capítulo 13
Guilherme não encontrou nenhum de seus irmãos ao acordar naquela manhã. Ele presumira que Leslie estava trancada em seu quarto, mas Alex não estava em lugar algum. Simplesmente não o encontrava.
— Nunca me senti sozinho desse jeito... — divagou ele voltando ao seu próprio quarto, no objetivo de ficar sozinho com seus pensamentos.
No caminho pelo corredor até a última porta à esquerda — a de seu quarto —, Guilherme percebeu que alguém havia fechado a porta que nos últimos dias ficara sempre totalmente aberta; Não era possível ver o interior do quarto de Tom.
Ele olhou ao redor confuso, como se alguém fosse aparecer para explicar. Segurou a maçaneta e abriu-a novamente, percebendo que havia alguém lá dentro, deitado na cama.
Seria Tom? Estaria ele vivo esse tempo todo, e agora tinha voltado?
Não, pois Guilherme logo percebeu que era Alex ali deitado.
— O que você tá fazendo? — perguntou, assustando o irmão que se levantou confuso. Ele estava dormindo.
— Eu... vim dormir aqui.
Guilherme observou o cabelo bagunçado de Alex e seu pijama amassado. Estava enrolando no edredom de uma maneira confortável apenas para ele mesmo.
— Por quê
Alex hesitou antes de responder. Olhou para o chão, e então para a janela. A cortina estava aberta, a luz da manhã já invadindo o quarto com seu tom dourado passageiro.
— Porque eu sinto muito a falta dele. Você sabe. É por isso.
— Ah.
Eles permaneceram do mesmo jeito alguns instantes. Nenhum dos dois sabia o que dizer ou fazer. Então Guilherme sentou-se na cama e segurou uma parte do edredom e o cheirou. Apesar de Alex ter dormido ali, ainda tinha o cheiro nítido de Tom.
— Acho que ainda não consegui assimilar que isso realmente aconteceu — comentou, deitando-se também. Os dois ficaram lado a lado, mas sem conseguir trocar o olhar.
— Será que é normal? — Alex divagou em voz alta, um questionamento interno que acabou deixando escapar.
— O quê?
— Não conseguir chorar. Eu... não derramei nenhuma lágrima desde aquele dia. Quer dizer, na hora, sim, mas depois não mais. Por mais que eu queira, eu... — respirou fundo, um suspiro de frustração. — não consigo.
— Eu não sei. Mas acho que cada pessoa reage de um jeito diferente, não é? E você veio aqui, é uma maneira de demonstrar. Mesmo que só pra você mesmo.
Alex mordeu o interior dos lábios.
— É, acho que sim.
Guilherme levantou-se para sentar novamente na cama, segurando a mão do irmão.
— Você não pode se sentir culpado por isso. Relaxa, tá tudo bem.
— Eu sei. E você, como tá?
— Péssimo — Guilherme respondeu sorrindo, e então começou a rir.
Mesmo sem entender o porquê, Alex riu também, e nenhum dos dois conseguia parar.
— Ele gostava tanto desses bonequinhos feios — Alex disse pausadamente entre os risos, apontando para uma das prateleiras do quarto de Tom. Posicionados nela estavam os bonequinhos, uma série de figuras de animais monocromáticos, que o garoto ganhara de presente quando mais novo. Por algum motivo que ninguém entendia, Tom costumava passar horas organizando-os e trocando de lugar, apenas para no final posicionar tudo da mesma forma de sempre.
— Nunca entendi isso. Ele gostava de umas coisas tão estranhas.
E então os dois estavam sentados no chão em frente às gavetas do guarda-roupa, vasculhando os cadernos e outros itens que Tom costumava guardar.
— Ah, olha só — Alex segurou a primeira página de um caderno para que Guilherme pudesse ver. — Ele até que desenhava bem. Só não tão bem quanto eu.
O desenho em questão era uma decoração com folhas de árvores e flores ao redor do nome de Tom, feito em folha sulfite e posteriormente colado no caderno.
— Você é um convencido — Guilherme pegou o caderno e começou a folheá-lo. Ele ficou sério de repente. — É um diário.
— Sério? Que brega.
Alex continuou a pegar coisas da gaveta, então percebeu que Guilherme o encarava.
— Você não percebeu? Ele pode ter escrito alguma coisa sobre... você sabe.
Alex então ficou sério também, sentando-se bem ao lado do irmão para que lessem juntos. O primeiro relato datava de poucos meses antes
29/06/2019
Bem, não sei o que escrever aqui, mas tenho tido dificuldade pra dormir ultimamente, então pensei que escrever pudesse ajudar. Ninguém vai ler isso, acho que nem mesmo euz então não sei porquê estou me justificando. Mas acho que funcionou, já estou com sono.
Os próximos eram curtos e sem nenhum assunto específico, utilizados por Tom apenas para distrair a mente e conseguir dormir. Então folhearam até as últimas páginas preenchidas, esperando encontrar algo.
25/09/2019
Falta um mês para o meu aniversário, mas não estou muito animado pra isso. Queria estar, mas não consigo. Hoje aconteceu algo terrível, mas não sei se consigo registrar por escrito. Não quero relembrar agora e sei que não vou querer no futuro. Ou talvez até queira, mas realmente não estou a fim agora. Só queria não ter encontrado aquela droga. Eu poderia estar em paz agora, mas eu mesmo cavei meu próprio buraco. Preciso dormir.
Os dois se olharam, confusos e preocupados. Não conseguiam entender nada do que estava ali.
01/10/2019
Por que eu sou assim?! Por que eu tenho que fazer isso comigo mesmo? Eu não aguento mais atrair todas essas coisas terríveis pra mim e meus irmãos. Eles ainda não sabem, não tive coragem de contar. E sei que assim é melhor. Não posso fazê-los passar pelo mesmo que eu, e, além disso, sei que Leslie não conseguiria lidar muito bem.
O mais terrível é ter de ouvir todas essas coisas cruéis da pessoa que eu mais admirava. Não consigo nem citar seu nome sem sentir meus olhos marejarem. Não aguento mais. Só queria voltar ao normal.
E então os relatos semelhantes e esses cessaram, e os que serviam apenas para atrair o sono retomaram o lugar de volta. Guilherme folheou até a última página, com as mãos tremendo. Alex passou seu braço ao redor do pescoço do irmão.
25/10/2019
Arruinei nosso aniversário. Estraguei tudo, e sei que foi minha culpa. Se não tivesse me metido onde não devia, estaria perfeitamente bem. Eles vão pensar que estou doente, mas sei que não estou. E não posso contar a verdade para ninguém. Todos eles sofreriam consequências terríveis. Não posso mais voltar atrás, então preciso aguentar o que está por vir. Preciso fazer isso por eles. Droga, eu só queria ter coragem de contar. A Sara entenderia. Ela me ajudaria.
Mas eu não consigo. Tenho medo de arriscar, falhar e então acabar com tudo.
Não sei se posso continuar vivendo assim.
Alex e Guilherme estavam sentados à bancada da cozinha, tomando água um ao lado do outro, quietos. Sara não estava ali. Se estivesse, já teria lhes arrancado todas as informações.
— Acho que a Leslie já leu aquilo antes da gente — Alex comentou, quebrando o silêncio.
— Por quê?
— Ela tem agido de um jeito mais estranho que o normal ultimamente, e você sabe que ela provavelmente já foi lá no quarto xeretar tudo pra matar a saudade. É a cara dela.
Por mais que estivesse enganado, no momento fazia sentido. Guilherme concordou.
— Talvez. Mas ela não nos contaria?
— Você pretende contar pra ela?
— Não. Entendi. Então ela já deve saber.
— Você não acha que a gente devia falar com ela?
— Não — Guilherme negou. — Se ela já não souber, vai enlouquecer. Não quero ser responsável por isso.
— É, você tá certo.
Guilherme virou seu copo para beber o resto da água de uma só vez, então se levantou.
— Tem alguma coisa muito errada acontecendo aqui. Eu não acho que estejamos em segurança.
O que achou do capítulo? Gostou? Comente pra eu saber, e não esqueça de votar. Até o próximo!
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