fraco era obvio demais, tinham dragões, amuletos e tudo o mais. Tudo para esconder a ausência de confiança. Os magos negros treinavam para não sentir medo, era obvio demais. Por que temiam tanto com tamanho poder? As mãos discorriam rápidas e seguras, deixou de ser vacilantes enquanto pensava em cada hipótese.

Eles têm armas, algumas até tem vida! algo extremamente egocêntrico, eles tinham muito medo. Medo dos humanos. Ah como eles tinham.

O nobre continuou pensando uma nevoa de informações se acumulou em sua mente. Borbulhava e se tornava intangível.

Toque.

Toque.

O homem limpava os dedos, quando o seu filho pequeno se aproximou, Monza não tinha visto o pequeno. Estava preso nos cálculos, nas pistas. O espelho. Ele pensava. Uma lastima nascia em seu peito, uma torrente poderosa o levava para onde queria.

O pequeno tocou no espelho e o virou. O reflexo da sua barba ruiva foi a última coisa que viu.

Sentiu a sua mente ir de encontro com um cãozinho que estava atras de uma cadela enorme, ela estava no cio. O cachorro estava quente, muito quente. Uma febre poderosa, o dono do animal o prendeu. O cão sem consciência começou a morder as patinhas curtas.

A dor serpenteou pelo braço do nobre, que sentia um aperto poderoso no peito.

A criança estava imóvel, assustada. Aos poucos o pequeno garoto saiu correndo para chamar alguém. Pobrezinho.

O home era um exímio artista da magia de animalis, mas as forças que acumulou ao longo da jornada escorria de suas mãos. Apenas um pequeno homem de um metro e setenta, sem nada. Acuado.

Uma barreira gelada impedia que Mozar se movimentasse, o cachorro se contorceu em um gemido suplicante.

O corpo do homem debruçado no chão tremia. O suor frio escorria.

—Não! — esperneou. A dor estava o levando. O cão estava sendo açoitado. A voz do homem gordo gritando com o pobre animal em seus pigarros e soluços e na intenção leviana de admoestar, destruía o animal. A camisa branca de linho se tornava rosa. E o não se repetia a cada minuto.

A mulher chegou correndo, era uma grande maga, ficou de cócoras e tentou tocar na testa quente do homem, buscava a consciência do nobre que estava em pequenos fragmentos. Estava destruída. Em breve o braço da loucura o levaria para longe.

O preço.

— Como isso foi acontecer. — os olhos marejados e o soluço veio. O peito cheio fez com que sentisse falta de ar. — não vou te deixar sucumbir.

O garoto estava assustado, sentia que era a sua culpa, foi assustar o pai, brincar com ele. Pedir aulas de animalis, se sentia responsável. O seu pai estava se perdendo. Balbuciava coisas estranhas e em uma linguagem arcaica.

— Não vou lhe deixar sucumbir. — repetia a mulher.

A criança juntou as mãos e torceu para o êxito, mas a angústia do fracasso se intensificou ao ver a mulher tirando as mãos da testa do seu pai.

— Perdemos ele. — disse observando o espelho dos milhares. — o que isso está fazendo aqui? — e com muito cuidado pegou um pano e guardou o objeto.

O pai estava babando, o cão estava morrendo e tudo por culpa dos uivos por uma cadelinha. Pelo descuido estupido de uma criança.

O garoto esperou perto do corpo que aos poucos diminuía os espasmos. Nada.

As lágrimas vieram em um turbilhão. O pequeno tentou tocar no pulso, estava frio. Sem vida. o cão havia morrido nas mãos do camponês. E a infância do pequeno homem havia se perdido.

— Homens! — a voz aguda do rapaz reverberava. Um se aproximou e ainda com o toucinho na boca se deparou com o cadáver do seu senhor. A expressão foi pesarosa, cuspiu os resto em sua boca e mandou o alimento para longe se aproximou.

— Meeeeu... — a voz morria na garganta. O homem se curvou solenemente, as lagrimas vazando pelos seus olhos calejados.

O garoto estava vermelho, soluçando.

— Eu matei meu pai, me mate, Gus. — o garoto estava com os olhos sem vida, sem nada, havia perdido algo. Algo que não conseguiria recuperar.

— Me mate, eu estou ordenando. — o garoto sorridente que nunca pedia nada, nem que separassem a sua comida, estava no chão junto ao seu pai. — Me mate, por favor. Me mate! Eu te ordeno, imploro. — estendeu as pequenas mãos. — me mate, Gus. Eu matei meu pai.

Gus estava paralisado com a cena terrível em sua frente. O pesadelo de ver uma criança, sem expectativa de se tornar um mancebo, apenas com uma culpa. Um fardo maior que uma criança.

Gus o abraçou.

— Você precisa viver, a casa Wozniak precisa de você. — a voz grossa e o tom profundo lhe acolheram. As lagrimas dos dois se tornaram uma. Mozar era amado.

— Tenha filhos, encha esse lugar e mate os malditos magos negros, pelo seu pai. — a voz turva na direção da mesa era de sua mãe que estava na porta. — Que o erro dele não seja transferido para você. Agora vá para o seu quarto. não quero que fique vendo um cadáver.

O garoto tentou ficar, mas outros homens vieram e o carregaram até o seu quarto. Enquanto a sua mãe parou em frente do corpo, tocou a jugular e o pulso. Nada. Se curvou e ficou por horas, quieta. Observando os longos cabelos ruivos e as pálpebras finas que fechavam a sua alma.

— Vou sentir sua falta. — ela se curvou, agora em direção a testa de Mozar e a beijou. — parte de mim se vai contigo. Ela te fará companhia. 

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