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New Chamor, 27 de dezembro de 2017
07:21
17 dias
Ao abrir os olhos, fecho imediatamente pela sensibilidade à luz, mesmo que ela seja tão fraca quanto o meu corpo neste momento. Apenas um pequeno buraco no teto deixa passar um feche de luz que parece lutar para preencher o ambiente em que estou. Aqui cheira a terra molhada e mofo, mas sinto madeira onde estou sentada. Deve ser um porão.
— Ah, você acordou.
Olho assustada na direção da voz, de repente sendo invadida pelas minhas últimas lembranças.
Igreja, escuridão, Helena, carro, casa, choro, Rachel...
E aquela coisa.
— Ai! — minha cabeça dói, sinto os nervos pulsando.
— Tá tudo bem, é normal se sentir assim no começo.
Quem é que está falando?
Ergo os olhos mais uma vez, levando as mãos ao crânio numa tentativa desesperada de encerrar a dor que se espalha por ele e aumenta cada vez mais.
— Rachel — flagro a mim mesma chamando irracionalmente por ela. A imagem daquele ser demoníaco tomando forma em seu corpo aparece nítida, como se estivesse acontecendo agora mesmo.
— Querida, você dormiu por quase três dias completos. Eu sei que é difícil, mas tente se manter calma, tudo bem? — tento mais uma vez olhar na direção da voz, e agora consigo perceber a figura de uma mulher. Ela está sentada como eu, a uns três metros de distância talvez, mas suas mãos estão presas a correntes que saem da parede.
Ela está acorrentada...
Meu pânico sofre a gota d'água que precisava para transbordar quando mexo os braços e sinto o metal frio sobre meus pulsos. Não consigo me levantar, mas suspeito que meus pés também estejam presos. Grito e chacoalho meu corpo, jogando todo o desespero para fora.
— Eu entendo seus sentimentos, mas não vai adiantar nada gritar. Estamos longe da cidade. Apenas ela sabe como nos encontrar. Ninguém vai te ouvir.
Ouço mais de um suspiro de frustração, e assim percebo que há mais pessoas por aqui, pelo menos três além da mulher e eu.
Tento me manter calma para falar.
— Quem são vocês?
— Vítimas — diz uma voz masculina. — Alimento. Carne.
— Não diga esse tipo de coisa numa situação como esta! — a mulher repreende quem quer que tenha sido o autor da frase. — Ah, mas por falar nisso, você deve estar com fome. Veja, ela deixou um prato e um copo d'água ao seu lado hoje mais cedo. Você pode confiar e se alimentar, ok?
Deixo minha cabeça pender para os lados até encontrar um prato com coisas que não sei identificar muito bem, mas sei que agora não posso me dar ao luxo de ficar escolhendo o que vou comer. Com dificuldade, coloco o prato sobre meu colo e devoro tudo em menos tempo que imaginei. Em seguida bebo a água do copo como se fosse um ouro líquido dos deuses.
Assim que esvazio tudo, coloco os objetos de volta onde estavam quando peguei. Pisco algumas vezes para deixar a vista se acostumar com o ambiente mal iluminado. Me vejo num quarto sem nenhuma mobília, com chão e paredes de madeira. No teto, terra e o que parecem algumas raízes aparecendo em alguns cantos. Definitivamente um porão mal construído. Não sei como tudo ainda não desabou.
No canto em que estou, não há mais ninguém. Na parede oposta, a mulher que falou comigo se encontra ao lado de uma porta de metal que deve estar trancada a sete chaves. Nas outras paredes, três homens se encontram na mesma situação; um deles dorme — ao menos, parece dormir. Talvez esteja morto.
— Quer me explicar o que está acontecendo? — pergunto com os olhos vidrados diretamente na mulher, a única aqui que parece querer conversar.
— Ah, meu bem... sua vida acabou. É basicamente isso.
Não falo nada. Quero que ela continue falando.
— Bom, se você está aqui é porque ela permitiu que você visse a forma original. Não preciso explicar muita coisa, eu acho.
— Ela, quem? Rachel? Por que você não diz o nome?
A mulher suspira, mas sei que não é de frustração comigo.
— A Rachel que você pensa ter conhecido está morta. Aquela mulher loira que se apresentou como Rachel não é a verdadeira. Ela foi a última pessoa que você viu antes de vir pra cá, certo?
Faço que sim com a cabeça, desviando o olhar.
— E eu imagino que você tenha percebido como ela arrancou um dos olhos e se transformou naquilo, certo?
Não faço nenhuma afirmação agora, mas ela sabe que sim.
— Eu não sei como ela faz isso, mas sei que ela engana muito bem. Foi isso que fez com todos nós — a mulher ergue os braços até onde pode, indicando com um gesto os homens aprisionados. — Ela nos enganou, entrou nas nossas mentes com um disfarce, e então nos trouxe aqui.
— Ela... quem? — pergunto mais uma vez, já impaciente.
— A Lacuna — diz um dos homens em sua segunda participação na conversa.
Olho rapidamente para ele, e em seguida de volta para a mulher. Ela concorda gestuando com a cabeça.
— Esse é o nome dela? Lacuna?
— Pelo que entendemos, sim.
Nunca estive tão confusa na vida. Nem meus sonhos mais bizarros e mirabolantes teriam uma história como esta.
— E o que ela é?
A mulher dá de ombros. Sua reação de quem não se importa me irrita.
— Ninguém sabe. Um demônio, um ser de outra dimensão... meu irmão teria dito que era um alienígena.
De repente, outro estalo de memórias invade minha mente.
O homem e a mulher da esquina da igreja tentaram me alertar sobre um acordo maligno envolvendo alienígenas e o governo. Me lembro das vozes deles, e consigo reconhecer agora...
Forço meus olhos a prestarem mais atenção nos detalhes físicos da mulher. Tem cabelos longos trançados, e sua pele escura possui manchas mais claras de vitiligo.
— Eu conheço você — afirmo com convicção. Ela sorri, mas sem muita vontade.
— Demorou pra perceber, hein?
— Como você sabia?!
— Eu não sabia de nada. Apenas entrei na onda de brisas do meu irmão, que tinha plena certeza de um fim do mundo envolvendo seres extraterrestres. É estranho pensar que, de certa forma, ele poderia estar certo...
— Ele era eu irmão de verdade? — deixo a pergunta escapar antes que possa avaliar se é apropriada ou não. Ela ri.
— Por quê? Porque ele era branco?
Sinto minhas bochechas esquentarem. Talvez realmente não tenha sido uma pergunta apropriada. Mas então percebo como ela sutilmente usou o passado para se referir a ele.
— Era? Ele...
— Ele era meu irmão apenas por parte de mãe, e, sim. Ele era. A Lacuna fez o favor de tirar ele de mim.
Ah. Não sei o que dizer.
— Eu... sinto muito.
— Tudo bem. Aliás, meu nome é Lilith. E o seu?
— Sarah.
Não sei o que acontece, mas quando digo meu nome em voz alta pareço finalmente me dar conta de que tenho uma vida fora daqui, uma vida da qual fui tirada há três dias.
Helena não sabe onde estou. Eu não sei onde ela está.
Então aqueles impulsos de pavor que tomavam conta do meu corpo até agora há pouco retornam com tudo, como se a barreira de uma represa se rompesse e suas águas fossem libertas sem controle algum sobre toda uma cidade. Mais uma vez me contorço de um lado para o outro, tentando me livrar das correntes como um bicho sem inteligência alguma.
Grito o nome de Helena inúmeras vezes, sentindo meu rosto ficando quente e úmido devido às lágrimas. Quero sair daqui. Quero ir embora, quero voltar para a minha vida.
— Silêncio! — um dos homens grita, visivelmente irritado. — Você vai deixar ela com raiva! Ela vai descontar em todos nós!
— Cala a boca, sua puta! — berra um dos outros. Lilith permanece quieta.
Então, o barulho de batidas na porta de metal ecoa pelo cômodo. Todos nos calamos imediatamente.
— Será que eu vou precisar entrar aí? — diz alto uma voz revoltada.
É a voz de Rachel.
Não, Rachel não existe. É a voz dela. A voz da Lacuna.
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