Capítulo 15 - O monge de Colina

olá lindxs,

mais uma att para aquecer pro final de semana. deixe seu comentário. clica na estrelinha. pra eu saber se vcs estão gostando. 

na mídia: música Sól de Gealdyr

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Capítulo 15 – O monge de Colina

Filipe olhou para trás, sobre o lombo do cavalo que seguia em frente, e viu Elazar de pé, como um monumento esculpido em pedra, a sombra alongando-se através do campo de batalha, projetada pelo sol poente. Enquanto olhava, o homem de pedra desmoronou e caiu.

Filipe tornou a olhar para frente, na direção das montanhas, de rosto tenso, apressando a marcha de Trovão. No lado mais distante do campo, alcançou outra estrada, que serpenteava para o alto, subindo as montanhas para as quais Elazar o enviara. O cavalo tomou a estrada de bom grado, parecendo saber quase por instinto para onde se dirigiam. Enquanto isso, Filipe segurava o falcão, como se fosse feito de vidro.

O garanhão movia-se tão fluidamente como água sob ele, ao iniciarem a subida pelas ladeiras que se encobriam de sombras, com isso dando a impressão de que até ele procurava poupar sofrimentos ao falcão. Entretanto a ave grasniu fracamente, enquanto passavam à sombra de um penhasco maciço. Filipe diminuiu a marcha do animal e olhou para o falcão.

– Está tudo bem – sussurrou. – Eu vou levar você. – Ergueu o rosto para a montanha e conteve a respiração.

Acima dele, no alto, erguiam-se as ruínas de uma construção que em tempos melhores foi um imponente mosteiro, banhada pelos raios do sol que se punha. As linhas cruas de suas paredes desmoronando e erodidas pelo tempo mostravam as pedras suavizadas por uma massa de heras e trepadeiras. Seu campanário, ainda intacto, olhava para o vale abaixo como silenciosa sentinela.

Era aquilo que Elazar o mandara encontrar. Filipe tornou a olhar para a ave. A camisa que a embrulhara estava manchada de sangue. O dardo apontando debaixo de sua asa parecia fatalmente grande, contra seu corpo frágil e pequeno.

– Lá está... Vê? O mosteiro! – Colocou a mão em concha sob a cabeça do falcão, ternamente, procurando tranquilizá-lo. O bico aguçado e pontudo da ave beliscou seus dedos e ele puxou a mão depressa, assustado. – Bem, isso é gratidão... Está certo – disse, exasperado. – Que esse tal Damastor presencie sua morte, porque tenho minha própria vida com que me preocupar! – Irritado, perguntou-se como um louco se daria a tantos cuidados com um selvagem e ingrato animal. – Você é testemunha! – disse para o garanhão.

Trovão limitou-se a abandonar a estrada, enveredando pela trilha estreita que serpenteava até o alto do pico. Filipe parou diante do portão arqueado da construção e estudou seu madeirame maciço. Olhou inquieto para o topo das silenciosas muralhas de pedra.

– Olá! – gritou. – Há alguém aí? – O único sinal de vida que constatou foram os pardais que voavam indo e vindo da hera. E se o monge não estivesse ali...? – Por favor! – tornou a gritar. – Olá!

– Não precisa gritar tanto aí fora, maldito seja! – gritou alguém no interior. – Pensa que sou surdo?

Um velho descabelado, trajando as vestes cinza e marrom de um monge, espiou como uma coruja do alto de um parapeito das ruínas. Os olhos do monge vagaram ao acaso pela paisagem ensombrecida, ignorando completamente o cavalo e seu cavaleiro.

– O senhor aí, Padre! – chamou Filipe. – Damastor...?

Os olhos injetados o encontraram finalmente. O monge olhou para baixo, com expressão vaga e ofuscada. – Curioso — murmurou. – Esse também é o meu nome!

Com uma pontada de desalento, Filipe percebeu que o homem estava embriagado. – Mandaram-me trazer esta ave. Ela foi ferida.

– Bom tiro! — exclamou Damastor alegremente. – Traga-a pra cá e nós dois a jantaremos!

– Não podemos comer esta ave! – gritou o rapaz, sentindo a raiva aumentar.

– Não podemos? – O monge sacudiu a cabeça. – Oh, meu Deus Único, já estaremos na Quaresma?

Filipe respirou fundo. – Este não é um falcão comum, Padre – disse, com insistência. – Pertence a Elazar Bellini.

Damastor Menjou pestanejou e os fitou com atenção, como se houvesse ficado subitamente lúcido. – Pela misericórdia do Deus Único! – exclamou. – Traga-o para cá! Depressa!

Virando-se, ele puxou a corda que abria a porta mais abaixo. Filipe desmontou, lentamente e com dificuldade, sustendo o falcão com firmeza o tempo todo. Depois ergueu os olhos para o garanhão. – Espere aqui – disse para o animal. – O cavalo relinchou subitamente, deu meia-volta e partiu a galope montanha abaixo. – Diga a ele que chegamos aqui! – bradou o jovem ladrão. — Diga-lhe que fiz a minha parte!

– Depressa, seu cretino! – chamou o monge. – Traga-o aqui para cima!

Filipe se virou e passou apressadamente pelo portão. Ao cruzar o pátio interno em largas passadas, ele viu uma ponte levadiça abaixada à frente da entrada principal do mosteiro.

Menjou estava na ponte, esperando-o com impaciência. Quando Filipe começou a cruzá-la, o monge adiantou-se e agarrou-lhe o braço. – Cuidado, seu palerma!

O rapaz olhou para as tábuas largas do piso, mas nada viu de anormal quando Damastor o puxou para o lado esquerdo da ponte. – Ande por este lado – insistiu o monge. Filipe deu de ombros e obedeceu, seguindo-o ao interior do mosteiro. O homem mais velho o conduziu por corredores sombrios e varridos pelo vento encanado, por celas vazias e escadas de degraus gastos por pés incontáveis. Ligeiramente, o rapaz perguntou-se por que alguém, mesmo um monge, escolheria viver inteiramente só naquelas desalentadas ruínas.

Por fim, chegaram a um pequeno aposento atrás de uma porta de madeira, maciça, mas apodrecendo. Velas amareladas mostraram-lhe uma mesa sólida e rústica, além de cadeiras, livros e material para escrita, com uma cama coberto de peles de carneiro. Imaginou que Damastor devia viver ali.

– Lá em cima da cama, devagar... – determinou Damastor. Filipe depositou o falcão sobre a cama, com todo cuidado.

– Deixe-nos a sós! – ordenou o monge.

– Mas... – protestou Filipe, recordando com súbita nitidez a ameaça Elazar.

– Saia!

Relutante, Filipe recuou para a porta e saiu. Ouviu-a bater às suas costas com força e depois o som de uma fechadura sendo trancada. Sentou-se no piso de pedra do corredor e tirou a adaga da bota. Com a ponta da lâmina começou a trabalhar no fecho de suas correntes.

Ouviu Damastor dizer docemente, no outro lado da porta. – Não tenha medo. Elazar estava certo, eu posso ajudá-lo. Mas, teremos que esperar. – O monge tomou a sair do aposento e olhou para Filipe.

– Posso ajudar em alguma coisa? – perguntou o rapaz.

– Não, rapaz – respondeu o monge bruscamente.

Tornou a trancar a porta, agora pelo lado de fora, antes de seguir corredor abaixo a toda pressa. Filipe continuou trabalhando no fecho das correntes.

No lado de fora, no jardim do mosteiro, infestado de ervas daninhas, Damastor trabalhava à luz de uma fogueira, colhendo ervas medicinais. Sua mente agora estava de todo lúcida e ele se movia confiante entre as plantas, colhendo com rapidez as folhas perfeitas e na quantidade exata que precisava. Enquanto trabalhava, volta e meia espraiava os olhos sobre o vale, na direção oeste, com as feições carregadas de preocupação. Viu o clarão final do dia enviar raios de luminosidade avermelhada, que se filtravam como lanças por entre as nuvens. O sol desaparecera. Colocando o último punhado de ervas em um pequeno almofariz de pedra, ele começou a subir a ladeira, encaminhando-se para a abadia.

O segundo grilhão caiu do pulso de Filipe e bateu no chão com ruído. Ele sorriu, com o satisfeito orgulho de um profissional especializado, e sacudiu as mãos. Levantando-se, chegou até a porta do cubículo de Menjou. Ali, começou a manusear ponderadamente a forte fechadura e então deixou a ponta da adaga deslizar para o orifício. A lâmina aguçada sondou por uma questão de segundos apenas, antes que o antigo mecanismo se abrisse com um estalido.

Filipe abriu a porta em silêncio e entrou no quarto. Parou de repente, sem acreditar no que via. Não havia mais um falcão no catre de Damastor Menjou. Em vez dele, ali estava o homem loiro que assombrara suas noites, deitado e coberto por uma pele, os braços abertos, na imitação das asas do falcão. O dardo projetava-se de seu ombro.

Os olhos dele vacilaram e se abriram, ao som dos pés dele. O homem ergueu a cabeça para fitá-lo, com expressão cheia de angústia. Tentou levantar-se. – Elazar!... Onde está ele? Terá sido...?

– Ele está ótimo, senhor! – disse Filipe prontamente, erguendo as mãos. — Houve uma terrível batalha com os guardas do Bispo e Elazar lutou como um leão, quer dizer lobo. O falcão foi... – Interrompeu-se, quando seus saltitantes pensamentos captaram a verdade subitamente. – Bem, mas... o senhor sabe disso, não sabe? – sussurrou.

O desconhecido deixou a cabeça cair no travesseiro. – Sim, sei – murmurou, após um longo momento.

Filipe se aproximou timidamente até a beira do catre. Contemplou-o, novamente admirado com a beleza estonteante de seu rosto. – O senhor é de carne? – perguntou, em voz lenta. – Ou será espírito?

Os olhos dele, brilhantes pela febre, desviaram-se e ficaram fitando o nada. – Eu sou... Tristeza.

A verdade naquelas palavras impactou a consciência vacilante de Isaac. Dez anos sem sentir o calor dos braços de seu companheiro. Dez anos vivendo uma meia-vida. Teve companhia, por certo. Mas, a falta de sua outra metade o deixava solitário. E agora o destino lhe mandava um humano como segundo companheiro. Um que ele não poderia marcar, pois ele não faria isso sem a presença de Elazar. Isaac sabia no fundo do coração que Filipe precisa que seus dois companheiros estejam juntos nesse momento.

A porta se abriu atrás dele. Damastor entrou no aposento e parou, consternado. – Como foi que você...? – Cruzou o quarto e agarrou o braço de Filipe. – Saia, maldito seja! E desta vez, fique lá fora! – O monge o empurrou para fora e bateu a porta com violência. O pequeno ladrão ficou imóvel no corredor por um instante, mas subitamente recostou-se contra o sólido suporte da porta, sem respiração e fraco, pela reação do que vira e que finalmente acabara de atingi-lo.

Ouviu a voz de Damastor Menjou no outro lado novamente, como uma oração. – Divino Deus Único, depois de tudo o que aconteceu, não é possível que o tenhas trazido aqui para morrer...

Filipe afastou-se da porta e desceu o corredor apressadamente, com desesperada necessidade de um pouco de ar fresco. Encontrou a saída para o jardim e ficou estudando o desleixado lugar e as construções provisórias, adicionadas ao pátio da abadia, à luz tremeluzente da fogueira.

Uma mula e algumas cabras dormitavam em um curral; galinhas cacarejavam e ciscavam em busca de vermes. Sobre a superfície escalavrada de uma mesa, acinzentada pelo tempo, ele viu uma curiosa variedade de maçãs e laranjas, arrumadas em anéis, como se o monge houvesse estado entretido em algum tipo de jogo.

Desceu a ladeira até a mesa e sentou-se em um banco, com os dedos tamborilando na superfície de madeira, enquanto estudava o arranjo das frutas, com apenas parte da mente. Supôs que uma existência solitária em meio a ruínas não devia proporcionar muitos passatempos divertidos. Tornou a erguer os olhos para o esqueleto de pedra que, envolto em brumas, assentava-se no alto da colina, acima dele. Seus olhos perscrutaram a única janela iluminada da abadia, cheios de inquietação.

Um angustioso gemido de dor chegou vagamente a seus ouvidos. Filipe tornou a concentrar-se na mesa e, colhendo uma maçã, deu-lhe uma dentada nervosa.

De pé ao lado da mesa em seu quarto, Damastor esmagava as ervas em um pilão, mas seus olhos não se afastavam do rosto do homem. Os dele estavam fechados e seus braços reluziam de suor. Ele se remexeu e tornou a gemer, mergulhando em um sonho febril.

Menjou largou o pilão, para colocar uma compressa de água fria na testa ardente do jovem. Depois retornou a seu trabalho, mantendo uma vela sob o almofariz, a fim de aquecer a cataplasma que fizera. O nitrato de prata já envenenava o corpo de Isaac.

Além dos muros da abadia, em algum ponto na noite, um lobo uivou tristemente; o corpo de Isaac retorceu-se sob as cobertas. Damastor levantou os olhos e deixou a cataplasma fervente em cima da mesa. Voltando para junto do homem, ele aplicou a cataplasma em torno do ferimento, o mais delicadamente que pôde. Ele abriu os olhos, fitando-o, quando ele estendeu uma relutante mão para o dardo.

No jardim, Filipe deu outra dentada na maçã, piscando tensamente, enquanto fitava a escuridão.

A mão do monge se fechou em torno do dardo e o arrancou da carne de Isaac. Ele deixou escapar um grito lancinante.

Filipe saltou bruscamente, olhando para o alto. A maçã escapou de seus dedos frouxos.

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Na mansão atrás da Catedral de Moldovan, Sua Excelência Reverendíssima, o Bispo, sentou-se ereto bruscamente, em sua cama de dossel, dominado por uma terrível dor. De olhos arregalados e fixos, destacava-se na ofuscante faixa de claridade que o focalizava em sua privada escuridão; baixou os olhos para si mesmo, horrorizado, e depois com incredulidade, ao não encontrar nenhum ferimento, nenhum sangue, nenhuma adaga de assassino.

As espirais do pesadelo afastaram-se e ele percebeu que tudo não passara de um sonho... desta vez. Segurou com força os lençóis de seda e cachecóis bordados, ofegando por oxigênio. Suas mãos afrouxaram-se aos poucos. Ele enxugou o suor do rosto, enquanto os olhos ajustavam-se à luz. Estava em sua própria cama, são e salvo dentro das paredes da mansão... e um jovem acólito aterrorizado havia parado no corredor, diante de sua porta aberta.

– Eu... sinto muito, Excelência Reverendíssima – disse o jovem monge – mas Vossa Excelência Reverendíssima insistiu em que lhe comunicassem quando ele chegasse... Ao terminar de falar, o jovem afastou-se rapidamente.

Seu lugar foi ocupado por uma visão infernal. Uma figura enorme e brutal enchia o vão da porta, bloqueando a luz. As linhas de uma cicatriz marcavam sua face, acima da descuidada barba negra. Sua espessa capa peluda era feita de peles de lobos. Um colar de dentes de lobo circundava sua a garganta. Ele fitou o Bispo com olhos turvos, muito mais cruéis do que os de qualquer animal.

– O caçador – disse o Bispo, e sorriu.

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