capítulo 9
Três dias se passaram e nada parecia mudar. Ninguém mais conversava, ninguém mais sequer se via com a mesma frequência.
Sem sucesso, Leslie tentava conter o choro. Afundada no travesseiro, não conseguia parar de pensar em seu irmão. Estava com raiva por ele ter morrido, mas mais ainda com raiva de si mesma por ter deixado acontecer.
Burra, burra, repetia ela para si mesma, você é uma burra, Leslie. Você deixou ele ir...
Também chorava ao lembrar-se das palavras de seu irmão, alguns dias antes de sua morte:
Se algo acontecer comigo, você não precisa se desesperar.
Ele tinha avisado. E ela não percebeu.
Gritou no travesseiro utilizando de todas aa suas forças. Agarrou-o com suas unhas compridas e, se levantando num pulo, o jogou contra a parede. Nada muito grande aconteceu. Leslie ficou frustrada.
— Ai, eu... — a garota agarrou seus cabelos, andando de um lado para o outro em seu quarto. Parecia completamente louca.
Quando seus olhos alcançaram sua escrivaninha, num impulso ela agarrou alguns de seus lápis de cor que ficavam em um pote aramado e, um a um, quebrou suas pontas batendo-os na parede com força. Gritava de frustração, raiva e luto. Uma mistura de emoções nada agradável de se presenciar.
Quando não havia mais lápis para serem destruídos, a garota observou a parede em sua frente. Um rosa pastel agora coberto por pontinhos de várias outras cores. Não seria fácil de remover as manchas, mas Leslie não se importava. Só o que queria era descontar o que sentia de uma maneira física.
Virou seu rosto para o lado, permitindo a visão da janela. O jardim florido que aos poucos se transformava em areia geralmente era simplesmente lindo de se ver. Principalmente ao pôr do sol, que desaparecia no horizonte dando a impressão de entrar no mar. Seus últimos raios de luz do dia entrando em contato com a natureza paradisíaca da ilha era um espetáculo todos os dias.
Mas não naquele. O sol estava coberto por nuvens escuras e seus raios não tocavam o solo com o brilho dourado convencional. O dia estava feio, monótono e sem emoção alguma. Assim como Leslie.
— Eu odeio esse lugar! — ela gritou, caminhando até seu closet. — Eu quero sair daqui!
Leslie arrancou suas camisetas e moletons dos cabides, amontoando-os na cama. Suas calças também, logo ao lado. Seu rosto, braços e pernas estavam vermelhos. Passava a impressão de que estava, literalmente, prestes a explodir.
— Eu odeio essa ilha! É uma maldição viver aqui!
Seus gritos eram para si mesma, e a garota nem percebia que outras pessoas poderiam escutar. Se percebesse, não se importaria. Nada mais importava.
O que ela queria era colocar todas as suas roupas em uma mala. Mas então percebeu: não tinha nenhuma mala. Por que teria uma, se jamais precisaria?
Aquilo a irritou ainda mais.
E ela começou a gritar de novo.
Era impossível que ninguém ali por perto ouvisse.
— Tá tudo bem aí?
Guilherme passava no corredor e ouviu. Chegou perto da porta para falar, mas sem entrar. Leslie olhou para a porta com raiva.
A voz de Guilherme era idêntica à de Tom. Parecia ser ele bem ali, mas ela sabia que não era.
— Tá! Vai embora!
Guilherme baixou a cabeça, sentido. Não soube o que fazer naquele momento.
Relutante, virou-se na direção que estava indo e seguiu seu caminho.
Leslie desceu para almoçar, mas não falou com ninguém. Comeu pouco e, assim que terminou, logo subiu de volta ao quarto. Ninguém sabia o que dizer ou fazer. Uma nuvem de constrangimento e desunião pairava por ali.
Os planos da garota eram de passar o restante do dia no quarto. Mas, quando novamente parou em frente à janela, pensou que poderia ser diferente.
Ela se aproximou do vidro que a separava do mundo lá fora e encostou seu rosto nele. Sua respiração quente formou um círculo embaçado na camada transparente.
— Meu irmão sempre seguiu todas as regras e está morto — ela observou o aglomerado de árvores que existia ali perto, o início de uma floresta não habitada, e estritamente proibida. — Isso já me diz muita coisa.
Respirando fundo, ela guardou suas roupas de volta no closet. Fez isso de forma lenta, tentando acalmar seu corpo e sua mente. Também apontou os lápis de cor cujas pontas havia destruído e os colocou de volta onde estavam.
Arrancou uma folha de papel de um de seus cadernos e nela escreveu em letras grandes: "Me deixem sozinha". Colou alguns pedaços de fita no verso e foi até a porta do quarto. Abriu-a e fixou o recado do lado de fora. Antes de fechá-la, olhou ao redor para verificar se não havia ninguém por ali. Fechou a porta.
Em seguida retornou ao closet, escolhendo uma de suas botas que aguentaria desbravar terrenos sujos de terra e folhas de árvores murchas. Escolheu uma que já não usava tanto, de cor cinza desbotada. O zíper do pé esquerdo já tinha até caído.
Ela também trocou suas roupas por outras de cores escuras. Passou em sua pele um filtro solar e um repelente para insetos.
Quando se sentiu pronta, olhou-se no grande espelho de parede que havia em seu quarto. O que via era uma garota fraca e insegura, mas tentou convencer a si mesma de que não era sua real forma ali. Ela pegou um prendedor de cabelo e o amarrou em um rabo de cavalo. Estava pronta.
A parte mais difícil seria passar desapercebida do quarto até o jardim. Não sabia onde estavam todas as outras pessoas da casa, portanto precisaria ser cuidadosa.
Abriu a porta e olhou para os dois lados do corredor. Não havia ninguém por ali. Então ela saiu do quarto, olhou novamente ao redor e fechou a porta silenciosamente. Seu coração acelerado denunciava a tensão que fingia não sentir.
Deu alguns passos na direção da escada e então decidiu parar e tirar as botas. Faziam muito barulho, e ela não podia chamar atenção.
Desceu as escadas em pulinhos silenciosos ao perceber que não havia ninguém na sala. Só precisava tomar cuidado para não ser vista por Sara, que tinha sentidos muito apurados. Não seria fácil.
Ao pisar no último degrau, Leslie se agachou atrás do maior sofá da sala de estar, rastejando e se esforçando para não levantar involuntariamente. Ela respirava ofegante, sua pressão prestes a despencar. Ser pega naquele momento não seria nada bom.
E então ela conseguiu sair pela porta. Se escondeu no meio das moitas e caminhou para longe, dando pulinhos de felicidade.
Tinha conseguido sair da mansão. Estava prestes a ir onde jamais deveria. E sentia-se muito extasiada com isso.
— Consegui!
Leslie não sabia de onde tinha tirado tal coragem. Temia se dar mal caso fosse descoberta, mas, se seguisse o plano que havia traçado, não teria como nada dar errado.
O mais importante era não perder a hora. Leslie precisava ficar atenta ao tempo.
Mais alguns passos olhando para trás foram necessários para que Leslie se certificasse de que havia dado tudo certo. Ela então virou-se completamente para a frente e correu, adentrando em meio às árvores.
Ela nunca tinha estado ali. Nunca, em sua vida, tinha ido tão longe. Seu coração trabalhava a todo o vapor, revelando a mistura de emoções — positivas desta vez — que habitava em seu corpo.
Ela passou as mãos nos troncos das árvores, sentindo texturas que nunca antes havia experienciado. Arrancou folhas das árvores para compará-las com as murchas que se espalhavam pelo chão. Sorriu ao presenciar de perto o ciclo da vida. Pela primeira vez em três dias, suas lágrimas não eram de tristeza. Ela estava feliz.
Leslie passou algumas horas ali, acariciando a grama e a terra e respirando o ar puro e úmido do terreno. Não foi muito mais longe de onde havia pisado pela primeira vez; não queria se perder. Teve sorte de que não começou a chover. Não tinha planejado o que faria caso isso acontecesse.
Em certo momento olhou para o sol e calculou mentalmente qual seria a hora naquele momento. Percebeu que deveria voltar.
Relutante, ela se levantou. Bateu em suas roupas para tirar as folhas e a grama que haviam grudado no tecido. Ela refez o caminho anterior e logo pôde avistar a mansão. Não havia ninguém no jardim, nem nas janelas. O tempo estava ameaçando chuva, e ninguém na casa queria se molhar.
Exceto Leslie, que, naquele momento, desejava experienciar várias coisas; mas não podia.
Com o mesmo cuidado de algumas horas atrás, ela retornou tentando não ser percebida. Tirou as botas antes de entrar e tomou cuidado para não deixar nenhum rastro de sujeira no caminho.
A ida até o quarto pareceu ter durado uma eternidade. No corredor, ela percebeu que a porta do quarto de Tom estava aberta. Ignorou. Seguiu em frente.
Tentou não pensar mais naquilo. Falhou.
Foi tomar um banho, e a imagem do irmão, que desaparecera nas horas em que esteve fora, voltou a dominar sua mente.
Ela saiu do banho, trocou de roupa e tentou pensar em outra coisa. Não conseguiu.
Leslie saiu de seu quartopara ir ao de Tom.
O que achou do capítulo? Gostou? Comente pra eu saber, e não esqueça de votar. Até o próximo!
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top