capítulo 22
— Muito bem, chega de segredos, não é? — disse Vera, agora com roupas completamente amarelas no lugar das vermelhas, incluindo a sua bolsa e brincos. Ela estava reunida com Alex, Guilherme e Leslie em uma sala, ao redor de uma grande mesa. — Eu fui encarregada de buscá-los da ilha e contá-los sobre tudo.
Leslie, que estava no meio dos irmãos, procurou suas mãos e as segurou, como uma forma de demonstrar que, apesar de tudo, os três continuariam juntos.
— Vamos do começo, e espero que vocês não fiquem em choque. O avô de vocês, Anton Puckett, é um criminoso.
Ninguém disse nada, mas os irmãos se entreolharam angustiados. Então todas as suposições eram reais.
Os corações de ambos, de Leslie principalmente, batiam tão fortes que pareciam máquinas. Eles olharam para o rosto sem emoções aparentes de Vera, esperando que ela continuasse.
— Sendo assim, não podemos permitir que vocês continuem vivendo com ele. Ainda mais isolados em uma ilha particular, que é algo que me encabula muito desde que eu fiquei sabendo. A história de vida de vocês é muito grave, e está nos dando um trabalho enorme.
— Então a gente vai... — disse Alex, hesitante, e ainda sem soltar a mão da irmã. — pra um orfanato?
— Infelizmente, sim — respondeu Vera, esboçando uma leve tristeza no rosto antes sem expressão alguma. — Arthur nos disse não ter condições de adotá-los, e Sara... bem, eu já vou chegar no assunto sobre ela.
O último comentário fez os irmãos ficarem mais apreensivos ainda, e apertavam suas mãos cada vez mais forte.
— Bem, Anton no momento está foragido. Pode ser que ele ainda esteja na ilha, mas não conseguimos encontrá-lo lá. Se ele fugiu em um submarino, é provável que tenha ido para a Argentina, o que levaria quase quarenta horas, ou para algum país da África, o que levaria mais ou menos três dias. Fuga por helicóptero é uma hipótese descartada, pois com certeza teríamos visto. Então é provável que ele ainda esteja fugindo.
— Mas por que ele fugiria? — perguntou Guilherme. — Quais são os crimes que ele cometeu?
— Vocês três são muito novos, mas eu preciso que vocês sejam fortes, tudo bem? — após ver os três concordarem com a cabeça, Vera respirou fundo, deu uma pausa rápida e prosseguiu. — Anton está sendo acusado de assassinar o irmão de vocês, Thomas. E... nas buscas por ele pela ilha, encontramos o corpo de Sara jogado em um local mais ou menos próximo à mansão.
Leslie imediatamente soltou as mãos de seus irmãos e as levou aos seus olhos, com os cotovelos apoiados na mesa, e chorou desesperadamente, enquanto Alex permaneceu boquiaberto, em choque e sem acreditar no que ouvira.
Guilherme se levantou e cobriu a boca com as mãos. Vera entendeu o que estava acontecendo e levantou-se para pegar a lata de lixo da sala, em que o garoto vomitou assim que segurou.
Leslie gritava escandalosamente, e Vera se sentiu na obrigação de fazer algo para acalmá-la. Foi até ela e segurou seu ombro num sinal de apoio.
— Tudo bem, tudo bem — disse ela, sem saber ao certo o que dizer. — O importante é que vocês estão bem.
— Não, não tá tudo bem! — gritou Leslie, e empurrou Vera para longe de si. — Como eu posso viver num mundo sem o Tom, e agora sem a Sara? Eu perdi as pessoas mais importantes da minha vida em menos de uma semana, e também agora eu descubro que meu vô é um psicopata?!
— Eu sinto muito por vocês terem que passar por isso, sinto muito mesmo — disse Vera, e voltou para o lugar em que estava antes e ajeitou alguns papéis em sua bolsa. — Uma boa notícia é que felizmente conseguiram vagas para vocês três em um orfanato só. Não vai ser nenhuma mansão luxuosa, mas pelo menos vocês vão ficar juntos — ela se levantou e foi até a porta. — Agora, por favor, me sigam. Você está bem? — perguntou a Guilherme novamente se aproximando dele, que acenou com a cabeça limpou sua boca com as mãos e se desculpou, colocando a lata de lixo de volta no chão.
Vera ficou parada ao lado da porta, observando os outros dois se levantarem. Alex se levantou rapidamente, ainda sem expressão alguma no rosto, como alguém que acabara de ver um fantasma. Leslie parecia meio tonta, então Guilherme foi ajudá-la a se levantar.
Querendo ou não, o destino, por mais cruel que fosse, já havia batido à porta dos irmãos, e precisava ser encarado. Ambos teriam que dar adeus à mansão luxuosa onde passaram todos os anos de sua vida, com o maior conforto e praticidade que alguém poderia ter.
Além de dar adeus às coisas materiais que dificilmente teriam posse novamente, também teriam que dar adeus a Sara, e não havia se passado nem ao menos uma semana completa depois de Tom...
— Venham, vamos até o carro — Vera pacientemente conduzia Alex, Guilherme e Leslie para fora da delegacia após ambos almoçarem, ali mesmo, um lanche fast food. Ela queria levar os irmãos para o orfanato o mais rápido possível, pois tinha consciência do quão difícil era conseguir três vagas de uma vez só, e elas poderiam ser preenchidas por outros órfãos a qualquer momento.
— Mas a gente não tem nenhum outro parente? — perguntou Guilherme no caminho, todos já dentro do carro percorrendo as ruas movimentadas, com tantos carros e pessoas aglomerados que chegava a causar tontura nos trigêmeos. — Um tio, tia... outro vô? Ninguém?
— Olhe, não conseguiram o contato de ninguém da família de vocês, pelo que me foi dito — Vera suspirou. Estava ansiosa para chegar logo, pois realmente temia que aquelas preciosas vagas pudessem ser preenchidas a qualquer segundo. Ela olhava para o motorista ao seu lado o tempo todo, como se esperasse que ele fizesse o caro criar asas. — Mas vamos continuar tentando. Mesmo assim, é de extrema importância que cheguemos logo ao orfanato.
Vera disse a última frase estendendo a duração das palavras, novamente olhando ao motorista, que nem se abalou. O trânsito era comum para ele, e com certeza lidava com muitos apressados todos os dias.
— Afinal — continuou ela após um tempo. —, imagino que nenhum de vocês queira se separar, certo?
Os três engoliram em seco.
Após um tempo, o carro chegou em uma grande avenida, e, se antes já haviam carros por todos os lados, em uma avenida era mil vezes pior. Com isso, Leslie se endireitou no seu lugar e observou as grandes lojas que haviam do seu lado direito. Ela cutucou Alex, que estava no meio dos dois irmãos, e apontou com a cabeça para a janela. Haviam inúmeras concessionárias, restaurantes, postos de gasolina, e infinitas outras lojas diversas.
Alex então cutucou Guilherme, que olhou para o seu lado esquerdo, também composto por tudo aquilo que havia no lado direito da avenida.
Além dos lados, também observaram o que estava acima deles: passaram por baixo de inúmeros viadutos e passarelas, onde seus habitantes circulavam após o almoço para voltarem aos seus trabalhos.
Curitiba enfrentava um dia quente e ensolarado, que poderia até ser típico de verão, mesmo que estivesse na primavera. Certamente lá era mais calor que na ilha, mesmo que ficasse apenas alguns graus geograficamente localizado mais para perto da linha do Equador. E, ainda que ambos os locais ficassem nas zonas subtropicais no planeta, nos últimos tempos estavam passando por dias mais quentes que o comum.
Infelizmente os três irmãos não estavam preparados para isso. Já que desde pequenos ouviam dos adultos histórias de sobre como Curitiba era fria, e que era possível quase congelar ao sair e casa pela manhã, ambos usavam no corpo roupas de frio: calças jeans, camisetas grossas e casacos, que foram imediatamente tirados na primeira oportunidade. E, mesmo com o ar-condicionado do carro ligado, o calor ainda era muito forte, e os três já não viam a hora de chegar ao destino e poder trocar de roupa.
O orfanato era muito maior do que parecia ser. Ao descer do carro e observar aquela enorme construção, os irmãos tiveram uma enorme quebra de expectativa. Imaginavam um lugar pequeno, sujo e caindo aos pedaços. Antes mesmo de chegar, já podiam ver os ratos e baratas andando livremente pelo chão.
Mas não havia ratos, não havia baratas. Havia um vasto gramado, com árvores de todos os tamanhos, flores, moitas e pedras que enfeitavam o jardim. O portão era grande, de cor preto fosco — com certeza pintado muito recentemente —, e com vários ornamentos agradáveis à vista.
Vera se aproximou e tocou a campainha, logo atraindo a atenção das crianças que brincavam no jardim: bebês de mais ou menos dois anos em sua maioria, com algumas crianças um pouco mais velhas, e voluntários que aninhavam ou davam de mamar a recém-nascidos.
Leslie, Alex e Guilherme não puderam deixar de sentir pena daquelas pessoinhas tão novas, mas que já estavam ali, sem uma família. Claro, eles tinham uns os outros, mas claramente não era a mesma coisa. Algumas crianças brincavam jutas, alegres, mas haviam outras perdidas, sozinhas, tristes e isoladas em seus cantos, em cenas de cortar o coração.
Uma voluntária chegou de repente para atender Vera.
— Boa tarde, tudo bem? — disse ela. — Posso ajudar?
— Boa, tarde. Preciso falar com a diretora, por favor.
— Claro, pode entrar. — a moça tirou do bolso um molho de chaves e abriu o portão, indicando Vera e os irmãos para entrar. Ela observou os três adolescentes com olhares aflitos, e se virou para Vera após trancar o portão novamente. — É para preencher vagas? Os três ali?
Vera Suspirou, novamente pensando e relembrando tudo o que aqueles três já haviam passado.
— Sim.
— Bem, esperem aqui, vou chamar a diretora. Quer dizer, acho que ela está na ala dos adolescentes, bem onde vocês precisam ir, então podem vir comigo.
Vera e os três irmãos então acompanharam a voluntário pelo vasto jardim do orfanato Santa Bárbara, até entrarem, de fato, dentro dele, e caminharem por alguns corredores e pátios internos até chegarem a uma espécie de sala de estar, onde a diretora do orfanato falava com um jovem casal, que aparentemente estava ali para adotar um adolescente.
— Olá, Sofia, desculpe interromper — disse a voluntária, tocando levemente o ombro da diretora. — Chegaram alguns novos órfãos para preencher vagas.
Aquela palavra, órfãos, aparentemente tão inocente, causou uma sensação horrível em Leslie, Alex e Guilherme. Foi naquele momento em que finalmente perceberam que estava tudo acabado. Que agora eles viveriam em meio a órfãos. Não só isso, eles seriam órfãos. Naquele momento, a sensação que tinham era de que nada jamais poderia piorar. Para que isso acontecesse era preciso ir diretamente para o inferno; só assim as coisas poderiam piorar.
— Sim, Laura, só um momento — respondeu a diretora Sofia gentilmente. — Eu já vou chamar o Gabriel, tudo bem? Vocês podem esperar aqui um minuto, eu preciso cuidar de algumas coisas agora — disse ela ao casal, que concordou e sentou-se no grande sofá de couro sintético.
— Me acompanhem, por favor — disse Sofia, desta vez para Vera e os irmãos, que seguiram caminho atrás dela.
No caminho até a sala da diretora, passaram por alguns adolescentes moradores do orfanato, que olhavam de uma maneira nem um pouco acolhedora para eles. Todos, no entanto, cumprimentavam Sofia gentilmente, que parecia ser muito querida por todos ali.
— Bem, aqui estamos. Vocês podem se sentar aqui.
Sofia indicou as cadeiras à frente da sua mesa e se sentou, abrindo uma gaveta e retirando documentos a seres preenchidos.
— Bom ver você de novo, Vera — disse Sofia carinhosamente ao ajeitar todos os papeis em cima da mesa. — Como vai?
— Vou bem, obrigada — respondeu Vera com um sorriso, e os irmãos se perguntaram como e por que as duas já se conheciam, e aparentemente eram amigas. — Como vão as coisas por aqui?
Os irmãos pensaram subitamente em duas possibilidades: ou as duas eram amigas de infância, pois, apesar de algumas diferenças físicas, ambas pareciam ter exatamente a mesma idade, ou então Vera em algum momento de sua vida teve um filho e, por algum motivo, levou-o até o orfanato.
Seja qual fosse o motivo da amizade das duas mulheres, elas conversavam tranquilamente sobre coisas do dia a dia, o que de certa forma aliviou um pouco do clima pesado do local — ao menos para Vera, pois os irmãos se sentiam constrangidos por não participarem da conversa.
— Mulher, você não faz ideia do desespero que eu passei vindo pra cá — disse Vera, com uma mão no peito e a outra em cima da mesa, inclinando-se para frente com os olhos bem abertos, indicando seu desespero. — Achei que não teria mais vagas, e aí o que eu ia fazer com eles aqui? Imagina? Que horror...
— Ah, Vera, quanto drama — respondeu Sofia com um sorriso e balançando a cabeça. — Aqui a gente não tem problemas com vagas na área dos adolescentes, não tem muitos aqui — ela apontou para a porta com o dedo. — Viram aquele casal lá na sala? Vieram adotar um. Por mais que as crianças sejam mais... preferíveis, muitos adolescentes são adotados também. Não se preocupem com isso, vocês três.
— Adotam adolescentes, mas quem é que vai querer três de uma vez só? — cochichou Alex para Leslie e Guilherme.
— Bem, vamos tratar de preencher isto aqui, e depois eu vou levar vocês até o quarto, ok?
Sofia pegou uma caneta e começou a escrever. Algum tempo depois, já estava tudo pronto, e Vera se levantou para se despedir dos três irmãos.
— Sinto muito por tudo o que vocês passaram, e espero que vocês sejam felizes aqui — disse ela, e abraçou um por um. — Eu ainda vou continuar cuidando do seu caso, ok? Isso não é um adeus.
Vera esboçou um sorriso, mas os irmãos acharam tanta graça.
— E o conselho tutelar? — perguntou Leslie. — Não vai fazer nada?
Vera sorriu novamente.
— Eu trabalho no conselho tutelar.
Leslie não respondeu, apenas deu de ombros e se preparou para seguir Sofia até o quarto.
— Eu vou continuar cuidando do caso de vocês até que tudo seja encerrado de fato. Então, até outro dia. Tchau, e cuidem-se.
Vera virou-se e caminhou até a entrada do orfanato, deixando os irmãos sozinhos na nova vida que precisariam enfrentar.
— Muito bem, vejo que vocês já estão com suas malas — disse Sofia, virando-se para os irmãos e observando suas bagagens. — Venham comigo.
Ela saiu da sala e caminhou pelos corredores até chegar no primeiro quarto. Bateu à porta e em seguida abriu-a.
— Com licença, Gustavo, tudo bem? A gente pode entrar?
De dentro do quarto, um garoto de mesma idade dos irmãos respondeu:
— Tudo bem, Sofia, entra.
Sofia entrou no quarto e indicou com a cabeça para que Alex e Guilherme entrassem.
— Leslie, fique aí um momento, e depois eu te levo para o seu quarto, ok?
Leslie arregalou os olhos, assustada.
— Eu não vou poder ficar com os meus irmãos? — perguntou ela, sem acreditar.
Sofia foi até ela e respondeu baixo:
— Nós não deixamos garotos e garotas no mesmo quarto porque... coisas acontecem — disse ela, e notou um constrangimento pela parte de Leslie. — Não que isso não aconteça em quartos com apenas meninos e em quartos com apenas meninas, mas acontece... menos. E evita possíveis gravidezes, nós não queremos isso, certo?
— Mas — respondeu Leslie. — eles são meus irmãos.
— Eu sei, querida, mas é uma regra. Temos que cumprir. Enfim — Sofia voltou para o quarto. — Alex, Guilherme, esse é o Gustavo, vocês vão dividir o quarto com ele.
Gustavo, um garoto loiro, de olhos verdes e muito magro, sorriu e acenou para eles. Parecia muito feliz em não precisar mais ficar sozinho ali.
— Gustavo, você pode explicar algumas coisas para eles? Sobre a rotina aqui, e tudo mais — pediu Sofia, e então se virou para Leslie. — Vamos ao seu quarto agora.
Sofia novamente começou a caminhar pelos corredores, com Leslie sozinha atrás. Ela estava aterrorizada com a ideia de ficar cercada de outras meninas desconhecidas no quarto.
Quando as duas chegaram, o coração de Leslie parecia querer explodir, e suas mãos suavam tanto que ela mal conseguia puxar sua mala sem escorregar. Sofia novamente bateu à porta e perguntou se podia entrar. Após ouvir algumas meninas responderem que sim, ela abriu e entrou.
— Olá, meninas, tudo bem? Essa é a Leslie, ela vai ficar aqui com vocês.
As três meninas que estavam no quarto ficaram boquiabertas, aparentemente muito chocadas com a presença de Leslie. Sofia, inconformada após não receber nenhuma resposta, disse:
— Vocês não vão dizer nada?
— Não, desculpa — disse uma das meninas, que tinha cabelo longo e crespo, olhos marrom-claro e pele negra. —, é que... a... como é o nome dela, mesmo?
— Leslie — respondeu Leslie.
— Isso, desculpa — continuou a menina. — É que ela parece muito uma garota lá da escola. Mas enfim, oi Leslie!
— Oi.
— Muito bem, vocês podem explicar a rotina do orfanato a ela, por favor?
— Claro — respondeu a mesma menina.
— Então, ótimo! Leslie, se precisar de alguma coisa é só ir até a minha sala e falar, tá bom?
— Tá bom. Obrigada.
E então Sofia saiu do quarto e fechou a porta, deixando Leslie, pela primeira vez em muito tempo, sozinha com pessoas que não eram seus irmãos.
O que achou do capítulo? Gostou? Comente pra eu saber, e não esqueça de votar. Até o próximo!
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