capítulo 25
— Rafaela, precisamos conversar.
Leslie puxou a colega de quarto para um canto do corredor em que não havia ninguém. Olhou para o lado algumas vezes antes de falar, deixando a garota confusa a respeito.
— Desculpa, é que... eu preciso saber mais sobre aquela menina que você me falou. Eu preciso... eu quero — Leslie tentava escolher as palavras certas. — Eu acho que ela pode ser minha irmã, sim.
Rafaela sorriu com o canto da boca, como se dissesse "Viu? Eu sabia, eu estava certa".
— O nome dela é Raissa, e é exatamente igual a você — respondeu Rafaela, e pegou numa mecha do cabelo de Leslie. — Mas o cabelo dela é mais curto, só isso.
— Você estuda com ela?
— Não, ela é de outra sala — Rafaela se sentou no corredor encostada na parede, e puxou Leslie para fazer o mesmo. — Mas acho que ela vai mudar de colégio no ano que vem.
— O quê? — Leslie se decepcionou com aquela frase. Viu todas as chances que tinha de conhecer sua suposta irmã gêmea perdida voando embora com o vento. — Por quê?
— Eu estava passando pelo pátio do colégio uns dias atrás e ouvi ela comentando com alguns amigos que estava super feliz por ter conseguido uma bolsa de estudos na... eu não lembro o nome do colégio, mas acho que ela não desperdiçaria uma chance de estudar em colégio particular, né? Ainda mais sendo do jeito que ela é...
Leslie percebeu um toque de antipatia na fala de Rafaela.
— Como assim? De que jeito ela é?
Rafaela revirou os olhos e pôs a língua para fora.
— A Raissa é meio... arrogante demais. Mas sei lá, talvez ela seja uma pessoa legal, é que eu nunca falei com ela — Rafaela se levantou e novamente puxou Leslie para fazer o mesmo. — Acho que eu e ela não conseguiríamos ser amigas, entende? Existem pessoas que não servem pra isso.
— Entendi — disse Leslie, mesmo não tendo realmente entendido. Em sua concepção, qualquer pessoa poderia ser amiga de qualquer pessoa. — A Júlia e a Anna estudam com você?
— Não, elas têm 16 anos. Estão no segundo ano. Vem, vamos voltar pro quarto.
— Então eu vou estudar com você no ano que vem?
Rafaela sorriu para Leslie.
— Acho que sim. Tomara, né?
Leslie passou as semanas seguintes pensando na garota misteriosa que se parecia com ela — e que agora sabia se chamar Raissa. Pensava no que poderia ter acontecido para que ela ficasse em Curitiba.
Será que foi roubada? Será que foi abandonada?
Leslie também pensava estar louca. Às vezes pensava que era apenas coincidência, que a garota era apenas uma sósia.
Mas, por outro lado, Leslie queria que Raissa fosse sua irmã. Ela sempre fora a única garota de quatro irmãos gêmeos, e, por mais que fosse muito amiga dos três, sempre se perguntava como seria se um deles fosse uma garota como ela. Idêntica a ela. Quando criança, chegou a perguntar para Sara o porquê de ela ser a única menina.
— Ah, querida, você não vê? — respondera Sara carinhosamente, dando-lhe um beijo na testa. — É exatamente por isso que você é única.
E também havia isso. Havia Sara, e a dor enorme que Leslie sentia todos os dias, quando tudo o que mais queria era um abraço aconchegante de sua babá, de sua amiga. Mas não poderia fazer isso. Nunca mais.
Não só Sara, mas também Tom. Leslie sentia-se profundamente arrasada com a sua perda, mesmo tanto tempo depois. Quando sua morte completou um mês, Leslie chegou a pensar como havia aguentado tanto tempo.
E ela o via. Via nos corredores, no espelho do banheiro, no refeitório, no jardim, nos seus sonhos. Via Tom e sabia que não era Alex ou Guilherme, pois era ele, ou qualquer coisa que tivesse a forma física dele.
Além do cansaço emocional que sentia por tudo isso, Leslie agora também estava exausta mentalmente. As provas haviam começado, e estavam ficando cada vez mais difíceis.
Ela havia pedido ajuda a Guilherme, que sabia ser o irmão mais inteligente, mas suas aulas não adiantaram muito, e Leslie continuou se sentindo burra.
Sabia que Guilherme poderia muito bem conseguir uma bolsa de estudos no melhor colégio particular de Curitiba, se quisesse, mas não faria isso para estar ao lado dos irmãos na nova fase que suas vidas estavam entrando.
Num dia de dezembro, faltando poucos dias para o primeiro Natal dos irmãos fora da ilha, Leslie dormiu após o almoço e acordou com batidas na porta do quarto. Ficou confusa ao ver que estava sozinha ali, e então se levantou e abriu a porta.
— A gente vai sair! — disse Alex, completamente animado, vestindo suas melhores roupas e acompanhado de Guilherme e Gustavo. — Se arruma, vamos logo!
— O quê? Sair pra onde?
— O Gustavo disse que vai levar a gente pro shopping — disse Guilherme, tentando conter seu entusiasmo. — É aqui perto, vamos logo, Leslie!
— Ah. Ok. Espera aí.
Leslie fechou a porta e pulou feliz pelo quarto. Desde que chegaram ao orfanato, ela e os irmãos só haviam saído para o enterro de Sara e para fazer as infinitas provas. Leslie mal podia acreditar que finalmente iria para um shopping de verdade, se divertir de verdade.
Ela rapidamente vestiu sua calça jeans branca favorita, uma camisa rosa e seu All Star também rosa, pegou a quantia de dinheiro que achou necessária, feliz por ter realmente pego o dinheiro da mesada que recebeu na ilha por alguns anos — mas que nunca pôde realmente usar, já que jamais saía de lá —, e abriu a porta para ir.
— Vocês trouxeram dinheiro da... — Leslie teria dito a palavra "ilha", mas se calou ao ver Gustavo. — Da nossa antiga casa? Né?
Alex e Guilherme responderam que sim. Gustavo havia dito aos dois que não tinha nenhum dinheiro, mas não se importava, pois o que ele queria era apenas alegrar o dia dos três amigos. Eles, o entanto, insistiram em pagá-lo ao menos um sorvete, e Gustavo aceitou.
Os quatro então foram até a sala de Sofia pedir a ela para que abrisse o portão.
— Divirtam-se! E não desapareçam! — disse ela enquanto se afastavam.
— Eu nem acredito que isso tá acontecendo— disse Leslie, quase saltitando pela rua.
— A gente tem sorte que o shopping fica a duas quadras daqui — disse Gustavo. — Senão a Sofia jamais iria deixar.
— Você, Gustavo, é um anjo — disse Alex, também quase não se contendo de tanta alegria. — Acho que eu já estava quase sufocando lá dentro.
Poucos minutos depois, os quatro já estavam em frente ao shopping Jardim das Américas, uma construção tão enorme que Leslie e seus irmãos quase se perderam na vista.
— Uau — disse ela. — Eu estou... encantada. Você já veio aqui, Gustavo?
— Já — respondeu Gustavo. — Quer dizer, só duas vezes, mas já. Vem gente, vamos entrar!
Gustavo puxou o braço de Alex, que puxou o de Guilherme, que puxou o de Leslie, e os quatro finalmente entraram.
Haviam tantas lojas, restaurantes e outras coisas lá dentro que seria impossível visitar tudo naquela única tarde. A arquitetura do shopping era muito bonita, e a decoração mais ainda. Era quase um palácio para quem nunca havia estado lá.
— Então — disse Gustavo, com um sorriso debochado no rosto ao ver os queixos caídos dos amigos. — Aonde vamos primeiro?
Boquiaberta, Leslie respondeu:
— Qualquer lugar que você nos levar vai ser perfeito, Gustavo.
Gustavo sorriu alegre, e os puxou novamente para caminhar pelo lugar. Eles andaram por um tempo até chegar em uma loja com fliperamas e outros jogos de mesa.
— Vamos jogar um pouco? — disse Gustavo, e obteve respostas afirmativas.
Os quatro entraram e jogaram vários tipos de jogos até enjoar, o que levou ainda bastante tempo. Após saírem daquela loja, ficaram olhando a vitrine de lojas de roupa, calçados, livrarias, e até lojas de eletrodomésticos. Após entrarem e saírem de inúmeras lojas apenas para dar uma olhada, resolveram comer alguma coisa. Então voltaram a dar voltas pelo shopping até acharem uma sorveteria.
Cada um comprou um sorvete de casquinha, e então foram se sentar em um banco ali perto.
— Esse é o melhor dia da minha vida, gente — disse Leslie.
— Sim. O meu também — concordou Alex, tentando lamber seu sorvete, que estava derretendo. — Valeu, Gustavo.
— De nada, gente. Eu também adorei essa tarde.
— Alguém vem comigo ali nessa loja, depois? — Leslie apontou para uma loja de roupas em frente a eles. — Eu estou vendo umas blusinhas maravilhosas daqui. Vamos, Guilherme?
— Ah, tudo bem — Guilherme concordou, e, após os dois terminarem seus sorvetes, foram até a loja.
— Qual você acha que combina mais comigo? — Leslie segurava duas blusas, uma branca e outra rosa bebê.
— A rosa — respondeu Guilherme, rindo. — Sempre a rosa.
Leslie se virou animada e foi até o provador. Guilherme começou a andar pela loja, observando as inúmeras roupas que haviam lá. Em certo momento, viu a irmã em outra sessão, olhando algumas calças. Confuso, foi até ela para perguntar se ela não havia provado a blusa rosa.
— Achei que você estava no provador, você não ia...
Ele parou de falar quando a garota se virou e Guilherme percebeu que ela não era Leslie.
— Desculpe? — ela disse confusa. — Quem é você?
Guilherme franziu a testa, ainda mais confuso que a garota.
— Você é a minha irmã?
— O que é isso? — ela agora parecia irritada. — Eu, hein. Sai pra lá, nem tenho irmão.
A garota revirou os olhos, se virou e caminhou para longe. Boquiaberto, Guilherme não acreditou no que viu. Ele correu até os provadores, e chegou no momento em que Leslie saía de um deles.
— Eu amei! Olha só! Acho que vou comprar, sim, e ali tem outras...
Guilherme tampou a boca de Leslie, ofegante.
— Leslie, eu vi ela! Ela estava aqui, a garota que se parece com você.
Leslie arregalou os olhos e afastou a mão de Guilherme da sua boca.
— A Raissa?
Leslie olhou ao redor desesperada, sem saber se aquilo realmente estava acontecendo. Afinal, seria coincidência demais ela e sua suposta irmã gêmea perdida estarem bem ali, no mesmo local e no mesmo horário.
— Onde? Guilherme, cadê ela?
— Lá, olha — Guilherme apontou para um dos cantos da loja. — Ali, olhando as calças jeans.
— Segura — Leslie entregou seu celular a Guilherme e andou rápido até onde o irmão disse ter visto Raissa.
Não havia muitas pessoas por lá, e, após examinar cada ser humano que ali estava, Leslie constatou que Raissa ainda havia ido embora. Ela então voltou para perto de Guilherme e pegou seu celular de volta.
— Como ela era?
— Hã... — Guilherme apontou com o dedo para o espelho de um dos provadores. — Assim. Juro. Acho que agora eu não tenho mais dúvida nenhuma de que essa menina é a nossa irmã perdida.
Leslie olhou fixamente para o espelho, mil e uma coisas se passando pela sua cabeça. Segurou na mão do irmão e o puxou mais para perto de si.
— Eu acho que nunca tinha reparado, mas... — disse ela, ainda olhando para o espelho. — A gente também se parece bastante, né?
— É. Acho que sim. Leslie, olha aqui pra mim — Guilherme tocou o rosto da irmã e o virou para que ela o enxergasse. — O que você acha disso? O que você pensa sobre essa menina?
— Eu... eu não sei dizer — Leslie olhou as horas no seu celular e soltou a mão de Guilherme. — Acho que já tá na hora de ir, né? Vou me trocar. E... comprar essa blusinha maravilhosa.
Gustavo, Leslie, Alex e Guilherme aguardavam os carros passarem para que pudessem atravessar a rua, no típico trânsito de final de tarde. A multidão também estava na calçada, a pé e com bicicletas, num tumulto até leve naquele dia, se comparado com outros. Leslie não parava de falar na sua nova blusinha linda e maravilhosa, e os garotos já não aguentavam mais.
Guilherme, distraído olhando para o nada, demorou a perceber que estava sendo observado. Quando focou seus olhos no homem que o via de longe, quase teve um ataque do coração ao perceber quem era. Era ele, e estava ali.
Anton Puckett sorriu ao perceber que Guilherme retornou seu olhar, e então começou a acenar. Guilherme, de olhos arregalados e sem palavras, quase teria ficado para trás na rua se Alex não o tivesse puxado quando finalmente alguns carros permitiram a passada dos pedestres.
— Terra chamando Guilherme — disse Alex enquanto puxava o braço do irmão. — Eu, hein, parece que viu um fantasma.
O que Guilherme tinha visto não era um fantasma, mas sem dúvida era muito pior.
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