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New Chamor, 19 de dezembro de 2017
15:10
25 dias

Eu pensava que tudo se resolveria logo. Mark e Betty apareceriam de repente com um joelho ralado ou algo assim, e então tudo voltaria ao normal. Helena me arrastaria de volta para a igreja, e eu teria de assistir às apresentações para dar a minha humilde opinião. Os dias que precedem o natal passariam rápido, e então todos acordariam felizes na manhã do dia vinte e cinco, suas árvores enfeitadas entupidas de presentes ao redor. Helena me convidaria para almoçar em sua casa como sempre, juntamente com alguns outros amigos. Ficaríamos o resto do dia reunidos na sala de estar, conversando e assistindo aos programas especiais de natal na TV.

Mas nada disso vai acontecer, aparentemente. Ao invés de todos estarem pendurando luzes em suas janelas, estamos procurando na floresta.

Já faz mais de vinte e quatro horas que o garoto Mark, pelo que entendi, foi ao banheiro e nunca mais voltou. O sumiço repentino de Betty também já completou um dia inteiro. Não encontraram nada, nem mesmo uma peça de roupa, mínima que seja.

Estou com Helena e mais três homens na parte oeste da floresta que cerca a cidade. Seu marido não veio, pois está com a perna quebrada. Tenho certeza de que me sentiria mais segura com ele aqui, pois pelo menos o conheço um pouco. Estes homens aqui ao meu lado são completos desconhecidos, e seguro a mão de minha irmã para tentar me acalmar. Acho isso tudo uma péssima ideia, mas sinto que devo ajudar. Essas crianças precisam ser encontradas.

O ar congela meu nariz e faz minha boca ressecar. Ainda que esteja usando roupas térmicas apropriadas para o absurdo inverno do norte de Nebraska, tremo de frio pois o pouco calor do sol dissipa-se por entre as enormes árvores. Ainda são três da tarde e o sol vai demorar a desaparecer no horizonte, mas sinto um medo irracional de que ele de repente se apagará, nos mergulhando na total e ameaçadora escuridão.

— Se virem qualquer coisa suspeita, digam — avisa um dos homens mais uma vez. Ele resolveu se auto proclamar o líder do grupo, o macho alfa. Aparentemente, uma necessidade que os homens têm de se impor. Acho que os outros dois não entraram em luta corporal para brigar pela liderança apenas porque o "líder" é muito mais alto que eles. Poderia quebrá-los ao meio feito palitos de dente.

— Isso é ridículo — flagro a mim mesma pensando alto, deixando minhas opiniões escaparem feito um cão assim que a porta de casa é aberta. — Como pode duas pessoas desaparecerem desse jeito e não haver pista nenhuma do paradeiro? Isso só pode ser brincadeira.

Helena segura minha mão mais firmemente, tentando me avisar como é inadequado falar assim em frente aos três homens.

— Parece mesmo, mas é a realidade — diz ela para tentar reparar minha frase, como se eu tivesse dito algo errado. — Precisamos nos concentrar para tentar ajudar as famílias desesperadas.

— Nós devíamos nos separar, assim talvez achemos algo mais depressa — sugere um dos três homens de repente, e reparo melhor nele pela primeira vez. É um ruivo dos olhos azuis, que tem uma barba grande e usa roupas com estampas estilo xadrez. Parece ser forte, mas não tem exatamente músculos definidos. É a própria encarnação do estereótipo de lenhador.

— Você ficou maluco? — elevo meu tom de voz, parando de caminhar. Vejo como Helena está envergonhada, mas me recuso a ficar calada. — Nós nos separamos. Grupos de cinco, lembra? Você acha mesmo que separar mais uma vez é uma boa ideia?

— Talvez seja — diz o imaculado líder, um loiro dos olhos azuis. — Não precisamos ir muito longe uns dos outros, apenas o suficiente para encontrarmos mais coisas sem nos perder de vista.

Bufo revirando os olhos. Helena me repreende.

— Sarah, às vezes é muito difícil lidar com você. Se você não acha uma boa ideia, tudo bem. Vamos ficar juntos, mas você não precisa fazer birra que nem uma criança no supermercado.

Encaro minha irmã boquiaberta, mas sem saber o que dizer.

Droga, ela está certa. Detesto isso.

— Desculpem. Vou ficar quieta.

Volto a segurar a mão de Helena enquanto caminhamos. Percebo que um dos homens, o que não disse nada até agora, amarra alguns barbantes em galhos aleatórios. Está marcando o caminho para que saibamos por onde voltar. Sinto-me no conto de João e Maria, que espalharam pedaços de pão no caminho com o exato mesmo objetivo deste homem agora.

Mas os pedaços de pão foram comidos por pássaros, e os dois se perderam. Será que algo assim pode acontecer conosco também?

— Não — digo em voz alta quase sem perceber, mas acho que ninguém ouviu. Ou então resolveram ignorar.

Não sei dizer há quanto tempo estamos aqui, mas acho que faz menos de uma hora. Ainda assim, é tempo demais para não termos encontrado absolutamente nada. Parece até mentira. Não entra na minha cabeça como pode não haver nem sequer um fio de cabelo que revele algo do que aconteceu por aqui desde ontem.

— Será que algum outro grupo já conseguiu encontrar algo? — Helena questiona na tentativa de iniciar uma conversa. Não sei o que dizer, então deixo para os outros.

— Bem, Rick trouxe o celular para tentar se comunicar com eles, mas aqui não pega sinal — diz o Lenhador. Aparentemente, Rick é o que está amarrando os barbantes.

— Rick é esperto, temos sorte de ele estar conosco — o Líder complementa, uma leve puxada de saco. É meio suspeito, mas não digo nada sobre isso.

— Ah, é? Bem que eu percebi um pouco — comento sem intenção de parecer debochada, mas acho que acabei parecendo um pouco, sim. — E Rick não sabe falar, não? Está tão quieto.

— Sarah — Helena aperta minha mão mais uma vez, virando seus olhos arregalados para mim. — Ele é mudo.

Levo minhas mãos à boca, chocada. Me sinto péssima, um monstro.

— Meu Deus, Rick, me desculpe — tento me redimir, mas parece que ele não se importa muito. Deve ser algo recorrente em sua vida. — Eu não sabia...

Rick diz algo na linguagem de sinais que não entendo, mas que o Lenhador traduz.

— Tudo bem, ele disse que você não tem culpa.

Na verdade, tenho, sim. Não consigo deixar de me sentir um lixo de pessoa, e nós cinco ficamos em um clima extremamente constrangedor devido à minha bola fora. É terrível.

Caminhamos mais um tempo, ainda inutilmente. Agora tenho certeza de que já se passou mais de uma hora.

Estou prestes a sugerir para que voltemos quando Helena estende o braço esquerdo e aponta para longe.

— O que é aquilo?

No início não vejo nada, mas conforme nos aproximamos consigo distinguir uma construção no meio das árvores. Está em uma área mais plana, sem esses matos crescendo por todos os lados que estivemos desviando até agora. É bizarro e me dá calafrios.

Uma casinha de madeira cai aos pedaços alguns metros à nossa frente. Nós cinco nos entreolhamos assustados, sem saber o que pensar direito sobre isso.

Me recordo quase que imediatamente dos dois loucos da esquina. Sua aparição repentina na cidade, o aviso da moça para que eu ficasse em casa, dizendo que "tudo iria piorar", e então o sumiço das crianças — e deles também.

Será que estão por aqui? Será que se escondem naquela cabana, onde também levaram os meninos inocentes. Será que ainda estão vivos? Será que chegamos a tempo para resgatá-los?

Por um momento todos paramos de caminhar, sem termos certeza se devemos continuar ou não. A cabana parece ser tão velha e podre que é impossível imaginar alguém estando ali, mas nunca se sabe, não é?

Em grupo, decidimos respirar fundo e seguir em frente. Estamos nos arriscando demais, mas não podemos simplesmente ficar aqui parados.

Sinto uma brisa aumentando por trás conforme chegamos mais perto, o que me causa arrepios pelo corpo. Tenho a sensação de estar sendo observada, mas lembro a mim mesma que isso é só coisa da minha cabeça. Estou tensa, e esse tipo de situação tende sempre a ser piorada pela mente humana. Não tem nada demais acontecendo aqui.

Helena e eu estamos praticamente andando abraçadas. Não consigo ver como os homens estão se comportando, mas tenho certeza de que também estão muito assustados.

O silêncio que se segue neste instante é perturbador. Sinto vontade de gritar a plenos pulmões apenas para quebrá-lo, mas me contenho.

Chegando perto da cabana, passo as mãos pela madeira. Estou vestindo luvas, mas sei como o material está velho. Não sei há quantos anos está aqui, mas a casa já deve ter resistido a muitas tempestades e nevascas. No entanto, não acho que resistirá muito mais.

— Certo, vamos com calma — Helena toma uma atitude diante da situação, algo que nem o Líder foi capaz. Retorno aos anos de infância sendo a garotinha que se esconde sob as asas da irmã mais velha. — Nada de cada um ir para um lado, ok? Viemos todos juntos até aqui e assim vamos permanecer.

Concordamos em silêncio, procurando a entrada. Ela fica do outro lado, uma porta entreaberta que parece prestes a desmoronar ao simples toque. Passamos por ela em silêncio, tentando ao máximo não tocar em nada. Meu coração está disparado, tão apavorado que consigo ouvir o sangue pulsando freneticamente perto das minhas orelhas. Torço para não encontrar uma criança desmembrada por aqui. Eu definitivamente não preciso disso.

O único som aqui presente é o dos nossos passos, sapatos fazendo barulho em contato com o piso de madeira.

Observo o único cômodo ao redor. É um espaço amplo, possui uma cama, uma mesa com cadeiras e um grande armário num canto. Não há nenhuma pessoa por aqui além de nós cinco. Quem morava aqui aparentemente já foi embora. Pois o chão e os móveis estão empoeirados, e há teias de aranha em todos os cantos. Alguns outros bichos nojentos também tomam conta do local.

— É, não tem nada aqui — digo puxando Helena na direção da porta. — Podemos ir embora.

— Espere — diz o Líder, parado perto da cama. — Vejam isto.

Nos aproximamos de onde ele está, observando uma mancha azul no chão debaixo da janela. Parecem respingos de tinta, mas é a única coisa azul em todo este lugar. Não faz muito sentido para mim.

— É só tinta — Helena conclui, o mesmo pensamento que o meu. — Nada demais.

— Poderia ser sangue — o Lenhador comenta, mesmo que não tenha lógica.

— Mas é azul. É só tinta — Helena reforça sua linha de pensamento. — Não tem nada aqui mesmo, então vamos embora. Não conseguimos encontrar nada, e precisamos voltar.

No entanto, ouço passos ao redor da cabana.

Não preciso anunciar, pois todo o restante do meu grupo houve também. Parecem vários passos, mas nenhuma palavra. Minhas pernas enfraquecem, por um segundo perdendo sua capacidade de sustentar meu corpo. Abraço Helena com toda a força que consigo, prestes a chorar.

Não sei o que está acontecendo porque meus olhos estão fechados. Nunca senti tanto medo na minha vida, pois não sei o que esperar. Não tenho a menor ideia de quem está lá fora caminhando ao redor da cabana, não sei se são pessoas ou animais, não sei se são bons ou se estão aqui para nos fazer algum mal. Detesto não saber as coisas, porque isso me deixa apavorada.

Abro os olhos por um segundo e então sinto como se estivesse no paraíso. São só cinco pessoas de outro grupo de buscas. Meu corpo rígido se relaxa aos poucos, e então solto Helena.

Reconheço algumas das pessoas enquanto Helena e os homens vão conversar com eles. São dois homens e duas mulheres da igreja, e a moça loira rica que está aqui pelas férias. Não imaginava que alguém como ela se juntaria às buscas.

— Vocês quase nos mataram de susto! — diz uma das mulheres, e tenho vontade de mandá-la para aquele lugar. E eles fizeram o que, por acaso?

— Ah, pode acreditar que vocês também — Helena responde rindo, rindo. Não consigo acreditar no que está acontecendo.

— Que situação, não? — comenta a moça loira, com aquele jeito chique e perfeito dos ricos. — Nos encontrarmos assim.

— Não é? Vocês conseguiram encontrar alguma evidência?

Negamos com gestos de cabeça e o outro grupo faz o mesmo.

— Isso é tão triste. Vamos voltar, então.

— Ah, sim — diz o Lenhador, já tomando a frente para sair da cabana. — Nós marcamos o caminho, vai ser fácil.

— O que tem aqui nessa casinha? — pergunta um dos homens do outro grupo.

— Só móveis velhos e uma mancha de tinta — o Líder responde, passando na frente do Lenhador para mostrar-se o alfa novamente. Tão ridículo.

— Não entra na minha cabeça como não aparece nada que possa nos ajudar.

— Parece coisa de filme.

— Precisamos voltar antes que o sol se ponha, vamos logo.

E então voltamos a caminhar, nessa difícil trilha de arbustos, galhos e folhas que brotam por todos os cantos. Parece durar uma eternidade, ainda mais tempo que na vinda já que agora estamos em um número dobrado de pessoas.

Já se passaram vinte minutos e sinto que ainda não passamos da metade. Todos os outros conversam sobre coisas aleatórias, como se não estivéssemos na situação em que estamos. Sinto vontade de reclamar, mas sei que Helena iria me repreender como sempre faz.

Quase tropeço numa raiz estúpida que apareceu do nada para fora da terra em minha frente, e a chuto com raiva. Pareço uma criança birrenta, mas não ligo. Estou com raiva de estar aqui.

Então alguma coisa sai rolando debaixo da raiz que chutei, e olhando de longe não consigo identificar. Paro de andar, e os outros demoram a perceber. Me ajoelho para ver melhor o que é, ficando horrorizada ao pegar nas mãos e virar.

Estou segurando um olho. Parece humano, e me encara já sem mais poder permitir a visão do mundo ao seu dono.

O que achou do capítulo? Gostou? Comente pra eu saber, e não esqueça de votar. Até o próximo!

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