Capítulo 21

A água quente que caía sobre os ombros de Marcos acabavam por relaxar os músculos do corpo ainda dolorido. Rolar na terra não era nada agradável e dormir em uma caverna cheia de pedras não ajudou muito.
Após alguns minutos debaixo do chuveiro, ele saiu e se deitou por um instante em sua cama.

Enquanto encarava o teto branco sob sua cabeça, ele refletia sobre os últimos dias pelos quais passou e sobre o que e como explicaria isso para seu João e dona Ana. O sequestro não seria a parte mais difícil, mas sim, o porquê de ele ter sido sequestrado e toda essa sua relação com seu pai.

Depois de alguns minutos deitado ali, decidiu se levantar. Já estava no hora, então ele deixou seu apartamento e seguiu para a casa do seu João. A rua estava um pouco mais movimentada do que no dia em que foi levado, e a lua agora estava exposta no imenso céus em nuvens.

Assim que chegou na porta do apartamento seus pés travaram rapidamente, seus olhos se fixaram na pessoa que se aproximava pela avenida. Julia. Eles pararam e se encaram por um momento. Julia estava com seu típico penteado de cabelo preso e assim que pareceu abrir a boca para falar algo, Marcos atravessou pela porta subindo a pequena escada e sumindo para o lado de dentro.

***

Apesar da insistência de dona Ana em querer detalhes a todo momento, Marcos se limitou a contar apenas uma versão com as informações que eram necessárias, omitindo as que não precisavam ser ditas para não deixá-la ainda mais preocupada do que já estava.

Um sentimento de revolta e decepção se instalou no rosto de seu João e dona Ana ao ouvirem sobre Julia e sua real motivação durante todo esse tempo. Durante o resto do jantar, ela foi encarada com olhares frios. Eles até a agradeceram pela ajuda, de forma bastante econômica, é claro.

Julia se sentia um criança rejeitada pelos colegas da turma na hora de escolher os grupos para as brincadeiras. E no fundo ela sabia que era parte responsável por aquilo, e que merecia certa rejeição. Mas ela também esperava que seria mais fácil de ser perdoada já que ajudou Marcos a se livrar daquela situação e do perigo de ser morto a qualquer momento.

- Dona Ana, parabéns o jantar estava ótimo – ela disse.

- Obrigada – ela disse, sendo econômica novamente. Ela tentou não parecer, mas sua voz entregou o que realmente estava sentindo. - Marcos merecia. É o prato preferido dele, tínhamos que comemorar seu retorno.

Ela se levantou pegou seu prato e o de Julia. Antes que pegasse o de Marcos, seu João se adiantou e o pegou primeiro, depois o próprio prato, e então a seguiu até a cozinha.

Marcos e Julia ficaram sozinhos na mesa. Estavam um de frente para o outro mas nenhum dava a entender que diria alguma coisa. Julia estava com a cabeça levemente abaixada e insistia em encarar os copos vazios que ainda estavam sobre a mesa.

Marcos não a encarava de frente. Virava a cabeça algumas vezes e esfregava cada vez mais as mão sobre a perna ao passo em que decidia se diria algo ou não. Deveria relembrá-la o que fez? Não ela já sabia disso. Se sentiria bobo se a dissesse que apesar de tudo ainda gostava dela? Provavelmente sim, mas ainda relutava em dizer qualquer coisa.

- Então, eu já vou. - Julia falou se levantando e os olhos dele se arregalaram ao vê-la se sair da mesa. - Tenham uma boa noite.

- Você também! - responderam seu João e dona Ana lá da cozinha. Marcos não disse nada.

A cadeira foi recolocada embaixo da mesa e ela se afastou. A dúvida se deveria ou não dizer algo parecia uma pergunta sem resposta, os pensamentos de Marcos estavam acelerados e as reflexões vinham de todos os dois pontos de vista. Ele remexia a boca simulando dizer algo e assim ficou até a observar passando pela porta e a fechando.

Segundos se passaram e uma parte de sua mente o fez sentir como se tivesse sido derrotado em alguma luta e assim perdido a oportunidade de chegar a um objetivo. Marcos sentiu-se cruel por não dizer nada ao se lembrar do olhar triste que ela apresentou durante o jantar. Ele percebeu ela só vendo pela rejeição.

Lembranças do que aconteceu antes de toda essa confusão apareceram em sua mente o fazendo saltar da cadeira e atravessar a porta apressado. Seus passos pulavam degraus da escada na esperança de ainda a encontrar lá embaixo.

Será se ela já se foi?

Não. Ela ainda estava na rua, tinha acabado de chegar ali e havia parado um pouco para pensar no que fazer a seguir. Os passos acelerados na escada chamaram sua atenção. Ela se virou e o enxergou parado em um degrau a olhando.

- Oi - disse Marcos descendo os últimos degraus devagar.

- Oi.

- É... eu... tenho que te dizer uma co...

- Espera - ela o cortou levantando uma mão sinalizando para ele esperar. - Eu que preciso dizer que...

- Não precisa - ele disse balançando a cabeça para os lados. - Julia... É... Isso é muito confuso.

- É eu sei...

- Eu ainda... gosto de você - Marcos admitiu o que era um fato, mas que por algum motivo a deixou surpresa. - Eu sei que deve imaginar que eu te odeio agora, mas não pense isso. Tem sim uma certa decepção, não vou negar. Ou seja, tem os dois lados da história... Minha cabeça está muito cheia. O que você fez foi muito grave. Foi uma quebra de confiança enorme... e eu não conseguiria esquecer tudo assim...

- Eu sei que não - ela disse. - Eu não esperaria por isso.

- Por outro lado, não estou com raiva de você. Afinal, sem sua ajuda eu provavelmente estaria morto agora. Emfim, eu não... consigo tomar uma decisão agora. Não sei se é o que você esperava...

- Está tudo bem.

- Mas agora, tudo que eu posso dizer é um obrigada. Por me tirar de lá.

Ele avançou a abraçando, um abraço apertado que ela retribuiu na sequência. Ficaram ali parados por um certo tempo com os braços entrelaçados um nos ombros do outro.

- Nos vemos por aí - ele disse ao se desgrudarem.

- Até.

- Até.

Julia saiu sob o olhar dele que a seguiu pela longa avenida até que sumisse em uma esquina. Assim que ela se foi ele retornou para dentro.

Aquela noite Marcos não foi para se apartamento, preferiu dormir ali. Finalmente estava em casa e agora, mais calmo, pensava em tudo que aconteceu. Aquela noite ainda demorou para dormir, mas dormiu tranquilo. Estava em casa. Estava seguro. Tudo estava acabado.

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