15
New Chamor, dia ???
Madrugada
Lacuna
Não me lembro de onde estava antes de chegar. Apenas sei que acordei nessa floresta úmida, mergulhada em sons de animais noturnos que, naquele momento, não soube identificar.
Não era exatamente um lugar novo, pois não faria sentido chamar assim. Afinal, eu nunca antes havia estado em outro lugar pelo que me recordava. Eu apenas me sentia perdida e com frio. Era insuportavelmente gelado até para mim.
Eu sabia, no entanto, quem eu era. Sabia meu próprio nome, minha aparência física — mesmo que fosse cega — e sabia minha ambição. Eu estava com fome e sabia o que precisava fazer a seguir.
Posso dizer que é ridículo a comparação entre a visão humana e a minha. Odeio admitir, mas nessa questão específica eu perco de dez a zero. Só conseguia me mover devido ao calor dos corpos ao meu redor, como uma cobra. Mas eu não sou cobra, sou pior. Sou uma criatura terrível, implacável, faminta e com consciência humana.
Você deve estar se perguntando o que eu sou exatamente. Eu poderia ser uma espécie desconhecida, um alienígena ou até um demônio. Bem, lamento de verdade, pois nem sequer eu mesma sei dizer.
O que importa é que naquela noite eu estava com fome, e eu precisava comer.
Surgiram alguns bichos pelo meu caminho, coelhos, gatos, alguns pássaros mais gordos. Mas não é isso que eu como. Eu queria uma pessoa. Um humano cheio de carne para alimentar minha fome física, e medos para a fome psicológica.
Rastejei-me para fora da floresta até chegar a uma rua que finalizava o bairro. Não havia ninguém lá, obviamente, era madrugada e todos dormiam.
Se em meio às árvores já não conseguia enxergar muita coisa, naquela rua estava ainda pior. Nenhum ser vivo de sangue quente estava por perto para me orientar. Tive de adivinhar por onde seguir, esbarrando em alguns objetos pelo caminho inevitavelmente. Tentei caminhar em pé, utilizando meus mebros extras a meu favor, mas mesmo assim não foi fácil chegar até minha primeira refeição da vida. Eu estava ficando louca de tanta fome, e aquele pequeno garoto chegou no momento certo.
Não sei que tipo de pai ou mãe deixaria o filho sair no meio da noite para brincar no parquinho, por isso acho que ele escapou. Pelo que pude ver nos próximos anos, a pracinha fica sempre muito cheia durante o dia, então parece que aquele menino quis aproveitar e brincar enquanto tudo estava vazio.
Foi a pior decisão de sua vida para ele, mas a melhor para mim.
Cerquei-o aos poucos sem deixar que me visse enquanto balançava para a frente e para a trás, feliz da vida. Acho que ele tinha entre nove e dez anos, e vivia seus últimos momentos sem imaginar o que estava por vir.
Aprendi uma lição valiosa naquela noite: crianças são os alvos mais fáceis de todos. Elas ficam andando por aí sem supervisão e é estupidamente simples pegá-las por trás. Fiz isso tantas vezes que já perdi a conta.
Quando adentrei a cerca que passava ao redor dos brinquedos, tive minha presença percebida. O garoto olhou para trás e me viu, mas já era tarde demais. Rastejei até ele e agarrei seu pescoço para puxá-lo até a floresta. Ele gritou, então fui forçada a apertar sua traqueia até que desmaiasse.
Mas antes que fizesse isso, no momento em que pude sentir seu olhar congelado ao dar de cara comigo e sentir mais medo que em toda a sua vida, eu me senti maravilhada. É como se ouvesse um vazio desconfortável na minha mente, que fora totalmente preenchido e saciado com o pavor daquele garotinho. Quis sentir mais daquilo, me tornei viciada naquele instante.
Quando senti que havia chegado a uma área segura suficiente para me alimentar, o garoto começou a acordar. Aos poucos seus olhos se abriram e ele tentou gritar outra vez, mas eu já passava minhas unhas em sua língua para fazê-lo parar. Mais uma vez, o vazio sendo preenchido.
O garoto tentava desesperadamente não olhar para mim, então tentei falar com ele para dizer que seria gentil e faria com que tudo fosse rápido. Mas então percebi que não conseguia. Meu corpo não permite a comunicação com os humanos. Mesmo assim, cumpri a promessa que havia feito mentalmente.
Fiz com que sua passagem fosse tranquila e indolor antes de saciar minha fome com sua carne.
Descobri tantas coisas naquela noite, e aqui vai mais uma delas. Quanto toquei os olhos daquele garoto, senti um formigamento esquisito nas mãos e, ao mesmo tempo, na parte frontal do meu rosto. No momento exato, não soube o que significava, mas logo entendi o que estava acontecendo.
Com as pontas dos dedos, levantei o globo ocular na direção do formigamento. Com a outra mão, toquei meu crânio até conseguir identificar a lacuna que pedia para ser preenchida. Encaixei o olho e de repente o formigamento se espalhou pelo restante do meu corpo. Senti meus braços e pernas deformando, e, pela primeira vez, senti dor. Ela se espalhou rapidamente me fazendo cair no chão, me debatendo. No entanto, apesar disso, logo compreendi seu propósito. Eu me levantei e, simples assim, estava dentro de um corpo humano. Pude finalmente enxergar de forma nítida tudo ao meu redor, e usei essa nova habilidade para encontrar um lugar para ficar.
Finalmente, achei esta cabana. Ela estava abandonada e precisei me apossar de alguns outros corpos até deixá-la como queria, mas tudo valeu a pena no final. Ela nunca foi encontrada e estou aqui até hoje, anos depois. Capturei mais humanos que posso me lembrar, mas apenas fiquei com os olhos de alguns deles.
Guardo todos em uma coleção no meu quarto particular, como relíquias que nenhum outro ser deve chegar perto. São os meus olhos.
Me lembro dos nomes de alguns deles. Matthew O'Connor, Lizzie Lamplugh, Carter Dahmer, e a mais importante de todas, Rachel Winter. Aquela que foi responsável por te trazer até mim, Sarah. E, agora que você está comigo, nunca mais estará com mais ninguém. Você pertence a mim agora. Sou eu quem decidirá seu futuro.
Aperto seu pescoço para que desmaie e te leve de volta ao porão. Prendo seus braços e pernas e te deixo caída inconsciente.
Ao sair da cabana, vejo a lua ficando cada vez mais cheia. O dia está chegando. Sorrio.
Levo as unhas ao rosto para arrancar o olho direito e assumir minha verdadeira forma. Sangue respinga e o olho cai onde não consigo ver, mas isso não importa agora.
Mais uma vez, completamente transformada, levo um dos meus dedos indicadores à boca e o mordo até arrancar. Então procuro um espaço vazio na terra e o enterro, deixando apenas uma parte da ponta à mostra.
Meu sangue azul jorra, mas logo cessa quando um dedo novo surge no lugar do antigo. Essa foi a última vez. Agora, tudo o que resta é esperar.
O que achou do capítulo? Gostou? Comente pra eu saber, e não esqueça de votar. Até o próximo!
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