Capítulo 3
Ir ao cinema era o melhor programa para Marcos. Preferia mil vezes a ir em um bar. Geralmente ia sozinho mas hoje estava acompanhado e sairia de casa mais cedo pra passar na casa de Julia e buscá-la.
O cinema não ficava muito longe e quando chegaram perceberam que estava lotado, era dia de pré-estreia de algum filme.
Antes de escolher o que assitir Marcos ficou em dúvida entre um filme de guerra e um de super-herói. Disse pra Julia sobre quais ele queria ver e resolveram decidir juntos. No final, acabaram escolhendo os dois. Assistiram primeiro o de guerra e depois o de super-herói. Retornaram para casa já bem tarde conversando sobre como os filmes se parecem e como ambos protagonistas são heróis, que se sacrificam de uma forma ou de outra, para defender os mais fracos dos invasores ou vilões.
Já estavam conversando sobre um assunto totalmente diferente quando seu João foi citado na conversa.
- Seu Jão - falou Marcos pensativo enquanto caminhavam - É como um pai para mim, na verdade, ele é um pai para mim. Ele praticamente me salvou ao me dar esse emprego. Sabe... eu não iria continuar naquele abrigo, não aguentava mais aquele lugar. Se ele não tivesse me ajudado eu teria voltado pra rua e dessa vez poderia acabar de forma muito pior. Ao me dar esse emprego, ele me deu um futuro. Uma chance de ser alguém muito melhor do que eu seria. Tenho uma gratidão enorme por isso, e por ele.
- Ele tem filhos?
- Tem um. Mas é como se não tivesse.
- Por quê?
- Ah, ele não gosta muito de falar disso mas, eles brigaram a um tempo atrás. Nem ele nem dona Ana dizem muita coisa sobre... e eu não fico perguntado porque eu sei que é um assunto que deixa os dois sem graça. O que acontece é que eles se desentenderam sobre algo. Brigaram feio e logo em seguida o filho foi morar na França. Desde então eles não se falam.
- E a dona Ana? Ela também não conversa com ele?
- Conversa mas, você sabe né. Não diminui a tristeza situação. Pra você ter noção, ela tem um neto que nasceu a mais de um ano porém o cara se recusa a voltar aqui sem um pedido de desculpas do pai. Enquanto isso ela só consegue ver a criança através de fotos e vídeos.
- Pesado - comentou ela.
- É...
- Então, um homem já mais velho, praticamente sem filhos, que adotou um completo estranho cheio de problemas pessoais e o criou. Seu João é quase um Bruce Wayne! Menos a parte em que ele é milhonário - falou Julia tentando melhorar a situação.
- E que não criou uma máquina de matar - concluiu Marcos.
- O robin não é uma máquina de matar - retrucou ela.
- Não é. Mas tem capacidade pra ser.
- É, verdade.
Julia percebeu que Marcos estava estranho, com uma expressão não muito comum.
- Ei! - falou chamando sua atenção. - Tem algo errado?
- Não, nada.
- Se não disse agora, não vou parar de te perturbar até que você me conte.
- Certo. Uma coisa que me aconteceu hoje que achei estranho.
- O que houve?
- Seu João. De uns tempos pra cá ele vem falando bastante sobre eu fazer uma faculdade e mudar de emprego. A gente já havia conversado sobre isso e eu pensei que ja tínhamos resolvidos esse assunto, mas...
- Mas o quê?
- Depois que ganhei a confiança dele, que me tornei da família, eu fazia meu serviço da forma que eu achasse melhor. É óbvio que sempre era da forma mais certa possível. Só que há algum tempo ele vêm meio que me chamando atenção em relação a algumas coisinhas simples e sem muita importância no processo do trabalho, sabe? É como se...
- Se, o quê?
- Não sei ao certo o que pensar. E o mais estranho foi hoje.
- O que aconteceu assim de tão estranho?
- Ele veio me falar novamente sobre a faculdade, a qual ele já se ofereceu em me ajudar a pagar, pra mim poder arrumar um trabalho melhor. Como se eu não gostasse de trabalhar ali, entende?!
- Ele disse assim, especificamente?
- Sim. Ele falou "arrumar um trabalho melhor" - enfatizou ele.
- E o que você disse em relação a proposta dele?
- O mesmo que todas as vezes. Falei que no momento eu não estou pensando, mas que mais pra frente eu pretendo fazer. Só que dessa vez eu tive que praticamente dizer uma data de início dos estudos.
- Então quer dizer que você está tentando mesmo é arrumar tempo até tomar coragem e dizer pra ele que você não tem intenção de fazer nenhuma graduação?! É isso?
- Não, não. Eu estava em dúvida mas pensei melhor e aceitei a ideia. Mas não dava pra começar agora e, mesmo que desse, eu não iria querer. Decidi iniciar no ano que vem, mas esqueci de falar para ele da minha decisão.
- Relaxa! Melhora essa cara! Não há nada de estranho em um pai querer o melhor pro filho.
Marcos a encarou por um instante.
- O que foi? Falei algo de errado? - perguntou ela.
- Não. É que ouvi você falando a palavra Pai e pensar que ele me enxerga como um filho... - Marcos ficou pensativo por um instante. - É um pouco estranho eu não chamar ele de pai né?!
- Não, nada a ver. Olha, você não foi adotado da maneira comum e já era adolescente quando chegou na família dele. É difícil de acostumar com essa nova situação. E outra, te chamar de filho é natural pra ele uma vez que ele acompanhou grande parte da sua vida.
Eles haviam parado de caminhar quando Julia começou a falar e agora Marcos a observava com uma expressão pensativa.
- Que foi? - perguntou ela.
- Nada. Eu não tinha pensado por esse lado, bom argumento. Muito inteligente.
- Obrigada - respondeu ela. - Gostar de cinema e trabalhar em uma floricultura não são as únicas coisas que existem sobre mim. Há muito que você ainda não sabe - falou de um jeito firme e misterioso caindo na gargalhada em seguida.
- Minha nossa, tenho até medo de descobrir - brincou ele.
Julia morava alguns minutos de caminhada depois do bar mas, na volta do cinema, vieram por uma outra rua para passarem em uma lanchonete que gostavam bastante. Acabaram por ter que passar em frente ao bar novamente.
- Olha! - falou assustada.
- O que foi? - perguntou Marcos confuso.
- A porta está aberta. Pode ser um ladrão.
Ela saiu e pegou um cano de alumínio que estava jogado em um beco entre o bar e um prédio onde havia um pequeno monte de entulho de construção.
Marcos ficou parado a observando agir. Ela se aproximou de onde ele estava girando o pedaço de cano de forma agíl e com destreza. Marcos tentou olhar o lado de dentro mas ela o parou com uma mão no peito e, segurando o cano, começou a se aproximar da porta.
- Eai Marcos! - Sandro, um amigo de Marcos, chegou por trás dele gritando .
Julia, num movimentou rápido, girou o bastão e acertou a barriga de Sandro o fazendo se abaixar e, sem nem parar pra pensar, empurrou seu pé contra o peito dele o levando ao chão, fazendo ele cair de costas.
- Julia?! - Marcos gritou se abaixando pra ajudar Sandro a se levantar.
- Minha nossa! Me desculpe - falou ela jogando o cano no chão.
- Sua namorada - disse Sandro com dificuldade enquanto tossia - é bem brava em rapaz - parou pra tossir novamente. - Coitado de você.
- Não sou namorada dele - falou ela.
- Como você está? - perguntou Marcos com ele já de pé.
- Mais ou menos. Não foi nada de demais.
- Tem certeza? Não seria melhor ir no médico? A pancada foi forte.
- Não, não precisa. Eu já tive acidentes mais graves que isso. Daqui a pouco passa.
- Certo então. Julia?! O que foi isso?! - questionou Marcos.
- Me desculpe! Mas ele apareceu do nada por trás, e gritando... eu me assustei - falou.
- Tudo bem. Foi um acidente - disse Marcos.
- Como você está? - perguntou ela.
- Estou bem - Sandro respondeu.
- Não foi de propósito, tá?
- Tudo bem. Eu já vou agora. Só vi que estavam aqui e resolvi passar pra dar um OI mesmo. Tchau!
- Tchau - Marcos e Julia responderam juntos.
- Eu pensei que fosse um ladrão - disse Julia olhando para ele.
- Espera - Marcos se aproximou da porta e olhou para dentro. - Viu só! É só seu João. O bar não está sendo assaltado, e nem nunca foi. A chave que eu te mostrei ontem é uma cópia.
- A tá.
- Você parecia saber exatamente o que fazer em uma situação assim - comentou Marcos. - Já fez alguma aula de proteção pessoal ou arte marcial?
- Não! Foi no susto mesmo.
- Foi muito bom!
- Não exagera - respondeu rindo.
Marcos olhou novamente para a parte de dentro do bar.
- O que ele está fazendo aí a essa hora? - perguntou Julia.
- Não tenho ideia - respondeu. - Mas acho que vou lá pra saber se ele precisa de alguma ajuda.
- Certo.
- Ah não - falou se virando. - Vou te acompanhar até em casa, depois eu volto.
- Não precisa.
- Eu vou mesmo assim, para evitar que você acerte mais alguém por engano - falou rindo.
- Então tá. Vamos!
Eles foram até a casa dela e depois de chegarem, se despediram com um abraço demorado. Julia entrou em casa e Marcos retornou ao bar.
- Seu João - falou Marcos abrindo a porta - Aconteceu alguma coisa?
- Ah! Marcos! Não, nada aconteceu - falou dobrando o jornal e o deixando de lado.
- O que o senhor faz aqui a essa hora?
- Perdi minha aliança e vim aqui pra procurar, acabei por me entreter lendo o jornal.
- E a encontrou?
- Sim - falou ele retirando a aliança do seu bolso da camisa.
- Bom.
- O que você faz aqui a essa hora? - perguntou seu João.
- Eu estava... acompanhado Julia até a casa dela. Nós... fomos ao cinema.
- Humrumm - resmungou seu João.
- O que foi? - perguntou rindo da cara dele.
- Você e Julia...?
- Somos amigos - respondeu Marcos rapidamente.
- Só amigos?
- Sim.
- Mas isso é uma decisão sua ou dela?
- Na verdade não sei - disse confuso enquanto se sentava.
- Como não sabe?
- Quando nos conhecemos a gente saía, fazia alguns passeios, ia ao cinema... e tudo mais. Porém agora somos só amigos mesmo.
- Ela parece gostar bastante de você. Direto ela vêm aqui.
- É eu sei - Marcos ficou pensativo.
- Talvez ela queira algo mais sério - falou seu João.
- Um namoro? - perguntou Marcos.
- Sim.
- Não sei...
- Olha, se essa não for sua intenção, precisa dizer à ela.
- Não é isso. Se ela quizesse um namoro já estaríamos namorando.
- Então você quer?
- Eu tento não deixar isso claro, entende? Julia não é tão simples. Eu a conheço a quase dois anos e ainda não sei muita coisa sobre ela. Ela não me parece do tipo que gosta de estar namorando.
- Talvez. Mas já são quase dois anos que vocês se conhecem. Vocês dois já saíram várias vezes, com outras pessoas aliás. Lembro-me quando ela saiu com um cara que trabalhava em um escritório e trouxe ele aqui. Você ficou com a cara fechada a semana inteira - falou seu João rindo.
- Não tem graça - respondeu Marcos.
- Tem sim. Mas o que importa não é isso. Espero que esse acontecimento tenha clareando suas ideias. Pense, se ela estiver querendo um namoro, provavelmente deve estar esperando pelo pedido a um bom tempo. Se tiver de esperar mais, ela pode se cansar e ir embora.
- Não, não! - Marcos falou rindo. - Hoje em dia, pedidos de namoro não tem o mesmo peso que antigamente. Antes era necessário ir conversar com os pais e hoje, na maioria das vezes, é só apresentar pra família.
- Ainda assim, o pedido é importante - corrigiu seu João. - Quer dizer que é algo sério. Ou pelo menos deveria.
- Tem razão. Mas, e se ela negar? Vai ficar uma situação muito desconfortável e pode acabar com ela evitando de me ver.
- Pode ser que sim, pode ser que não. É um risco, mas não tem como saber se você não tentar. Pense sobre.
- Eu vou.
O relógio de pulso de seu João apitou marcando uma da manhã.
- Já está muito tarde - comentou seu João. - Vamos embora?
- Vamos - falou Marcos.
Marcos foi embora e antes de chegar no seu apartamento, olhou para povo que fica no fim do beco e agradeceu novamente a Deus mentalmente por seu apartamento ficar longe daquele lugar. Morar lá perto definitivamente não era seguro.
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