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New Chamor, 18 de dezembro de 2017
13:58
26 dias

Pessoalmente, eu não poderia me importar menos com o natal. Não tenho nada contra, mas também nada a favor. Claro, é legal ver as pessoas felizes e animadas, eu acho, mas não consigo ver nada demais nesse dia. É só mais um feriado.

Quando criança eu costumava gostar; lógico, crianças ganham presentes e doces, como ter algo contra o natal sendo uma? Mas eu cresci e me tornei uma adulta amargurada, e nessa última semana antes do fatídico dia eu só queria ficar em casa, bebendo meu chocolate quente em frente à televisão, passando horas escolhendo algum filme para ver. Era esse o meu plano, mas minha querida irmã veio hoje mais cedo com o único propósito de arruiná-lo.

— Precisamos de você! — anunciou assim que abri a porta, sem nem me cumprimentar.

— Ah, bom dia pra você também.

Helena entrou já pendurando seu casaco no cabideiro da entrada, balançado o cabelo enorme que antes se escondia por debaixo da touca.

— Que feio, achou que ia se esconder de mim?

— Eu queria muito acreditar que sim.

Eu sabia bem porquê ela tinha vindo. O pessoal da igreja estava preparando as apresentações natalinas e eu precisava ajudar. Claro que precisava.

— Bem, você não vai. Pode pegar suas coisas e me acompanhar.

— Helena, eu...

— Você não é muito de comemorar o natal, eu sei. Mas por que você não finge que é, sei lá, junho? Fica mais fácil assim, não?

Precisei rir daquilo, levando as mãos ao rosto. Eu odeio como Helena sempre consegue uma solução para tudo.

— Certo, eu vou. Mas se ficarem olhando pra mim o tempo todo, eu vou embora! — avisei deixando bem claro que estava falando sério.

— Eles não vão. Prometo — então ela voltou à porta de entrada e vestiu seu casaco para sair. — Vou esperar você se arrumar, tudo bem? Você já sabe caminhar sozinha nas ruas.

Ela piscou com um olho em deboche, como sempre faz para me irritar. Desliguei a TV e troquei de roupa. Agora estou criando coragem para sair e encarar o frio, que também detesto.

Bem, já que não tenho mais como voltar atrás sem chatear Helena, o jeito é me animar e ajudar as criancinhas a entrarem em suas fantasias de Papai Noel, ou seja lá o que eles fazem nesses preparativos para a apresentação da igreja. Não compareço a nenhuma desde que me formei no ensino médio.

Me lembro que, mesmo gostando de acordar no dia 25 com a árvore cheia de presentes quando criança, eu nunca participava das apresentações. Não gostava de aparecer em público, e continuo não gostando. Só de pensar em dar as caras por lá já tenho calafrios.

Sei como é essa gente de cidade pequena. Não acontece muita coisa por aqui, então as pessoas precisam procurar assuntos para falar sobre. Geralmente eu sou o assunto, quando resolvo sair de casa depois de alguns dias trancafiada. Não preciso prestar atenção nas conversas ao meu redor, quando saio na rua, para saber que estão falando de mim.

Olhe como está magra, parece que não come há dias, devem comentar. Ou então, parece até um vampiro, nunca sai de casa. Sei que falam esse tipo de coisa sobre mim, e sei também que não posso me ofender, pois é tudo verdade.

Helena diz que não, que é tudo coisa da minha cabeça. Mas, de novo, eu sei como essa gente é. Principalmente as senhoras idosas, que tentam desesperadamente arrumar algo que as entretenha nessa tediosa e minúscula cidade do interior. Digo isso porque elas não têm vergonha na cara, sempre falam tudo diretamente a mim, sem poupar detalhes. Chegam perguntando se estou bem, por que sumi, por que não tenho amigos, esse tipo de coisa. Acho que, conforme a idade vai avançando, as pessoas perdem o senso. Deve ser isso, pois as senhorinhas daqui não têm nenhum.

Sempre que saio na rua também corro o risco de alguém querer parar para conversar comigo e não saber a hora de encerrar o assunto. Uma vez fiquei cerca de quarenta minutos parada na calçada, ouvindo uma antiga colega de escola falar sem parar sobre seus filhos. Tentei demonstrar o quanto não me importava, mas ela não percebeu. Quase uma hora do meu dia jogada no lixo.

Ah, tem também os homens desesperados por sexo. Tão desesperados que até recorrem a mim. Coitados, mal sabem. Eles tentam puxar assunto sempre que apareço, mesmo sendo ignorados todas as vezes. Acho que não percebem que eu não gosto de homens, e, se percebem, tentam fingir que não é verdade. Pessoas como eu não são muito bem aceitas em cidadezinhas religiosas.

A realidade é que eu não tenho motivo algum para me submeter voluntariamente a essas situações. Nem motivo, nem vontade. Mas hoje eu decidi fazer um esforço, pela Helena. É apenas por ela que estou saindo de casa para lidar com criancinhas o dia todo.

Ajeito minha touca mais uma vez para não correr o risco de ela sair voando com o vento e abro a porta. Está realmente muito frio, mas pelo menos não neva. O chão ainda está todo branco das nevascas de ultimamente, mas o importante é que o céu hoje acordou limpo.

Enquanto faço o caminho curto até a igreja, já atraio olhares da vizinhança. Um homem que limpa a entrada da própria garagem com uma pá, cujo nome não consigo me lembrar, levanta o braço e acena me dizendo bom dia. Retribuo com um sorriso forçado. A filha adolescente dos Marshall, acho que seu nome é Eadlyn ou Evelyn, passa de bicicleta, lutando para fazer as rodas girarem no chão coberto de neve. Ela me diz oi, eu digo oi de volta. Bem, até agora nem foi tão ruim.

Quando dobro a esquina que leva até a avenida principal, a densidade de pessoas começa a aumentar. Caminho com as mãos no bolso, lutando contra a vontade de baixar a cabeça pois sei que, se fizer isso, vou atrair mais atenção. Mais pessoas passam por mim dizendo bom dia, e tenho que dizer de volta a cada uma delas. É cansativo.

Já cheguei na avenida, e agora fica mais difícil caminhar sem esbarrar nas pessoas. As lojas estão lotadas, cheias de gente querendo garantir os melhores presentes aos filhos, ou as melhores decorações para os seus quintais. Falta exatamente uma semana para o natal, mas aparentemente nunca é tarde demais para tentar garantir ainda mais compras.

Estou passando em frente a uma loja de roupas quando alguém sai de dentro dela e esbarra comigo. A mulher, que reconheço como a Sra. Russell está cheia de sacolas nas mãos, mas não cobrindo sua visão. Não sei como ela não me viu.

— Ah, me perdoe, eu estou tão distraída ultimamente — ela ri fazendo um "ho, ho" esquisito. Sinto como se estivesse conversando com o Papai Noel.

— Tudo bem, essas coisas acontecem.

Tento continuar meu caminho, mas a Sra. Russell aparentemente quer conversar.

— Como está Helena? Não tenho visto ela essa semana.

É só segunda feira, penso, mas não digo nada.

— Ah, ela está ocupada com os negócios da igreja.

— Puxa vida, queria tanto poder ajudar também, mas este ano não posso! Harold quer visitar nossos filhos no Michigan, está tudo um caos lá em casa. Vamos partir em breve e mal começamos a arrumar nossas malas.

Ah, que legal. Muito bom saber disso.

— Michigan? É longe, hein? — comento fingindo interesse.

— Sim, por isso queremos ir logo. Mande abraços pra sua irmã, sim? — finalmente.

— Pode deixar.

Duvido que eu me lembre dos abraços.

Helena vai reclamar que eu demorei, mas não tenho culpa de as pessoas aqui gostarem tanto de conversar na rua. Caminho mais rápido para evitar que aconteça de novo.

Após um tempo, percebo que as pessoas que vêm pela minha frente comentam coisas parecidas umas com as outras.

— Doidos — ouço uma senhorinha dizer.

— Malucos. Precisam encontrar Jesus — responde a outra.

Loucos, alienados, uma blasfêmia.

Me pergunto o que está acontecendo, mas já encontro a resposta. Na esquina da igreja, um homem e uma mulher gritam coisas como "o Governo nos manipula!", "eles planejam o nosso fim!". Só vi esse tipo de coisa acontecendo em filmes.

A mulher parece cansada, exausta, mas permanece em pé no seu objetivo. Tem a pele escura como a minha, mas percebo algumas partes mais claras em seu pescoço. Deve ter vitiligo. O homem é branco e tem olhos claros, mas não sei distinguir se são azuis ou verdes.

Ambos vestem roupas azul marinho, dos pés à cabeça, e distribuem panfletos a quem deseja pegar um. No caso, ninguém.

Eles parecem realmente loucos, mas resolvo me aproximar para dar uma olhada. Não é todo dia que acontece algo do tipo por aqui, preciso aproveitar estes poucos minutos de puro entretenimento. Me aproximo e deixo que o homem me entregue um dos panfletos, que contém informações sobre como o Governo planeja reduzir a população através de uma guerra biológica. Eles são bem feitos, parecem profissionais. Os dois devem ter gastado um bom dinheiro neles.

— Deixe-me ver suas mãos — diz a mulher, despejando seus panfletos aos do homem e segurando minha mão direita. Ela tira minha luva delicadamente e examina minha palma e dedos.

Enquanto ela passa seus dedos por cada linha que percorre minha pele, fico me perguntando como é que esse tipo de coisa serve para saber informações sobre uma pessoa. Não faz muito sentindo, mas eles dois não parecem ser muito sãos. Portanto, relevo.

— Você me parece ter a mete muito aberta, mas não se permite aceitar isso. Fique bem atenta, porque logo, logo, vai precisar.

Ela segura minhas mãos juntas por um tempo antes de soltar.

— Eles querem nos fazer acreditar que são do bem, mas não são! — diz o homem de repente, com raiva em seu tom de voz. — Nós sabemos de seus experimentos, sabemos do acordo que fizeram com os alienígenas!

— Alienígenas?

— Sim, minha querida — a mulher complementa, delicada em seu modo de falar. Os dois parecem opostos. — Vocês precisam acreditar, precisam abrir os olhos. Não saiam de casa nas próximas semanas, pois tudo vai piorar.

— Certo... olha, eu preciso ir, tudo bem? — me afasto aos poucos, aliviada quando percebo que esses malucos não vão me seguir.

— Vá direto pra casa! — a mulher grita especificamente para mim. — Tranque as portas, não saia! Feche as janelas, não olhe para fora!

Parece um marketing exagerado daquele filme sobre criaturas que fazem as pessoas se matarem quando as olham. Não consigo simplesmente não achar graça, e rio nos poucos metros que me separam da igreja.

Helena está no pátio, um vasto gramado que agora está completamente branco. Provavelmente foi uma decisão dos membros da igreja deixa-la ali ao invés de limpar, para compor o cenário natalino. Não posso negar que houve capricho, pois está tudo muito lindo. Minha irmã pendura enfeites na parte mais baixa do famigerado pinheiro, enquanto alguns outros mais corajosos sobem em escadas para preencher o topo.

Geralmente o pinheiro, que deve ter uns sessenta anos, é enfeitado logo no início de dezembro, mas neste ano, por algum motivo que desconheço, a igreja resolveu dar mais ênfase às outras decorações. Dessa vez, as outras árvores dos arredores também receberam luzes coloridas que piscam, coisa que nunca aconteceu. Elas sempre ficavam ali, aleatórias, sem nenhum destaque no mínimo dois meses ao ano. Há também a casinha de palha que sempre fazem, representando o local em que Jesus nasceu, e agora está composta por alguns elementos extras. Essa decoração, em particular, eu acho feia e brega, mas não existe maneira de se agradar a todos.

Já atraindo olhares assim como na rua, me aproximo de Helena e vejo seu sorriso debochado que diz "viu só? Por acaso você morreu vindo pra cá?".

— Sarah, você chegou bem na hora — diz ela pendurando sua última bolinha dourada em um galho para vir até mim. — Precisamos de alguém pra opinar.

— Opinar?

Ela me guia para dentro da igreja, que está muito mais agradável do que o ar livre. O notável trabalho do aquecedor em nos manter quentes aqui faz eu me sentir dentro de um micro-ondas.

— Sim, precisamos da opinião de alguém que ainda não viu as apresentações.

— Ah — não consigo dizer mais nada. Foi para isso que eu vim? Ficar sentada observando um bando de crianças fingirem que sabem cantar e tocar instrumentos?

— Oh, que bom que veio, querida, sente-se — diz uma senhorinha que aparece de repente ao meu lado com seus agasalhos de tricô. Ela me posiciona num dos bancos da primeira fileira ao lado de uma mulher que não sei o nome, pois conheço apenas de vista. — Vamos lá, pequenos, em seus lugares!

Inúmeras crianças, e alguns adolescentes também, sentam-se em suas cadeiras no palco de madeira usado todos os anos, cuja idade deve ser maior até que a minha. Não sei como ainda não apodreceu.

A mesma senhorinha que surgiu agora há pouco conta até três e acena com os braços para que eles comecem. Duas garotinhas tocam algumas notas no violino antes de serem interrompidas.

— Esperem! Onde está o garoto? Aonde foi o Mark?

Todos eles olham ao redor, mas não há resposta.

— Ele deveria estar aqui para fazer a introdução! — a senhorinha está bem irritada. Volta seu olhar para mim e a moça ao meu lado, já se dirigindo ao lado de fora da igreja. — Com licença, senhoritas, volto logo.

A moça e eu nos encaramos confusas. Me lembro vagamente dela, é uma dessas empresárias de cidade grande que vêm passar as férias neste tipo de fim de mundo, já esteve aqui alguns outros verões ou invernos.

— Você ficou sabendo do que aconteceu semana passada? — ela comenta quando já desviei o olhar. — Agora eu fiquei preocupada com esse tal de Mark.

— Não. O que aconteceu?

— Ouvi dizer que uma menina saiu de casa pra brincar e não voltou mais. Aqui mesmo em New chamor.

E que moral você tem pra ficar espalhando esse tipo de boatos?, penso. Você nem mora aqui.

Fico quieta. Não quero ser grossa.

— Se fosse verdade, eu já estaria sabendo. As pessoas aqui adoram fofocar.

Olho novamente para o palco e já não há mais ninguém sentado ali. Todos saíram para procurar Mark. A moça se levanta também, mas eu resolvo permanecer. Não deve ser nada, e o garoto vai aparecer logo com um joelho ralado ou algo assim.

Já se passaram dez minutos e nada aconteceu. Me levanto decidida a ir procurar também, um aperto esquisito crescendo no peito. Não conheço o menino Mark, mas sinto que devo me juntar aos outros para encontrá-lo logo.

Sinto arrepios na espinha quando Helena entra de repente na igreja com uma expressão aflita que não lembro de ter visto há muito tempo.

— Vamos para a minha casa — ela diz segurando meu pulso e nos guiando para fora. — Outra criança sumiu.

O que achou do capítulo? Gostou? Comente pra eu saber, e não esqueça de votar. Até o próximo!

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