capítulo 21
— Abram a porta! Tem alguém neste cômodo? — berravam os policiais na frente de cada porta fechada que havia na mansão, até que finalmente obtiveram resposta por trás de uma delas.
— Quem é?
— É a polícia, ordenando que você abra a porta!
Arthur olhou desconfiado para trás, onde estavam Alex, Guilherme e Leslie, e os viu dar de ombros e balançar a cabeça. Nenhum deles estava entendendo coisa alguma do que estava acontecendo, Arthur não soube explicar.
No entanto, todos eles ouviram dois estouros extremamente altos alguns minutos antes, e sabiam que algo ruim estava acontecendo.
— Abra essa porta agora ou vamos arrombar! — insistiu novamente a voz do outro lado da porta, e Arthur tomou a súbita decisão de confiar e obedecer.
— Anton Puckett está aqui?
Vários homens vasculhavam o quarto de Arthur, procurando qualquer brecha, mínima que fosse, onde seria possível alguém se esconder.
Os três irmãos, em choque com aquela cena — pois, além de policiais estarem aparentemente caçando seu avô, ambos jamais tinham visto tantos seres humanos reunidos em um cômodo —, se abraçavam em um dos quatro cantos do quarto, torcendo para que aquilo não passasse de um sonho muito bizarro.
— Anton não está aqui — disse um dos policiais ao seu walkie-talkie, e ao mesmo tempo para a sua esquipe que o acompanhava no quarto de Arthur, acenando para que todos saíssem. — Procurem por toda essa mansão!
Arthur andou rápido até onde os irmãos estavam, a fim de tentar acalma-los. Mas não conseguiu dizer nada, pois fora interrompido por uma mulher de terno e calça social vermelhos que entrara no quarto. Também usava salto-altos vermelhos, combinando com o restante de sua roupa. Não era, no entanto, um vermelho vivo, cor de sangue, era um tom de vermelho mais escuro, mais profissional. Seu cabelo loiro platinado caía para os dois lados de seu rosto, como cachoeiras opostas, mas curtas, pois terminavam ao chegar nos ombros.
A mulher era uns dez anos mais nova que Anton, mas não aparentava ser o tipo de pessoa que se deixa abalar pela idade.
— Que bom que encontramos vocês — disse ela quase sem demonstrar emoção alguma. — Fico feliz que Anton Puckett não tenha cortado a garganta ninguém.
Sua última frase causou espanto a Leslie e seus irmãos. Apesar de já desconfiarem, ainda era um choque imaginar algo do tipo.
— Perdão pelo transtorno, mas é necessário no momento — continuou a mulher, a única além de Sara que os irmãos Puckett já tinham visto. — Meu nome é Vera, e nós precisamos conversar.
— Podem se sentar, fiquem à vontade.
Todos estavam agora na sala de jantar da mansão, sentados assustados ao redor da mesa, e esperando que Vera esclarecesse tudo.
— Preciso pedir perdão pelo transtorno dos policiais aqui, mas isto realmente é algo inevitável, então... bem, muitas coisas aconteceram hoje. Muitas coisas, mesmo. Queria poder dizer tudo a vocês agora, mas eu não posso. Perdão pelo choque repentino, mas todos vocês precisarão retornar ao Brasil ainda hoje.
Um choque coletivo realmente se espalhou após aquela revelação. Arthur apenas se perguntou o porquê daquilo, mas os irmãos quase desmaiaram uns nos outros.
— Já é noite, e a viagem de helicóptero dura aproximadamente sete horas, então não precisa ser imediatamente. Na verdade, estamos ainda verificando algumas coisas aqui na ilha, então provavelmente nós sairemos daqui a duas horas.
— Como assim? — perguntou Leslie, estupefata ainda com a revelação. — Por que a gente vai ter que... sair?
— Olha, minha querida, eu entendo o motivo da sua preocupação. Você viveu a vida toda aqui, mas chegou a hora de ir embora. Juro a vocês que amanhã explicaremos tudo.
Vera acenou para alguns policiais que estavam parados ali perto.
— Vocês todos podem subir aos quartos para fazer as malas, e eles aqui vão acompanhá-los. Peguem somente algumas roupas, e talvez alguns outros objetos que vocês considerem... como eu posso dizer? Algumas coisas com valor emocional, certo? — Vera suspirou, tirou os óculos e esfregou os olhos. Em seguida os colocou de volta e continuou. — Olha, eu sinto muito que vocês estejam passando por isso, sinto muito mesmo. Mas agora não existe outra maneira para se lidar com tudo. Podem ir, façam suas malas e depois retornem para cá. Vocês têm malas, né?
Os três irmãos e Arthur balançaram a cabeça concordando, e então subiram aos seus quartos, cada um acompanhado de um policial.
Meia hora depois, todos já estavam de volta ao primeiro andar, prontos para partir e se despedir de seu local de moradia durante quinze anos — todos os de suas vidas.
— Eu... eu nem sei o que dizer — Leslie fora a última a descer. Ela se sentou ao lado de Alex, que tinha Guilherme adormecido em seu ombro. — Como é que ele conseguiu dormir com isso tudo acontecendo?
— Eu sei lá — respondeu Alex, com a voz trêmula. — Geralmente seria eu quem estaria capotado. Você acha que isso tem alguma coisa a ver com o Tom?
Sua pergunta foi mais um teste para ver a reação da irmã. Conseguiu perceber um desconforto da parte dela, como se escondesse alguma informação — o que era verdade.
— Não sei — mentiu Leslie. Ela afundou as costas no sofá e desejou nunca mais levantar. — Mas eu sei que alguma coisa ruim aconteceu.
— Isso, com certeza
Uma hora e alguns minutos haviam se passado, mas poderia muito bem ter sido dias também. Guilherme ainda dormia profundamente, e Leslie pegara no sono algumas vezes, mas não conseguiu mantê-lo por muito tempo.
Em certo momento Alex ergueu a cabeça rapidamente e olhou ao redor ao perceber algo óbvio — mas que ainda não havia percebido. Cutucou Leslie com o ombro, e, assustado, perguntou a ela:
— Cadê a Sara?
— Ela já voltou?
— Sim, eu vi ela conversando com o Arthur antes, e então ela... foi pra fora.
Os dois irmãos se olharam arregalados.
— Não — disse Leslie ao perceber que Alex pensava o mesmo. — Não, ela tá bem. Ela está bem.
Leslie direcionou seu olhar a Vera, que ainda estava sentada à mesa da sala de jantar, e ouvia um dos inúmeros policiais dizer algo em seu ouvido. Ela arregalou os olhos, e rapidamente disse algo de volta, mas o policial apenas fez que "não" com a cabeça. Vera se levantou e foi até os irmãos e Arthur.
— Muito bem — disse ela, mais animada do que deveria. — Hora de ir.
— Eu não acredito nisso — disse Leslie tentando conter as lágrimas, abraçada a Alex em frente ao helicóptero. — O que foi que aconteceu?
— Calma, vai ficar tudo bem — disse Alex afagando os cabelos da irmã. — Guilherme — sussurrou ele, acenando com a cabeça para que o irmão visse ajuda-lo a consolar Leslie.
Guilherme foi de encontro aos irmãos, colocou sua mala no chão e iniciou um abraço triplo com eles.
— Vai ficar tudo bem, Leslie, eu prometo — disse ele, mesmo não tendo certeza de nada. — Eles vão nos contar tudo o que tá acontecendo, e aí a gente vai poder voltar a viver normalmente.
— Não! — gritou Leslie, e se afastou. — Não vai ficar tudo bem! A gente não sabe o que aconteceu com o vô, não sabe o que aconteceu com a Sara, e... e o Tom...
Leslie tentou não cair em prantos, mas falhou.
Comovido, Guilherme foi até ela e a abraçou novamente, fazendo a irmã cair em seus braços, quase sem força nenhuma.
— Todos nós sentimos muita falta dele, Leslie — disse Alex, chegando perto. — Mas a gente tem que seguir frente, tem que entender que isso é o melhor a se fazer.
— Sim, é verdade — complementou Guilherme, segurando Leslie pelos ombros e colocando para trás a franja comprida que caía sobre o rosto da irmã. — Se for pra gente se mudar, a gente vai fazer isso. E o Tom, seja lá... onde... ele estiver, vai ficar muito feliz em nos ver felizes.
Leslie secou suas lágrimas em meio a soluços descontrolados. Então pegou sua mala, andou até o helicóptero e não disse mais nada.
Não era possível observar o oceano àquela hora da noite. Com certeza a vista era magnífica durante o dia, mas era impossível olhar para baixo e ver o azul do mar. Mal conseguiram ver a ilha se afastando.
Talvez um aviso do Universo sobre os tempos obscuros que estavam por vir.
As sete longas e intermináveis horas finalmente estavam acabando, e os três irmãos Puckett, já acordados, sentiram calafrios ao observar a cidade sob eles. Eles estavam ali, sobre o maior pedaço de terra firme que já tinham visto, extremamente apavorados com toda a situação.
— Não é o retorno triunfal que a gente merecia, mas serve — disse Alex animado, na tentativa de quebrar o clima pesado, mas ninguém esboçou sequer uma reação positiva, e Alex se calou imediatamente.
Quando o helicóptero pousou e os irmãos entraram em um carro para irem até a delegacia de Curitiba, separaram-se de Arthur, que foi acompanhado por Vera em outro carro. Eles ficaram calados o tempo todo, mas seus olhos revelavam exatamente aquilo que suas bocas não eram capazes de expressar em palavras, e ambos se entendiam apenas com isso.
Quando chegaram as sete horas da manhã, Arthur, Alex, Guilherme e Leslie começaram a ser chamados para a sala de depoimento. Lá foi dito a cada um deles que o assunto era a morte de Thomas, e que deveriam dizer tudo o que se lembravam sobre o dia da morte, e os dias que o sucederam e antecederam.
Não lhes foi dito, porém, que Anton era um suspeito muito forte sobre a morte do garoto, mesmo que todos imaginassem, pois isso poderia comprometer os depoimentos.
No final de tudo, todos tiveram informações relevantes para a investigação.
Quando perguntados sobre a reação de Anton para com a morte do neto, Leslie, Alex e Guilherme disseram não se lembrar de muita coisa, pois quase não o viram depois que tudo aconteceu. Já Arthur teve muito mais detalhes para contar.
— Ele foi muito... seco, eu acho. Não parecia estar muito abalado. Quer dizer, ele até chorou no enterro do menino, mas foi só isso — ele fez uma pausa para pensar, e então prosseguiu. — Ele teve um comportamento muito estranho logo depois de acharmos o Tom já sem vida. Tipo, ele logo quis se livrar do corpo, encomendou um caixão em menos de uma hora... Também já parecia pressupor que tinha sido um suicídio, quando poderia muito bem ter sido pela leucemia. Eu sinto que foi ele que encontrou o corpo do Tom, e não Sara. Mas aí ele devia ter disfarçado as coisas por algum motivo.
Leslie foi chamada logo após Arthur, pensando que não seria capaz de dizer uma palavra sequer. Mas, assim que começou a falar, continuou sem mais medo algum.
— Você, como irmã mais próxima do Thomas, acha que ele seria realmente capaz de tirar a própria vida?
Ela hesitou por um instante, pensativa e cabisbaixa.
— Sinceramente... não. Ele me disse muitas vezes que estava com medo do que estava acontecendo com ele, que ele não queria morrer... quer dizer, ele pareceu ter superado em um momento. Me disse que eu não precisava ficar triste se algo acontecesse com ele — Leslie levou as mãos aos olhos, e parou de falar por um instante. — Desculpa, é que faz tão pouco tempo que tudo aconteceu.
— Não se preocupe com isso, Leslie — tranquilizou o delegado Luis. — Fale quando você sentir que consegue falar.
— O que eu acho — continuou ela, de repente. — é que seria muito mais a cara do Tom... querer morrer naturalmente, sabe? Com todos nós do lado dele, e tal.... E não ele mesmo tomando essa decisão, e ainda mais sozinho no quarto. Foi tudo muito estranho, mas eu simplesmente... aceitei.
Alex e Guilherme relataram as escritas de Tom em seu diário. Informaram sua localização exata para que fosse encontrado na ilha.
Assim que todos terminaram, preencheram os documentos para comprovar que estavam lá, no dia e horário corretos, sentaram-se lado a lado e esperaram que alguém dissesse logo de uma vez tudo o que estava acontecendo.
O que achou do capítulo? Gostou? Comente pra eu saber, e não esqueça de votar. Até o próximo!
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