Capítulo 19
O ar frio produzido pelos vários aparelhos de ar-condicionado espalhado nas paredes acertou em cheio seus rostos e em segundos até a respiração estava gelada. Marcos olhou de relance para as mãos, estavam brancas e frias e andar segurando as bombas enquanto tentava passar naturalidade não ajudava a diminuir o nervosismo. Apesar disso, tentava focar em cada metro andado no qual não tinha sido descoberto. Cada segundo assim lhe dava mais confiança e esperança, e ele precisava se agarrar a isso uma vez que se aquela porta de metal grosso se fechasse seria seu fim anunciado.
Apesar de parecer apenas mais um cientista andando pelo saguão, Marcos decidiu caminhar com a cabeça abaixada tentando evitar o contato visual. Ele e Julia caminharam juntos até o corredor onde se dividiram e cada um seguiu para um lado procurando pontos para colocar as bombas. Marcos desceu as escadas cautelosamente. A cada aceno ou cumprimento recebido, retribuia de forma tímida tentando não deixar espaço para que pensassem em parar para conversar com ele.
Paredes, equipamentos, vigas de sustentação, o próprio chão, tudo que pudesse causar estrago era alvo para eles. Fazer isso sem parecer suspeito não era fácil, mas ele aproveitou as oportunidades que apareceram. Após posicionar as bombas, ele deu início a sua retomada para o andar de cima. Vez ou outra acenava com a mão ou com a cabeça ao receber um "Bom Dia" ou qualquer outra brincadeira que ouvisse. Com sua parte pronta, só faltava agora sair daquele lugar. Seus pés pareciam flutuar para fora daquele espaço, passar pela porta de saída agora era seu maior desejo. Já havia ficado bastante tempo do lado de dentro, pensou que Julia já deveria ter feito sua parte, muito mais rápida e de forma muito mais eficiente do que ele.
Passando perto de um laboratório, seus passos acelerados travaram ao ouvir algumas pessoas conversando. A voz de Courtney e do cientista que o atendeu eram claramente audíveis. Ele se agachou perto da sala fingindo estar procurando algo enquanto tentava escutar a conversa que vinha do lado de dentro.
- Onde está Lúcio e seu grupo? – perguntou Cortney.
- Ainda não retornaram – respondeu um soldado.
- Mande outra equipe se necessário. Quero que me tragam todos, sem exceção – a potência e o tom autoritário em sua voz denunciavam sua impaciência.
- Sim, senhora. Tentaremos trazer todos em perfeito estado.
- Isso não é mais tão importante.
- Me desculpe, eu acho que não entendi...
- Fizemos uma descoberta - Philip tomou a palavra. - Depois que tiramos o sague de Marcos, descobrimos uma informação crucial. O vírus não morre se o sangue for congelado, ou seja, não precisamos do hospedeiro vivo, apenas do sangue dele.
Seu coração disparou e um frio na barriga surgiu. Automaticamente se levantou e antes que percebesse já estava caminhado acelerado em direção ao andar de cima, nem mesmo quis esperar e escutar o resto da conversa. Sua respiração ofegante se tornava ainda mais pesada por causa da máscara, porém, como ela cobria uma parte importante do rosto, era fácil de fingir normalidade.
Com passos mais lentos, ele subiu degrau por degrau enquanto respirava fundo para acalmar as batidas do coração. Ainda assustado, ao chegar no andar de cima, olhava para os lances de escada quando seu coração quase parou ao trombar de frente com Julia.
- O que houve? – perguntou ela.
- Precisamos... sair daqui! E rápido! Escutei uma conversa entre Courtney e seus cientistas. Ela não precisa mais de mim vivo, apenas do meu sangue.
- Se acalme! Ainda estamos dentro da empresa. Precisamos sair com calma - disse.
Após se acalmar, ela acenou para que continuasse. Andando devagar e lado a lado, eles atravessaram o pátio se aproximando cada vez mais da entrada. A tentativa, no entanto, não deu muito certo.
- Ei vocês! Esperem aí! - gritou um soldado ao desconfiar da dupla.
Eles ignoraram a ordem e se apressaram o passo, não podiam parar.
- Ei! Ei! Parados! Parem eles! - gritou e pressionou um botão que estava ao seu lado. Um alarme foi disparado no mesmo instante.
Alguns soldados começaram a se movimentar, Marcos e Julia dispararam a correr. Os homens vinham em sua direção enquanto a porta se fechava automaticamente. O alarme atraiu curiosos e agora eles corriam sob o olhar de alguns funcionários e eram perseguidos por homens carregando cassetetes.
Não havia soldados na porta, mas ela estava se fechando mais e mais a a cada segundo. Marcos acelerou o máximo que podia um passo depois do outro, os pés batendo no chão como se fossem socos dados em uma parede, a respiração acelerada. Foi derrepente. Suas forças sumiram e uma onda elétrica se espalhou pelas suas costas, suas pernas pararam os movimentos e seu corpo foi arremessado ao chão frio e liso.
Julia deslizou tentando parar assim que escutou o forte barulho. Ela olhou para trás e o encontrou se debatendo no chão, tinha sido acertado com uma arma de choque. Como estavam a uma certa distância, ela arrancou os pinos fincados nas costas dele e o ajudou a se levantar.
Agora quase que carregando duas pessoas ela voltou a acelerar as passadas enquanto o incentivava a fazer o mesmo. Quase não conseguiram atravessar pela porta porém, assim que o fizeram, foram seguidos por vários dos soldados.
Do lado de fora, eles entraram dentro da barraca que os amigos haviam usado, aquela já estava rasgada, assim não precisariam repetir o processo. Não tinham tempo para isso. Desceram dentro da mata, correndo sob barulho de tiros que acertavam violentamente o chão e as árvores.
***
Courtney e Philip se assustaram ao escutar o barulho estrondoso produzido pelo alarme e, de súbito, abriram a porta da sala e rumaram para o andar de cima. Um soldado que também se encaminhava na mesma direção foi parado por Courtney que o interrogou a cerca do motivo de toda a bagunça.
- Desconfiam que fosse alguns dos prisioneiros que fugiram.
Courtney o seguiu para o andar de cima. As celas, antes ocupadas, agora se encontravam vazia. Os que não resistiram aos testes haviam fugido, e alguns mais não resistiram durante a confusão na tentativa de fuga.
- Alguma notícia sobre Lúcio e seu pessoal? - Courtney perguntou impaciente. O soldado apenas negou com a cabeça. - Vá e capture os fugitivos! Agora!
O homem acenou um "sim" com a cabeça e saiu apressado por outro caminho. Philip se desviou e correu atrás dele que caminhava apressado empunhando seu cassetete.
- Não receberam nada no rádio? - perguntou.
- Não.
- Alguma ideia do que possa ter acontecido?
- Não mesmo.
- Isso não me parece normal. Será se ele encontrou problemas?
- É provável.
Após caminharem por mais alguns metros, eles se aproximaram de um guarda que estava fazendo a segurança da porta. Tinha acabado de chegar ali.
- Com licença - disse Philip se aproximando. - Para qual lado Lúcio e seu pessoal foi?
- Não sei lhe informar exatamente, senhor. Estava ocupado com os prisioneiros naquele momento.
- Alguma notícia? Algo de relevante?
- Me disseram que houve uma troca de tiros vinda daquela direção - o homeme apontou para o lado direito -, mas é impossível saber o resultado do conflito.
- Isso não está me soando bem, ele já deveria ter voltado. Acho que seria bom se outra equipe fosse atrás deles.
O soldado confirmou com um aceno de cabeça. Philip varreu o ambiente com os olhos e enxergou um grupo de homens parados conversando do outro lado do pátio. Ele caminhou até eles.
- Ei! Vocês precisam ir atrás de Lúcio e seu grupo.
- Lúcio sabe se virar - respondeu de forma áspera um homem.
- Eu sei que sim. Não é essa minha preocupação - Philip encarava a porta atento ao menor movimento que surgisse dela.
- E com o que exatamente você está preocupado? - perguntou com curiosidade. - A equipe de Lúcio é bem preparada, ele próprio luta muito bem. São só civis. O único empecilho é Kate, mas isso ele resolve com uma bala só - os outros homens o acompanharam em uma risada nada tímida.
Philip os encarou por um momento e deixou o local.
- Tudo bem. Eu mesmo irei ver o que aconteceu - disse para si mesmo.
Philip atravessou rapidamente pela porta e entrou dentro da floresta, mas não tinha certeza do que encontraria. Nunca havia andado pela mata e quase caiu ao descer pela barranceira escavada pela erosão.
- Droga - disse ao perceber seu pé afundado na areia vermelha ao chegar no terreno mais plano. Ele se remexeu balançando os braços e suspirando, então, caminhou escolhendo onde deveria pisar naquele solo encoberto pelas folhas secas. - Espero que não seja tarde demais - pronunciou para si mesmo.
***
Mesmo sendo complicado correr morro abaixo, Marcos e Julia não tinham tempo para pensar sobre Isso, a única coisa que importava era sobreviver. Julia tinha mais habilidade do que Marcos que vez ou outra caía e rolava para não evitar de parar a corrida.
A barranceira estava se aproximando do fim, o Porto e a praia já eram visíveis através das árvores. Marcos saltou por cima de um raiz mais alta e começou a rolar descontrolado, quando tentou se levantar percebeu seu braço começar a queimar como fogo. Ainda sem entender muito bem o que estava acontecendo, e por causa da adrenalina, ele continuou a corrida em direção aos barcos. Ao chegarem até a praia, enxergaram Paula, Mônica e Fred dentro de uma lancha, eles saltaram do lugar onde estavam sentados ao verem os dois surgir correndo por entre as árvores.
Era estranho a ardência repentina que Marcos sentiu ter se instalado em seu braço direito, e quando tentou levantá-lo percebeu o motivo de tanto incômodo. Um tiro. Ele havia sido atingido, porém de raspão. Julia passou ao seu lado e Marcos percebeu quando ela reparou na mancha vermelha em seu macacão. Por impulso, ele também a olhou e reparou que ela estava maior.
Será se foi mesmo de raspão?, pensou. Não! Se tivesse me acertado em cheio com certeza eu teria sentido o impacto e a dor.
Julia tomou o controle da lancha e Marcos se aproximou de Fred que estava abaixado. Mônica e Paula se abaixaram também ao ouvirem o barulho dos disparos.
- Boa escolha! – disse Julia.
Paula porém não teve a chance de responder nada pois, assim que o motor foi ligado, Julia acelerou e, de súbito, seguiu em outra direção fazendo a lancha deslizar de banda e arremessar Paula contra uma das paredes laterais. Se já não estivesse abaixada e quase se sentando, com certeza teria caído para o lado de fora.
Os tiros continuaram. Os soldados entraram dentro das outras lanchas e começaram uma perseguição. O vidro do painel que estava a frente de Julia foi atingido, estilhaços se espalharam pelo ar e quase a machucaram de forma séria. Automaticamente ela se abaixou para evitar ficar muito visível e à vista.
Em meio a chuva de tiros, um única bala não sofreu nenhuma interferência física, a mira não tinha sido escolhida de qualquer forma e seu trajeto foi certeiro. Estavam agachados e só repararam quando Mônica caiu de lado devido ao impacto projetado pelo objeto. Seu ombro tinha sido perfurado.
Paula se jogou por cima e retirou rapidamente o próprio uniforme para pressionar o local. O sangue no entanto insistia aumentar a cada segundo.
- Calma! - Paula pressionava de forma desesperada. - Fica calma Mônica! Vai dar tudo certo!
- Não pare de pressionar! - gritou Fred.
Com muita dificuldade e muita pressão conseguiram fazer o sangramento aparentemente parar, não completamente mas o sificiente para evitar que ela morresse. O olhar de Marcos estava fixo em Mônica que expressava em seu rosto que a dor ainda era muita. Ela não conseguia mover o ombro e as pontas do seu cabelo loiro agora estava pintado de um vermelho escuro, os tiros porém não cessaram. Ele estava tão perdido nos pensamentos sobre o quanto odiava aquela organização que só voltou à realidade quando sentiu Fred dar dois toques em sua perna.
Ele o olhou esperando ouvir uma pergunta mas seus olhos se arregalaram assim que o amigo virou a palma da mão para cima e Marcos viu o que estava sob ela: o detonador.
Ele o pegou apertando o objeto contra as dobras da mão as deixando brancas. Parecia querer esmagá-lo visto a pressão que fazia. Ele encarou cada um dos amigos, Mônica estava olhando Paula que a encarava pressionado a mão sobre o macacão. Julia seguia tentando guiar a lancha de uma forma que também não ficasse muito exposta. Estavam em perigo e continuando assim não parecia que chegariam muito longe antes de todos serem mortos.
Ele encarou Fred que o olhou de volta. Marcos e virou para ilha da qual saíram, da qual nunca pensou existir, na qual não queria retornar nunca mais. Queria que ninguém retornasse.
- Vão para o inferno seus vermes! – disse apertando o botão com toda força que possuía.
Antes que a lancha sofresse mais tentativas de ser perfurada pelas balas, uma sequência de estrondos foi cessando o tiroteio e ao se virar, Marcos observou uma grande coluna de fumaça e fogo saindo das duas lanchas que os perseguia. Nesse momento se lembrou do que Lúcio havia dito sobre seu pai e, buscando automaticamente na memória a imagem mais recente de seu rosto que possuía, imaginou a cena dele sendo arremeçado para fora do barco, provavelmente desmaiado, e ter batido com a cabeça em alguma pedra e morrido no local. Talvez Lúcio apenas não decidiu trazer de volta o corpo, deve ter pensado que deixar ali, escorado ao alguma pedra, boiando no mar, seria a a melhor opção.
Ao mesmo tempo, uma séries de estrondos vindos da ilha chegavam aos seus ouvidos. Julia diminuiu um pouco da alta velocidade para olhar para trás, todos encaravam a ilha fixamente.
***
Cercada pelos móveis da melhor qualidade que se podia encontrar no mercado, e sentada em sua mesa que custou o salário de pelo menos uns vinte funcionários daquele lugar, Courtney digitava em seu computador relatórios sobre os experimentos recentes quando um estrondo a fez parar seu processo.
As bombas que estavam nas paredes explodiram fazendo pedaços da parede voarem para todos os lados quebrando vidros e equipamentos. Pessoas corriam e gritavam desesperadas, poças de sangue já estavam espalhadas por todo piso, a poeira branca e cinzenta tomava conta do ambiente deixando a visão turva e confusa. O laboratório se destruiu por completo levando consigo todas as pesquisas recentes e amostras mais antigas.
O barulho das explosões eram constantes, Courtney se levantou e caminhou até a porta da sala a abrindo. O corredor antes ocupado por pessoas agora estava repleto de poeira e coberto por pedaços de cimento e da ferragem usada para sustentar as construções. Ela retornou assustada para trás de sua mesa imaginando que ficar do lado de dentro seria a opção mais segura. Uma vibração forte vinda do chão a atingiu e nesse momento decidiu tentar sair da empresa, concluiu que talvez do lado de fora estivesse melhor.
Não deu tempo.
Antes que desse seu primeiro passo o chão se abriu, se separando em vários pedaços. As bombas nas vigas de sustentação explodiram levando abaixo o segundo andar e tudo que ele abrigava. Os cientistas que não conseguiram escapar foram esmagados violentamente, máquinas se quebraram e frascos das experiências se perdeu.
Após a sequência se estrondos, o barulho cessou. Um som rasgado e roco chegou aos ouvidos de Courtney que, levantando levemente a cabeça, se deu conta de que ainda não havia morrido. Acabou ficando debaixo de sua mesa do escritório. Por não ser madeira de boa qualidade, ainda sustentou um pouco o peso mas não o suficiente pois acabou se quebrando e esmagando suas duas pernas.
Ao seu lado, um dos cientistas estava encoberto até o peito por outro bloco. Ele respirava com dificuldade, seu peito estava sendo pressionado contra o chão o que tornava a respiração extremamente difícil.
- O... que... houve? - sussurrou com dificuldade.
Courtney respirou fundo e tossiu por sentir a poeira invadir seus pulmões. Antes que pudesse responder, o chão balançou de forma brusca trazendo para baixo mais pedaços de concreto. Ela tentou se mover mas estava presa. Ao abrir a boca para responder a pergunta feita, sua língua se travou e sua boca ficou parada na mesma posição ao ver que um bloco desabou sob o outro que já estava por cima do homem. O barulho dos ossos sendo esmagados se espalhou pelo ambiente esfumaçado.
O homem já estava morto. Ela estava presa e não conseguiria escapar sozinha, provavelmente demoraria muito par alguém vir buscar por sobreviventes. Courtney observou a mesa que estava sob suas pernas. Estava presa debaixo do entulho que ela escolheu a dedo.
- O vulcão... - ela ainda encarava o móvel quando se virou para a figura agora esmagada pela pedra. Seu olhos já estavam sem vida e os de Courtney não eram muito diferentes. Seu cabelo loiro agora estava cinza e bagunçado. Não parecia a mesma. - Ele acordou... - disse sem emoção.
***
Do barco eles se assustaram ao ouvir um estrondo mais tardio que não vinha das bombas. Marcos se levantou, curioso. De uma vez só, a lava subiu com toda sua fúria após ficar anos desacordada. Subiu derretendo computadores, máquinas, pessoas, motos, emfim, tudo que estava dentro da construção.
Marcos observava a cena com certo alívio. Vingou a morte de seu pai e impediu que outras pessoas passassem pelo mesmo. Emfim livres, estava acabado. Julia voltou a velocidade alta e seguiram para o continente. O sangramento de Mônica não havia retornado e depois de algum tempo cercado pelo azul do oceano, chegaram a um porto na cidade.
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