Capítulo 7

Um barulho de galhos secos se quebrando e capim sendo afastados se misturou ao som da água caíndo no poço deixando Marcos em alerta.
Apreensivo, ele correu e se escondeu atrás de uma pedra perto da bananeira para ver quem estava vindo. Alguns homens, que pareciam ser do exército, bem armados, com radios cominicadores e vestidos como se fossem seguranças de algum shopping ou empresa particular se aproximaram pelos dois lados do poço. Um deles se agachou exatamente onde Marcos estava deitado e deu uma olhada examinando o local.

- Atenção! – gritou apontando para o chão. - Algum deles passou por aqui, os outros podem estar por perto. Vamos nos separar! Vocês dois! – disse apontando pra dois soldados que estavam do outro lado do poço. – Fiquem aqui! Caso algum deles apareça já sabem o que fazer. Mas atenção, a chefe quer todos vivos. Se matarem qualquer um deles, e principalmente o fugitivo de número Um, vocês terão sérios problemas.

- Sim senhor! – responderam os dois ao mesmo tempo como se fossem a mesma pessoa.

- Outros?... Fugitivo?... Principalmente o número 1? – Marcos cochichava para si mesmo na tentativa de que alguma dessas palavra fizesse sentido.

Ele abaixou a cabeça, tentava colocar os pensamentos em ordem e, no máximo de sua concentração, quase deu um pulo de susto quando uma formiga o picou na nuca. Passou os dedos para tirá-la e se virou para trás apreensivo observando se havia alguém ou algum bicho, suspirou de alívio silenciosamente ao ver que não havia nada. Jogou a formiga fora e quando iria retornar a observar os homens sua atenção foi roubada novamente ao perceber que os dedos da sua mão estavam azuis.

Seu dedo indicador e o polegar estavam manchados por uma tinta azul clara. Marcos passou a mão novamente na nuca com mais força e sentiu algo doer. Passou os dedos de leve e percebeu que era um machucado. Tateou para ter uma noção do que se tratava e quando a unha de seu dedo adentrou ao ferimento, a dor atingiu seu corpo lhe trazendo uma sensação comum que, no instante, se lembrou de um momento esquecido no qual estava dentro do porão de um barco.

Desse momento em diante, os fatos começaram a se formar em sua mente... Paula, a fila de prisioneiros, a fuga, a forma com foi sequestrado... tudo. Sua expressão de surpresa se transformou em pavor e seu coração acelerou ao se lembrar do que lhe foi revelado quando ainda estava no porão. Aquela mancha na sua nuca não era uma coisa qualquer, era uma marca. Um número. O número Um.

Seu processo de lembrança foi forçado a parar quando outro homem se aproximou da bananeira para pegar algumas bananas. Estava muito perto e apenas um espirro poderia denunciar sua posição. Ele era o número Um, o mais procurado dos fugitivos e nem mesmo desconfiava do porque. Marcos se encolheu tentando se esconder ainda mais da vista do sujeito. Ao terminar de pegar as frutas ele se afastou deixando Marcos mais tranquilo.

Por entre as folhas da bananeira Marcos olhou para o soldado que estava a poucos metros na sua frente. Seu uniforme completamente monocromático só não era totalmente preto por causa de um desenho de cor diferente presente na altura do peito. Porém, o homem estava de perfil e assim Marcos não conseguia enxergar o desenho por completo. Na tentativa de pegar um melhor ângulo ele começou a inclinar o corpo mas antes que conseguisse finalizar, o resultado que esperava veio ao seu encontro. O homem ficou de frente para Marcos fazendo com que ele pudesse ver com clareza o que era aquilo.

A imagem chegou ao seus olhos lhe trazendo uma sensação familiar e, levantando o braço esquerdo, percebeu que era o mesmo desenho marcado em seu pulso. Sua cabeça já doía ao passo em que se lembrava dos recentes acontecimentos e se tocou de que sua situação ficava ainda mais assustadora quando percebeu que não era a primeira vez que havia visto aquilo. Era sim um símbolo comum para ele, mas não porque estava marcado em seu pulso. Mas por algo mais antigo. Mais pessoal. Era o mesmo desenho que o uniforme de trabalho do seu pai possuía.

***

Seu João se levantou e foi trabalhar, dessa vez sorridente. Não dava para esconder a alegria da vitória, e acima de tudo, ele não queria fazer isso. Como sempre, chegou cedo e esperou por Marcos. Queria saber se ele teve algum tipo de problema que o impediu de ir ver o jogo na noite passada.
O bar abriu, alguns clientes apareceram, mas nada de Marcos chegar. Deu nove, dez e onze horas mas ele não apareceu. Aquilo já estava começando a ficar estranho. Quando o relógio bateu meio dia seu João resolveu ir almoçar.

Acho que ele vai aparecer depois das 13:00. Já fez isso duas outras vezes. Deve ter tido uma recaída e agora está de ressaca. Ele tinha me prometido que pararia de beber, pensou seu João caminhando para casa.

Apesar da alegria da vitória ainda estar presente, sentia uma sensação estranha no ar. Algo ruim. Terminou de almoçar e discou o número de Marcos mas o celular dele nem ao menos chamava. Ele retornou desconfiado para o bar e esperou pelo resto do dia. As horas passaram e o sumiço de Marcos começou a deixar seu João inquieto, mas em sua consciência não haveria um motivo que justificasse sua aflição.
Ainda estava pensando nas possibilidades do que teria acontecido quando Julia adentrou no bar apressada.

- Boa tarde seu João! – ela estava com a respiração acelerada e com dificuldade de falar. – O Marcos está?

- Não - respondeu ele parando o que estava fazendo. - Ele não apareceu ainda. Por que?

- Ele marcou de saírmos ontem após o jogo e não apareceu. Eu liguei e o celular só dá desligado. O senhor sabe dele? – perguntou ela.

- Não. Nós iriamos sim assistir o jogo ontem mas ele não apareceu. Pensei que estivesse com você – falou seu João preocupado – Quando foi a última vez que falou com ele?

- Foi ontem. Eu liguei era... – ela pegou o celular e olhou o horário da última ligação que fez para ele – 19:00. Liguei para saber se ainda iríamos sair. Ele me disse que depois que o jogo terminasse ele passaria na minha casa. Ele não apareceu ontem e não atende o celular, fiquei preocupada.

- Pode ser que esteja sem bateria. Ele sempre esquece de carregar - falou ele. - Você já ligou para aquele outro amigo dele? O... - seu João tentou buscar na memória o nome mas ele não aparecia.

- Sandro! - completou Julia.

- Sim, sim. Esse mesmo.

- Já liguei! Mas ele também não viu Marcos em lugar nenhum nem ontem nem hoje.

- Estranho. Ele nunca sumiu assim... Você já foi no apartamento dele?

- Não. Eu tive que sair para resolver alguns problemas da loja e aproveitei para passar aqui para falar com ele.

- Ele não apareceu hoje. É melhor você ir na casa dele. Pode ser que ele esteja passando mal ou algo assim.

Ela fez um sinal de concordância com a cabeça e saiu apressada.

***

Ainda em choque pelo que havia acabado de descobrir, Marcos se esgueirou pelo meio do capim para sair de perto do poço. Agora, de uma distância maior, decidiu seguir os soldados que estavam recomeçando a busca.

Se estamos em uma ilha que parece desabitada e desconhecida, como ele conseguem usar os comunicadores?, ele pensou.

Caminhou atrás deles escondido por alguns minutos. Tentava escutar o que falavam mas nada fazia sentido, as palavras chegavam ao seu ouvido mas não traziam pra ele nenhum significado. Subiu com calma um morro por onde os homens haviam acabado de passar, caso se descuidasse e caísse, seria descoberto e não tinha certeza do que fariam com ele a seguir.

Do alto do morro, ele olhou no horizonte e conseguiu avistar toda a ilha, ou pelo menos a parte que estava na sua frente. Era grande. As árvores bastante abertas na copa e distribuídas em vários tons de verde se juntavam e davam a impressão de que um tapete verde havia sido forrado ali. Do seu lado esquerdo, avistou um enorme vulcão e no topo dele, um ponto escuro. Ele caminhou para debaixo de uma árvore e, usando a sombra para enxergar melhor, encarou a imagem fixamente. Desconfiou de que aquilo fosse uma árvore pois ela não se mexia. Depois de alguns segundos observando a imagem seu cérebro o levou a uma conclusão.

Só pode ser uma antena de rede.Os rádios comunicadores precisam de sinal, e antenas precisam ficar em lugares altos para transmitir esse sinal com qualidade. Com certeza aquilo é uma antena, pensou ele.

No pé do vulcão era visível uma movimentação estranha do que parecia ser um grupo de pessoas. Marcos então concluiu que os soldados vinham daquela direção e que se continuasse a segui-los acabaria chegando até o local e descobrindo as respostas para suas perguntas e esclarecendo sua situação.

O logo da empresa, a antena, os soldados muito bem armados. Marcos sabia que seu pai trabalhava em uma grande compania, ele mesmo até já tinha visitado um dos prédios dessa empresa mas, para fazer tudo isso, com certeza ela era muito maior do que ele imaginava. E isso não parecia ser um bom sinal. Pelo menos não para ele e para os “outros” que também estavam desaparecidos.

***

Julia subiu apressada as escadas esbarrando nas pessoas e gerando incômodo. Ao chegar, parou no corredou por alguns segundos encarando a porta do apartamento de Marcos, não era muito nova mas também não estava acabada. Bateu e gritou algumas vezes, mas sem sucesso. Agoniada por uma resposta, ela disparou a dar ombradas e chutes até que a porta, feita de um material não muito resistente, quebrou a fechadura e se abriu jogando Julia no chão. Cambaleando por causa da queda, ela se levantou e saiu a procura dele pelos cômodos do apartamento mas não o encontrou em lugar nenhum. Temendo o que ela já imaginava que poderia ter acontecido, ela saiu do prédio e ligou para seu João.

- Alô!? Seu João? – disse ofegante enquanto caminhava.

- Sim?

- Eu fui no apartamento e estava trancado, tive que arrombar a porta para poder entrar.

- Achou ele? – perguntou seu João preocupado.

- Não - ela fez uma pausa para atravessar o cruzamento. - Não estava em lugar nenhum. Ele deve es...-

Julia fez uma pausa brusca.

- O que foi? Julia, o que está acontecendo? – a aflição tomou conta de seu João.

- Eu... achei o celular dele - falou ela calmamente.

- Onde?

- Aqui no meio da rua – ela se abaixou pra pegar o telefone e, levantando a cabeça, viu que logo a frente havia duas marcas de pneus de carro. Pela forma daquelas marcas ela sabia que aquilo não era de uma freiada, e sim, uma arrancada.

- Julia? Você está aí? - perguntou seu João aflito. Ele já andava pelo bar inquieto.

- Si-sim – falou assustada como se tivesse acabado de sair de um transe.

- O que houve? Me diga!

- Tem... umas marcas de peneu... logo depois do lugar onde achei o celular do Marcos.

- Tá! Mas, o que isso quer dizer?

- Acho... Acho...

- Vamos! Diga! – gritou seu João.

- Acho que ele pode ter sido sequestrado – disse.

- O que? Co-como assim? – gaguejou seu João.

- Não, calma! Eu não tenho certeza disso. É só uma hipótese.

Uma hipótese que ela cogitou quando ele não atendeu suas ligações, que foi fortalecida quando ela não o encontrou no apartamento e confirmada agora. Seu João ficou apavorado com essa possibilidade. Estava estático, sem reação. Era difícil de acreditar no que acabou de ouvir.

- Vamos na polícia! – ele disse. Era a única coisa na qual pensava, não havia nada diferente que pudesse fazer.

- Certo - falou ela. - Eu... já vou indo. Espero o senhor chegar.

Seu João fechou o bar e ligou para dona Ana avisando sobre tudo o que estava acontecendo. Quando chegou na porta da delegacia, Julia que já estava o esperando se aproximou e lhe deu um abraço forte e demorado.

- Calma. Vai ficar tudo bem - falou ela.

Eles entraram e fizeram a denúncia de sequestro. Contaram toda a situação ao delegado na esperança de conseguirem achar Marcos. Não saíram de lá muito animados, o delegado tinha dito que investigariam e fariam as buscas. Seu João estava sem esperanças. Marcos havia sumido a noite e a polícia não faz muitas visitas no bairro onde ele mora. Ficou um tempo parado na calçada refletindo sem saber o que fazer para ajudar.

- Vai ficar tudo bem seu João – disse Julia – Ele vai aparecer. Eu vou procurar, vou achar ele e o trarei para casa. Eu prometo!

- Tudo bem – disse com tristeza.

Ele não tinha muitas esperanças no que Julia falou pois, aquilo não parecia ser um sequestro normal. Se fosse, já teriam ligado e estipulado o valor que ele deveria pagar para libertar Marcos. Ele imaginava se Marcos teria arrumado problemas com pessoas perigosas, e que isso poderia ser algum tipo de castigo ou retaliação. Ao sair dali ficou pensando que talvez achariam Marcos jogado em uma beira de estrada qualquer quase morto. Talvez nem o encontrassem vivo. Talvez nem encontrassem o corpo.

Seu João sacudiu a cabeça para afastar esses pensamentos ruins, ele não gostava de pensar em hipóteses porque só as piores apareciam em sua cabeça. Assim, caminhando para casa, ele tentava ao máximo não pensar no pior. Tentativa falha. Não tinha como evitar.

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