Capítulo 8
Marcos abriu os olhos. A pressão feita pelo seu rosto contra a madeira fria sobre a qual estava deitado já começava a deixar sua bochecha direita dormente. Ele se sentou com dificuldade e se encostou na parede. Sua cabeça doía e a sensação era de que tudo à sua volta girava. A escuridão do ambiente o deixava confuso e inicialmente pensou estar dentro de algum carro mas, quando recobrou melhor os sentidos, ouviu o barulho do motor e um barulho de água, presumiu então que estava em um porão de algum navio, ou lancha, ou algo desse tipo. Assim que seus olhos se acostumaram com a escuridão do ambiente acabou notando que não estava sozinho naquele lugar, havia além dele outras nove pessoas naquele porão.
Alguns aparentavam estar calmos. Já outros, nem tanto.
- Qual seu nome? – ele perguntou a uma mulher que estava sentada à sua frente.
- Paula - respondeu ela.
- Meu nome é Marcos – falou passando a mão na cabeça que ainda doía. – Sabe onde estamos?
- Em uma lancha, ou barco. Não sei ao certo - ela respondeu de forma calma.
- Como viemos parar aqui? A última coisa da qual me lembro era de um cara me seguindo.
- Me seguiram também. Depois não lembro de mais nada, quando acordei estava em uma vã. Eles fizeram várias paradas pegando essas outras pessoas e depois nos colocaram aqui dentro.
- A quanto tempo estamos aqui?
- Não sei.
Marcos olhava as pessoas encostadas na lateral da embarcação mas não reconhecia ninguém, a escuridão o impedia de ver os rostos com nitidez.
- Qual o seu número? – Paula perguntou.
Marcos ainda observava a todos e acabou não prestando atenção no que ela disse.
– Ei! - falou ela mais firme.
- Ah, sim... o que foi? – respondeu assustado.
- Qual o seu número?
- Que número?
- O seu número de identificação!
Parado a olhando, confuso sem entender do que a conversa se tratava, Marcos apenas encarava a mulher sem saber o que dizer. Ela então se aproximou e, se virando de costas, levantou seu cabelo longo e escuro. Ele pôde ver na sua nuca um número 6 marcado com tinta.
- Número 6 – cochichou ele enquanto ela se virava para frente. – Não tinha como eu ver meu número. Ele está... na... minha nuca - falou pausadamente tentando não parecer grosseiro.
- Como você foi pego? - ela quis saber.
- Me seguiram pela rua e me acertaram com algo na cabeça. Talvez um pedaço de pau. Não me lembro bem.
- Também me seguiram. Estava indo para um bar e notei que alguns caras pareciam estar me vigiando. Aí quando eu abaixar para pegar me celular que tinha caído, acho que colocaram algo na minha bebida. Me lembro de ouvir eles me chamando de “número 6” antes de desmaiar - falou ela. - Pensei que isso também poderia ter acontecido com você.
- Não, eu desmaiei de vez quando me acertaram.
- Deixa eu ver.
Marcos se virou e de costas e sentiu quando as unhas grandes dela puxaram a gola de sua camisa para baixo. Sem saber, Paula acabou pressionando com uma unha o corte na nuca de Marcos que acabou puxando sua cabeça para frente no impulso. Paula se desculpou quando ele a explicou sobre o corte. Com mais cuidado, ela aproximou seu rosto e conseguiu enxergar a marca de tinta azul.
- Número 1 - falou ela.
- Você foi a primeira a chegar?
- Sim. E você foi último.
- A que ordem esses números seguem? – perguntou ele.
- Não tem como saber. Seja lá para onde estão nos levando, temos que esperar chegar para descobrir.
Marcos começava a criar teorias em sua cabeça quando sentiu a velocidade da embarcação diminuir e parar. Agora não precisaria mais de suas teoria, acabaria por encontrar a verdade absoluta.
***
A conversa se silenciou ao se ouvir dois toques na porta.
- Entre - falou Courtney.
- Senhora Courtney - desse Philip, o chefe da equipe de pesquisa da empresa.
- Sim, Phillip?
- Eles chegaram - disse.
Courtney lançou um olhar de ordem para o homem que estava sentado do outro lado da mesa. Era Lúcio, um soldado treinado em espionagem e chefe da segurança da empresa. Ele se levantou.
- Lúcio - falou Courtney chamando sua atenção. - Recebi uma reclamação sobre você.
- O quê?
- Isso mesmo que você ouviu. Suas ações estão causando problemas. A partir de hoje não quero mais saber de você ficar... como foi mesmo a expressão usada? - Courtney pensou por uns instantes. - Ah! Sim. Pegando pesado com os prisioneiros que fogem.
- Eu não pego pesado - respondeu ele enfatizando a expressão.
- Você me ouviu. É uma ordem - disse de forma ríspida. Como chefe da empresa, ela era perfeita. Fria, rígida e não dava espaço para ninguém. Nem mesmo Lúcio, que passava bastante tempo junto com ela, sabia algo sobre sua vida pessoal.
Consciente de suas ações mas simplismente por não querer arrumar confusão, Lúcio não respondeu. Apenas saiu acompanhando Phillip.
- Ela está certa - disse Phillip enquanto caminhavam. - Você pega muito pesado.
- Apenas faço meu trabalho. E não fico dando sugestões na sua forma com que você faz o seu - disse de forma ríspida.
- É mas, seu trabalho interfere no meu trabalho.
- Espera! - Lúcio parou de andar e encarou Phillip. - Foi você que fez a reclamação sobre mim?
- Eu?
- E ainda tem coragem de dizer que é meu amigo.
- De onde você tirou que foi eu quem fez a denúncia?
- Acabou de dizer que meu trabalho interfere no seu.
- Sim isso acontece e algumas vezes até me dá alguns problemas, mas você é meu amigo. Eu não faria isso, mas não sou o único que trabalha no laboratório.
Continuaram caminhando e pararam ao chegar na sala de Phillip.
- Olha só! - falou Phillip. - Por que você não sai... encontra uma pessoa... hum? Hã? - disse dando leves tapas no ombro dele.
- Por que você não encontra uma pessoa? - rebateu Lúcio.
- Ah! Você sabe! - Philip se escorou na porta da sala - Não é tão fácil assim.
- Sei.
- Se você encontrar alguém, fará bem a você e, de quebra, fará bem a nós pois seu humor vai melhorar bastante.
- Não tenho tempo pra isso - respondeu ele. - É além do mais, - Lúcio se aproximou do rosto de Phillip - eu já tenho uma pessoa.
Phillip ficou confuso e boquiaberto tentando entender se realmente havia escutado direito.
- Espera! Como!? Lúcio!? - Phillip gritou ao longe mas Lúcio não parou para dar atenção.
***
Marcos ouviu um barulho de pássaros e depois, de vozes se aproximando. Começaram a escutar o som agudo das chaves balançando e todos se afastaram mais para trás. Assim que as portas foram abertas a escuridão do porão foi invadida pela luz de enormes lâmpadas que pareciam ter mais claridade que o próprio sol. Marcos levou as mãos ao rosto e outros viraram a cara para evitar o choque depois de ter ficado tanto tempo no escuro.
Um a um foram saindo e ficando perto uns dos outros. Um soldado que estava do lado direito da porta acenou para eles esperarem. Marcos olhou ao redor. Estavam em uma espécie de Porto, para todos os lados se enxergava árvores e atrás estava o mar. À frente foi formada uma fila de homens armados fazendo a guarda.
- Alguma ideia de onde estamos? - perguntou Paula se aproximando.
Marcos olhou para cima na escuridão da noite e observou o canto dos pássaros.
- Não exatamente mas, presta atenção, está escutando esse canto? - perguntou ele.
- Qual? Tem vários.
- Espera - falou levantando a mão como se fosse paralisar o tempo.
Ela o olhou confusa.
- Esse aqui - falou apontando dedo indicador para a escuridão da noite.
- Sim. O que o que tem ele?
- Eu conheço esse canto. É de um pássaro muito difícil de se encontrar pois geralmente ele mora em lugares afastados que tem pouco ou nenhum contato com humanos. Devemos estar em algum tipo de ilha ou algo assim. E pela quantidade de cantos que eu estou escutando, esse lugar deve ser praticamente desconhecido.
- Mas e essas pessoas? Se os pássaros preferem ficar longe da agitação como você disse, como ainda estão aqui? - questionou ela.
- Não sabemos a extensão da ilha. Eu disse que ele preferem ficar longe das pessoas ou em lugares mais afastados com pouco contato. Eles podem tranquilamente viver do lado oposto - falou apontando para frente - sem ser incomodados. Talvez essas pessoas ainda não tenham chegado até lá. E de qualquer forma já devem ter se acostumado com as pessoas pelo tempo que elas já devem estar aqui.
- Mas você disse que eles procuram lugares isolados para viver...
- Sim. No continente eles fazem isso porque sempre há alguma lugar para fugir. Mas, já que chegamos de barco, ao que me parece isso aqui é uma ilha. E, pelo tempo que viajamos, ela provavelmente fica muito longe do continente. E outra, eles têm aqui todas as condições necessárias para sobrevivência e devem ter chegado aqui a muito tempo, não iriam querem sair agora.
Paula o olhou fixamente chamando a atenção dele.
- O que foi? - perguntou ele rindo.
- Você é o que? Uma espécie de especialista em pássaros?
- Quase isso.
Um homem de aparência desgastada apareceu do lado deles esfregando os olhos e rindo da situação.
- Você estava dormindo? - perguntou Marcos.
- Cara, eu tava com o maior sono. Resolvi tirar um cochilo.
- É, você foi o único - comentou Paula. - O que será que farão conosco?
- Não sei mas toda essa segurança está me deixando ainda mais preocupado - falou Marcos.
- Eu não estou preocupado - disse o homem.
- Você parece que nem está aqui! - disse Marcos o olhando. - Não parece estar nem um pouco preocupado com o que está acontecendo.
- Tanto faz - respondeu ele indiferente.
Um caminho estava formado à sua frente. Era composto por vários pequenos postes com lâmpadas que iluminavam o chão e seguiam até o alto de um morro. Um soldado se aproximou exibindo o enorme fuzil e gritando para que andassem.
Marcos e os outros olharam a arma com receio e começaram a andar em fila. Quando terminaram de chegar no alto do morro, encontraram uma parte mais plana do terreno.
- Mãos para trás e cabeça abaixada! – gritou outro soldado.
Eles olharam para o lado e viram outros grupos de pessoas chegando. Todos de cabeça abaixada e braços para trás. À sua frente, o corredor de soldados era muito maior do que o anterior. Marcos tentou olhar para cima para ver em que lugar estavam mas não conseguiu, estava muito escuro e a forte luz das várias lãmpadas tanto impediam de enxergar o que tinha atrás delas quanto faziam a vista doer se encará-las mesmo que por pouco tempo. Apenas dava para enxergar o caminho que eles tinham que passar.
- Você aí! – gritou um soldado – Abaixe a cabeça! Não vou avisar novamente!
Ele obedeceu. Sua cabeça já estava doendo, se levasse outra cacetada correria o risco de se machucar sério dessa vez.
Na sua frente, pessoas de um outro grupo pareciam agitadas e com raiva. Três homens olhavam repetidamente para os lados e cochichavam entre si. Marcos se aproximou para tentar escutar a conversa.
- Ei! – cochichou o da frente. – Tenho uma ideia de como escapar daqui, mas não consigo fazer isso sozinho. Vocês topam?
- Sim – disseram o do meio e o de trás.
- Está bem. O plano é o seguinte: continuem andando e, de forma que não percebam, vá saindo do meio da fila e se aproximando da beirada, para ficar mais perto deles. Se aproxime apenas a uma distância que pareça segura para o próximo passo - ele parou de falar e olhou para os lados verificando se alguém tinha escutado e assim que percebeu que não continuou. – Então, da forma que parecer mais eficiente, vocês ataquem. Tente pegar a arma e usar o soldado como escudo e, assim que surgir a oportunidade, corra e não volte. Entenderam?
- Sim – cochicharam eles.
- Quando faremos? – perguntou o de trás.
- Aquele sodado na frente. Depois dele, no mais baixo. Fiquem prontos.
Faltavam quatro soldados para chegar no mais baixo.
Minha nossa isso vai dar muito errado, vai criar em tiroteio e eu posso acabar morrendo aqui por causa desses três idiotas, pensou Marcos.
Os três começaram a se afastar da fila. Só mais três soldados. Marcos começou a olhar para os lados. Só mais dois soldados. Pensou em gritar para avisar mas não sabia se era uma boa ideia. Um soldado.
Preciso fazer alguma coisa, qualquer coisa, ele decidiu.
O terceiro, que estava logo à frente de Marcos, se precipitou e saiu antes da hora. Assim que Marcos percebeu que o homem iria sair pelo lado direito, ele levou seu pé e chutou o pé de apoio do terceiro homem. Ao fazer isso o homem se desequilibrou completamente e caiu no chão fazendo com que o primeiro que estava saindo naquele momento tropessasse nele e caísse também. Porém o segundo homem foi pelo lado esquerdo e Marcos nada pôde fazer para evitar que ele conseguisse executar o plano. De forma violenta, o homem se jogou em cima do soldado, pegou a arma dele e o ousou como escudo enquanto atirava para todos os lados. Outros homens que não estavam no plano acabaram fazendo a mesma coisa. Marcos se jogou no chão para se proteger e presenciou aquela bagunça de homens sendo socados, mulheres sendo atingidas na cabeça e no peito ao tentarem fugir e soldados sendo estrangulados vivos. O soldado que estava ao lado de Marcos foi derrubado por um homem em fúria e nesse momento viu a chance que precisava e aproveitou para escapar, correndo sem rumo mata a dentro. Ele não foi o único, mas não estava com os outros pois se separou correndo em outra direção.
Naquela escuridão de dentro da mata, Marcos corria por sua libredade e muito provavelmente até por sua vida. Pedras, árvores, troncos caídos, ele não sabia como ainda não tinha batido de frente com uma árvore ou algo parecido, afinal, as possibilidades de se machucar eram infinitas.
Seu coração estava acelerado, o medo estava no controle, atrás dele se ouvia barulho de tiros e soldados o perseguindo e gritando uns para os outros que deveriam pegá-los. Marcos corria cada vez mais, pulando pedras, afastando galhos de arvores e até escorregando várias vezes pois o solo da mata era coberto por folhas que estavam molhadas devido a chuva que caíra na ilha horas antes deles chegarem.
Assim que antingiu uma distância segura dos soldados ele diminuiu o rítimo e parou. Ofegante, ele levou as mãos aos joelhos firmando o corpo na tentativa de se recuperar da corrida. Seu coração batia mais rápido do que ele imaginava, uma sensação de que iria pular pela boca e sua respiração era rasa e fraca, achou que fosse vomitar. Ele esperou por um tempo para se acalmar mas ouviu o som de alguns soldados passando a alguns metros de distância. Por segurança, resolveu continuar bem devagar de forma que não fizesse barulho. Com passos lentos e bem cuidadosos, Marcos conseguiu se afastar dos soldados, os quais seguiram em frente sem desconfiar da sua presença.
- Ufa! – ele suspirou de alívio. - Agora é só procurar um lugaAAARR!
Marcos ainda olhava para frente quando acabou pisando em uma parte com folhas escorregadias que o derrubou e o jogou barranceira abaixo. Ele desceu rolando e tentando se firmar em alguma coisa, porém tudo estava muito molhado para conseguir qualquer apoio. Marcos dava cambalhotas e mais cambalhotas, parecia que aquela queda não teria fim. Na escuridão da noite e sem ter qualquer controle, ele não conseguiu se desviar e acabou batendo sua cabeça em uma árvore, desmaiando na mesma hora.
Totalmente desacordado, Marcos continuou rolando até chegar na praia, onde passou a noite desmaiado dormindo sob a luz da lua.
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