Capítulo 14 - Desespero

olá lindes,

na mídia a música Dance with the satyrs do grupo Daemonia Nymphe.

enjoy.

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Capítulo 14 – Desespero

Filipe caminhava pesadamente, aos tropeções, através do luminoso alvorecer. Caminhou a noite inteira, ansioso em aumentar ao máximo a distância entre ele e a clareira onde coisas estranhas aconteceram. Seu rosto estava riscado de arranhões, as roupas cheias de folhas e de terra, resultantes das quedas na escuridão, mas era um pequeno preço a pagar, a fim de ficar longe de Elazar. Esse pensamento causou uma inexplicável dor no peito.

Começou a subir para a crista ensolarada de outra comprida ladeira, mas parou, farejando o ar com repentino interesse. Sorriu. Lá no alto, alguém cozinhava o café da manhã. Ele lambeu os lábios e continuou subindo.

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Enquanto isso, quilômetros atrás dele, Elazar chegava ao acampamento com o sol nascente, o rosto marcado pela fadiga. Em largas passadas, caminhou diretamente para a árvore onde deixara Filipe. Um só olhar para o tronco vazio e as cordas cortadas, caídas no solo, disse-lhe tudo. Sua boca contraiu-se. Isaac libertara o rapaz. Claro que libertara.

Não havia percebido que ele devia ter-lhe deixado um aviso, algum sinal do que fazer. Esmurrou o tronco, furioso com a própria estupidez, sua impotência. Afastou-se do cenário de seu fracasso e caminhou para a fogueira quase apagada, tentando consolar-se com a ideia de que assim seu segundo companheiro estaria mais seguro. Não sofreria com a separação como ele e Isaac já sofrem. Quis convencer-se de que realmente nada perdera — de que, afinal de contas, não podia perder o que nunca tivera...

O garanhão grunhiu e ele ergueu os olhos. Ficou estatelado, espiando. A visão à sua frente era tão incongruente que teria achado graça, mesmo se caminhando para a forca.

Trovão continuava debaixo da árvore, justamente onde o deixara na noite anterior. Exceto que, durante àquelas horas, alguém trançara a espessa crina do garanhão e a encaracolara em anéis.

O girassol que colhera no terreno que ficou para trás e deixara para Isaac, estava entrançado no topete do cavalo. Elazar jamais vira um cavalo parecer constrangido... até agora. Atravessou a clareira e chegou ao lado do garanhão, ainda sorrindo. Meneou a cabeça.

– Pobre bastardo – murmurou, com a garganta opressa. – Você também é impotente contra ele, não?

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Filipe agachou-se no topo da montanha e espiou ladeira abaixo. No vale, podia vislumbrar vagamente figuras que se moviam, meio escondidas pela fumaça espessa de sua fogueira. A conversa truncada do grupo chegava debilmente a seus ouvidos. Parecia ser um grande grupo. Começou a levantar-se, hesitante, a cautela perdendo para a fome.

Uma pesada mão se fechou em seu ombro, fazendo-o virar-se. Ele ficou de boca aberta, mas nada tinha a dizer ao enorme guarda, cujas mãos o comprimiam como um torno. O homem sorriu amplamente. – Junte-se a nós! – exclamou.

Empurrou Filipe pela borda da montanha. O rapaz rolou loucamente, descendo e descendo, a cabeça acima dos calcanhares, através de rochas e arbustos, até chegar ao fundo.

Esparramado de costas, esforçava-se para levantar a cabeça, quando outro conjunto de pernas uniformizadas elevou-se acima dele. Piscou para enxergar melhor e olhou seu captor.

– Ora, ora! – exclamou o soldado. – Está um bocado longe dos esgotos, ratinho! Desta vez, os drinques são por minha conta...

Filipe revirou os olhos e deixou a cabeça cair para trás, soltando um leve gemido. Os outros guardas tinham se aproximado e permaneciam agrupados à sua volta.

Douglas o agarrou pela túnica, suspendendo-o até ficar sentado. – Onde está Elazar? — perguntou.

– Elazar, Elazar... – O rapaz sacudiu a cabeça freneticamente, procurando ordenar as ideias. Douglas ergueu um pulso coberto com a cota de malha e o manteve crispado, diante de seu rosto. – Ah! Homem grande, moreno, cavalo negro? Foi para o sul, pela estrada que leva até Moldovan!

Filipe acenou com a mão, indicando uma direção que esperava fosse a certa. Um dos guardas sorriu significativamente. – Quer dizer, então, que iremos para o norte, não, senhor?

Filipe empertigou-se, sentado no chão. – Não é polido imaginar que alguém seja mentiroso, quando acabou de conhecê-lo! – exclamou, indignado.

Douglas o estudou, de cenho franzido. – Não obstante, você sabia que iríamos... – disse lentamente. – Iremos para o sul – para Moldovan!

Filipe praguejou em silenciosa frustração, uma vez que seu plano lhe falhava miseravelmente. Os homens da guarda puseram-no em pé, empurrando-o para o acampamento. Ele caiu de joelhos, entorpecido, quando dois homens lhe prenderam as mãos às costas, com correntes. Depois o colocaram em cima de um cavalo com cabresto e ataram seus pés juntos, por baixo da barriga do animal. Filipe ficou olhando os guardas levantarem acampamento a toda pressa, ansiosos pela caçada... ansiosos para que ela terminasse, com a morte de Elazar.

Ergueu os olhos para o céu, onde pesadas nuvens acinzentadas se espalhavam, encobrindo o sol. – Eu falei a verdade, Senhor Deus – disse, em tom lamentoso. – Como posso aprender alguma lição de moral se continua a confundir-me deste jeito?

Douglas seguiu ao lado do prisioneiro, do alto da sela segurando as rédeas também do cavalo o levava acorrentado. A guarda montada começou a afastar-se, seguindo para o sul, rumo à estrada da cidade-Estado.

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Em seu cavalo, Elazar seguia taciturnamente pela estrada para Colina, mesmo caminho que os levaria a Moldovan, debaixo de um céu cinzento, tomado de nuvens baixas. Ia para a cidade, com ou sem o rapaz. O Bispo de Moldovan morreria ou ele é que perderia a vida, tentando chegar até seu inimigo. Agora, nada mais lhe importava senão o fato de que entrara em ação. Cansou-se de esperar por um sinal que nunca viria... E sempre, no fundo da mente, sabia que seria vencido, fosse qual fosse o resultado do encontro final.

Um vento carregado com a promessa do inverno gemeu por entre as árvores, erguendo redemoinhos de folhas secas e terra solta. Elazar levantou o braço, protegendo os olhos. Encarapitado em seu outro braço, logo abaixo do cotovelo, o falcão aninhou-se contra seu lado, em busca de proteção e calor.

Um galho seco estalou na estrada, ao lado dele. O garanhão refugou; o falcão elevou-se nos ares, com um grasnido assustado. Elazar tranquilizou o cavalo com uma palavra carinhosa, tornando a olhar em frente. Além dele, nada mais viu senão o campo aberto, alguns celeiros abobadados e um distante rebanho de ovelhas. Imprimiu um meio galope à montaria e avançou inocentemente para a emboscada.

Douglas e seus homens mantinham-se silenciosos entre os arbustos de meia altura ao longo da estrada, esperando e observando, quando Elazar Bellini e seu cavalo surgiram à vista.

Deitado de bruços e cercado pelos guardas, com uma mordaça na boca, Filipe tinha as mãos acorrentadas às costas. Ergueu a cabeça e, horrorizado, viu Elazar avançar para a morte. Aquele homem podia ser um louco, mas ao contemplar sua figura orgulhosa sobre o garanhão negro, compreendeu apenas que ele salvou sua vida imprestável duas vezes e não merecia morrer daquele jeito. E lá, no fundo de sua mente, havia a dolorosa percepção de que, de alguma forma, ele pertencia a ele e ele pertencia a Filipe. Assim como o desconhecido loiro que surgiu na escuridão da noite. Tudo isso o deixava confuso, mas determinado.

Douglas assentiu e Filipe ouviu os leves estalidos de bestas sendo carregadas à sua volta. Mascou sua mordaça, careteando e torcendo o rosto, forçando-a a ficar no meio da boca. Mais abaixo na estrada, viu as orelhas do garanhão se empinarem, como se pressentisse algo à frente. Elazar diminuiu a marcha.

A mordaça escorregou para dentro da boca de Filipe. Ele olhou para os lados e pestanejou com força, quando viu todos aqueles homens armados à sua volta. Aquela gente iria matá-lo instantaneamente, se emitisse o menor som para avisar Elazar. Entretanto, se ficasse quieto, os guardas matariam Elazar... Ele fechou os olhos, ainda não acreditando bem no que pretendia fazer, e tomou uma profunda respiração.

De repente, muito acima, um falcão grasniu. O garanhão empinou-se na estrada, no momento em que Filipe abria a boca para gritar. O guarda perto dele olhou em torno – e esmagou-lhe a boca com a mão. Filipe a mordeu com força. O homem deu um berro.

– Fogo! – gritou Douglas, furiosamente. Uma saraivada de flechas choveu sobre Elazar. Filipe viu uma atingir-lhe a perna e logo o sangue se espalhou sobre a sela. O falcão grasniu estridentemente de fúria, em voo direto para baixo, quando Elazar puxou a espada e fez o cavalo dar meia-volta.

Esquecido no chão, enquanto os guardas recarregavam as armas, Filipe ouviu berros e gritos, no momento em que Elazar começou a lutar contra seus atacantes. Rolando sobre o corpo, conseguiu ficar de joelhos, ansiando por uma chance para fugir dali. Viu Douglas erguer os olhos para o falcão que descia, em investida para atacar, e o rosto do homem estava crispado pelo ódio. Por duas vezes a ave salvara o dono de suas mãos e ele não pretendia deixá-la escapar, para salvar Elazar de novo. O soldado levantou a arma e fez pontaria.

Trincando os dentes, Filipe arqueou o corpo e puxou bruscamente para baixo as mãos acorrentadas às costas. Espremendo-se, conseguiu passar pela alça da corrente e então saltou sobre Douglas, por trás do homem. Atirando a corrente por sobre a cabeça do guarda, apertou-a com força. As mãos de Douglas voaram para a garganta e seguraram a corrente.

Filipe jogou todo o seu peso contra ela, mas não foi o suficiente. Em um movimento brusco, o soldado puxou a corrente para baixo, fazendo com que Filipe voasse por cima de sua cabeça. Depois atirou-o de lado com tremendo soco e inclinou-se para recolher a besta. Montando em seu cavalo, ele perscrutou o campo de batalha e o céu.

O falcão agora estava fora de sua vista, em voo picado, mergulhando em auxílio de Elazar, enquanto o garanhão negro carregava obstinadamente contra os arbustos. Ele não poderia mudar de forma, a ponta da flecha era banhada de prata e o veneno se espalharia mais rápido em sua forma shifter.

Elazar parecia um possesso ao lutar e obrigava os guardas à retirada, ante a fúria de seu ataque. No entanto, quando eles recuaram, de repente deixaram-no com as costas expostas, um alvo perfeito na linha de fogo de Dubois. Este apertou os olhos com satisfação, ao erguer o arco para um tiro que não podia falhar.

Filipe lutou para ficar de joelhos, ao ver Douglas fazer pontaria. Encontrou uma pedra e a jogou. Ela bateu no capacete do guarda e a flecha partiu sem direção, uma fração de segundo antes da dor explodir em sua própria cabeça, ao receber do guarda outro soco que quase o esmagou.

Ele nunca ouviu o grasnido agudo do falcão, quando aquela flecha sem rumo atingiu seu peito. Elazar, contudo, ouviu. Olhou para cima, impelindo à sua frente os guardas que recuavam, e o viu cair do céu, em uma lufada de penas, agitando as asas desesperadamente.

Elazar gritou, como se a flecha houvesse atingido seu próprio coração. O garanhão corcoveou, quando ele puxou as rédeas convulsivamente. Além dos guardas, ele divisou Dubois no meio da estrada, a cavalo, empunhando o arco. O guarda sorria selvagemente. Elazar arremeteu para ele com um rugido de fúria, esgrimindo a espada. Douglas ergueu a besta e tomou a disparar.

O dardo penetrou fundo no ombro de Elazar, derrubando-o da sela. A espada lhe escapou da mão, quando caiu e se chocou duramente contra o solo, onde ficou caído por um longo momento, ofegando de dor. Então, ao erguer a cabeça com esforço, viu que o outro avançava, de espada erguida.

Elazar ficou de joelhos com dificuldade, sem armas e desesperado. Ao baixar os olhos, viu o dardo que se projetava de sua perna e arrancou-o. Ficou então de pé, cambaleante, segurando o dardo, enquanto o cavalo de Douglas vinha rápido em sua direção.

Agachando-se no último instante sob a lâmina do adversário, Elazar enfiou-lhe o dardo no peito. O ímpeto do cavalo fez o dardo enterrar-se no coração de Dubois, e o impacto o derrubou da sela. Ele já estava morto antes de bater no chão.

O baque do choque também teve efeito sobre Elazar, que recuou e caiu. Lutou para levantar-se novamente, coberto de sangue, seu e do soldado. Olhando em torno, avistou sua espada, recolhendo-a. Os últimos guardas ainda de pé, começaram a recuar de sua proximidade e então, desfazendo-se das armas, pegaram suas montarias e galoparam para Moldovan.

Fora de si, Elazar seguiu aos tropeções pela estrada, em meio à carnificina, até onde o falcão havia caído. Trovão o seguiu, como uma sombra enorme. O falcão jazia caído em terra, com o dardo apontando debaixo de sua asa encharcada de sangue, os fogosos olhos dourados agora vidrados de dor.

Elazar fincou a espada no chão e caiu de joelhos ao lado da ave, torcendo as mãos. O sangue de seus ferimentos manchou o solo onde Isaac jazia, mas ele esquecera o próprio sofrimento. Ergueu o falcão com mãos trêmulas e, delicadamente, tentou limpar-lhe o ferimento, a fim de verificar sua gravidade. Tinha sido bastante profundo.

Ele olhou para cima, na direção oeste, onde o sol flutuava como ouro derretido, pouco acima da crista das montanhas distantes. Lágrimas de pesar e ódio picavam de seus olhos. Tornou a contemplar o falcão que jazia indefeso em suas mãos. – Deusa Lua, me ajude – orou, pela primeira vez em anos. – Me ajude...

Uma sombra caiu sobre ele. Sobressaltado, ergueu o rosto e viu a face de Filipe Touret. O jovem ladrão olhava para ele, pálido e atordoado, com o sangue de um ferimento na cabeça escorrendo pelo pescoço. Uma corrente pendia de suas mãos presas. Será que ele também sentia essa dor no peito... como se seu coração tivesse sido arrancado por garras e esmagado?

Os olhos escuros de Filipe encheram-se de pesar e dor, ao verem a ave ferida. Quando voltou a encontrar os de Elazar, este viu algo ilegível cintilar em suas profundezas. Por um momento, pensou que o rapaz fosse dar meia-volta e fugir. No entanto Filipe permaneceu enraizado onde estava, como uma adaga atraída por um ímã.

Elazar não podia se o rapaz estava ali porque já sentia a atração entre eles e tampouco tinha tempo para preocupar-se com isso. Apoiando-se pesadamente na empunhadura da espada, conseguiu ficar de pé, com a ave aninhada na não. Estendeu o falcão para Filipe e disse, em voz enrouquecida – Tome. Vá buscar ajuda!

– Eu, senhor? — exclamou Filipe, incrédulo.

– Não tenho mais ninguém, senão você.

Filipe mordeu o lábio. – Senhor... a pobre criatura não tem chance – disse, suavemente. Elazar ignorou as palavras, mantendo-se de pé com esforço.

– Há uma abadia no topo de uma daquelas montanhas. Nela você encontrará um monge. Irmão Damastor Menjou. Entregue-lhe o falcão. Diga a ele que pertence a Elazar Bellini. Ele saberá o que fazer.

– Senhor, eu... – Filipe ergueu as mãos acorrentadas.

– Ajoelhe-se.

Elazar colocou o falcão no solo o mais delicadamente que pôde e puxou sua espada da terra. Filipe obedeceu, piscando os olhos quando o outro dividiu a pesada corrente entre seus punhos com um só golpe.

– Pegue meu cavalo e vá, rapaz. Agora!

Filipe ficou de pé e virou-se para Trovão. O garanhão murchou as orelhas e corcoveou, empinando-se sobre as patas. O rapaz saltou para longe. – Mas, senhor... – ele olhou para Elazar. — O senhor é o único que pode montá-lo, e...

Elazar gritou uma ordem furiosa para o garanhão negro e ele acalmou-se instantaneamente. Ficou esperando, de orelhas em pé. A mão livre de Elazar agarrou Filipe pelo cangote. Não resistindo esmagou os lábios juntos num beijo desesperado. – Ande, rapaz! Salve nosso companheiro.

Erguendo-o no ar, ele o colocou sobre a sela. 

Depois que Filipe ajeitou-se, Elazar estendeu-lhe o falcão, embrulhado em uma camisa que tirou dos alforjes da sela. Filipe aninhou suavemente a ave ferida na dobra de um braço e Elazar colocou as rédeas do garanhão em sua mão.

– Fique sabendo de uma coisa – disse, quando o rapaz tornou a fitá-lo – se você deixar de ir à abadia, eu o seguirei pelo resto de meus dias e o encontrarei. Então, cortarei seu corpo desgraçado em pedacinhos tão pequenos que servirão como ração para moscas! Companheiro ou não!

O rosto pálido de Filipe ficou lívido. Assentiu, com absoluta compreensão do que ouviu, e afastou-se a cavalo pelo campo aberto. Elazar levou a mão ao ombro, até o dardo que ainda sobressaía dele. Puxou-o bruscamente. Estremeceu de dor, mas seus olhos permaneceram fixos na figura que cada vez mais ia diminuindo na distância.

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olá querides,

então... a coisa complicou. será que Filipe vai conseguir encontrar o monge? espero que sim. 

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bjokas e até a próxima att. 

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