Capítulo 16
Julia analisou onde os soldados estavam dispostos para traçar uma rota na qual não encontraria muitos deles. Antes de sair, olhou André caído no chão e novamente sentiu-se mal por ter feito aquilo. Fechou a porta e caminhou apressada, a bagunça já estava formada e ela precisava chegar o mais rápido possível neles. As luzes piscavam um vermelho escuro, alguns soldados passavam por ela indo atrás de prisioneiros que corriam desesperados pelos corredores sem um rumo certo. Julia se encostou na parede pra dar espaço para que passassem mas assim que contornou a esquina do corredor se deparou inesperadamente com um Lúcio, armado e com uma expressão de tranquilidade em seu rosto, totalmente diferente da esperada para uma situação como essa. Seus pés pararam no impulso e o sangue gelou em suas veias pelo susto, Julia rapidamente abaixou a cabeça e se controlou mudando sua expressão para algo que fosse menos incriminatório.
- Kate?
- Ah, oi! - respondeu
- O que faz aqui nos corredores?
- Nada...
- Deveria estar dentro de alguma sala. Sabe que só nós da segurança podemos sair em situações assim.
- Sim eu sei mas, eu já estava aqui fora quando o alarme tocou. Estou indo para algum lugar seguro agora mesmo. Aliás, o que houve?
- Prisioneiros fora das celas. Estamos... - Lúcio parou por um segundo a analisando -, investigando o que aconteceu.
- Entendi. É... eu vou indo então - disse mas antes que pudesse dar o primeiro passo Lúcio pousou a mão em seu ombro a fazendo paralisar.
- Parece assustada... - disse a olhando.
Sua forma calma de falar era assustadora. Se não o conhecesse e não tivesse treinamento emocional, acreditaria facilmente que ele estava realmente preocupado com ela.
- Ah, normal né - Julia moveu o ombro lentamente para trás virando sua cabeça e fingindo olhar a sua volta, e com o movimento se livrou da mão dele. - Todo esse barulho e esses gritos...
- Conheço você, não se assusta fácil assim - disse. Sua desconfiança era algo quase palpável.
- Eu cochilei um pouco no refeitório - ela bocejou -, e estava tendo um pesadelo e do nada fui acordada com esse barulho.
- Ok então... Tenha cuidado.
- Tudo bem.
Julia saiu sendo seguida pelo olhar de desconfiança de Lúcio que a encarou até ela sumir de vista. Ao sentir que estava livre, Julia se apressou e retornou até onde os outros estavam escondidos.
- Nossa até que emfim. Achei que tivessem pego você - disse Marcos assim que ela abriu a porta e adentrou a velha sala.
- Bem, não pegaram.
- Ouvimos um barulho altíssimo como se fosse um alarme, o que houve? - perguntou Paula.
- Precisávamos de uma distração pra conseguir chegar até a porta então eu a consegui. Abri todas as celas.
- Deve estar uma bagunça lá fora - falou Fred. - É por isso então que estamos ouvindo tantos gritos e barulho coisas se quebrando.
- Exatamente.
***
- Chefe? - o barulho no rádio interrompeu os passos de Lúcio que caminhava pelo corredor.
- Aqui - ele respondeu.
- Estou na sala do vigia senhor. André está desacordado no chão, mas vivo. Olhei algumas imagens gravadas aqui e descobri o que aconteceu com ele e quem causou toda essa confusão.
- Prossiga.
- Temos uma traidora, senhor. Kate atacou André e abriu as celas. Ela está ajudando aquele tal de Marcos e alguns outros prisioneiros.
"Desgraçada" Lúcio murmurou para si mesmo.
- Consegue saber onde ela está? - perguntou.
- Ah... Espera... achei! Ela entrou no almoxarifado, senhor. Deve ser onde estão os outros.
- Certo.
Três soldados passavam com passos acelerados ao seu lado empunhando suas armas, Lúcio os gritou e eles caminharam até ele.
- Me acompanhem - disse.
- Mas, e os prisioneiros senhor?
- Está tudo trancado, depois capturados eles. Agora, venham comigo. Temos algo mais importante pra resolver.
- Sim senhor.
***
- É o seguinte - Julia chamou a atenção de todos. - Alguns guardas estão protegendo a porta de saída. Não posso ser vista com vocês então faremos dessa forma, você vão pela frente, como se fosse atacar os soldados e eu vou por trás. Enquanto vocês os mantém ocupados, eu abro a porta e aí escapamos. Entenderam? - eles sinalizaram um "sim". - Agora vamos! Rápido!
Um a um eles saíram correndo em direção a porta, na sua frente outras pessoas também corriam na mesma direção.
- Deixem eles irem na frente, vamos por trás para evitar que sejamos pegou ou feridos - disse Marcos.
À frente um grande número de pessoas atacava os soldados enquanto os mesmos atiravam balas de borracha ou lutavam usando armas de choque. No chão, corpos estavam espalhados, vários deles ainda estavam vivos já outros não tiveram a mesma chance pois as balas de borracha acertaram em algum lugar importante do corpo.
Julia atravessou pelo outro lado, contornando a confusão e chegando até a porta que estava trancada. Sem nem esperar pelos outros ela pegou sua chave e tentou, com as mãos trêmulas, abrir a porta. Passou na fechadura a primeira vez mas não deu resultado devido ao mal jeito. Tentou pela segunda vez mas antes que conseguisse êxito, uma pessoa foi jogada contra ela que se desequilibrou completamente caindo de lado e soltando o cartão. Com dificuldade ela empurrou o prisioneiro e se arrastou, pegou o cartão novamente e levantou.
- Estão na porta de saída. Peguem eles! - gritou Lúcio. Quando chegou no almoxarifado e o percebeu já vazio, sua ira aumentou rapidamente.
O som de sua voz alcançou os ouvidos de Marcos o deixando sem esperanças. Julia ainda não havia aberto a porta, Lúcio se aproximava, os soldados estavam começando a se reunir e chegar mais perto. Julia tentou novamente passar o cartão mas não deu certo, tentou outra dessa vez mais devagar. Aquela porta precisava abrir. Ela sabia que se fossem pegos haveriam sérias consequências, ela com certeza seria a que mais sofreria.
O desespero era total e o medo estampava os rostos de todos eles. Julia observava Lúcio se aproximando, sentia-se perto e longe ao mesmo tempo, sua mente a levou a imaginar o que fariam com eles, se lembrou de sua promessa feita a seu João e todo o mal que havia causado, ela não iria conseguir cumprir essa promessa e seus pais nem mesmo iriam saber se ela estava bem ou não. Sua conformidade com seu destino estava se concretizando quando um bip em suas costas a tirou desse devaneio. Ela se virou para olhar, a porta estava se abrindo. Ainda havia uma chance de cumprir aquela promessa, ainda havia um chance de salvar Marcos.
- Vamos! Vamos! - gritou acenando para eles que se empurraram e conseguiram atravessar a confusão.
Todos se apertaram e atravessaram pela ainda pequena abertura que irradiava a morna luz do sol da manhã. Outros prisioneiros os acompanharam, e um tempo depois Lúcio e seu grupo também.
Julia, Marcos, Mônica, Paula e Fred ganharam o pátio e correram sem uma rota preestabelecidas. Julia os guiou atravessando entre duas barracas e os levou para a floresta onde seria mais fácil de se esconder.
- Para onde vamos? - disse Mônica.
- A caverna! - disse Paula ofegante. - Vamos voltar para a caverna. Estaremos a salvo e escondidos, teremos tudo que precisamos até arrumarmos um jeito de sair daqui.
- Sabe onde fica? - perguntou Julia.
- Sim, sei! É por aqui!
Paula tomou a frente guiando todos em direção a caverna. Correram por um certo tempo e depois o cansaço dominou e sem um aparente motivo para preocupação, eles começaram a caminhar. Ao longe era possível escutar o barulho de gritos e tiros dados a certa distância.
- Marcos? - disse Fred se aproximando esfregando os olhos. Fred estava com olheiras e cansado, durmiu mal a noite inteira.
- Sim?
- Eu queria me desculpar com você.
- Pelo quê? - perguntou.
- Por ter acusado você de ter nos entregado. Não deveria ter feito aquilo, nem conhecia você direito. E mesmo assim você não me deixou para trás, obrigado.
- Aquele foi um momento tenso. Todos estávamos aflitos e não sabíamos o que realmente tinha acontecido... Eu também falei algumas coisas sobre você... que... eu-
- Estava certo - Fred completou deixando Marcos em silêncio. - Bem, parcialmente certo. Meu problema é a bebida, eu... sou.. alcoólatra.
- Me desculpe, eu não queria ter exposto você daquela forma. Eu também tenho um problema com bebidas... Não sou alcoólatra nem nada. Comecei depois que fui para a rua, alguns bebem porque gostam mas no meu caso não era o vício mas sim algo pessoal. Bebia quando me lembrava dos meu pais, aí um dia eu consegui ajuda profissional e parei de vez. Se eu continuasse poderia ter se tornado um vício mas eu recebi ajuda antes. Às vezes eu ainda tomo alguma coisa mas quero parar de tudo mesmo e já comecei esse processo. Mas enfim, eu disse tudo aquilo num momento de raiva porque não esperava que todos fossem se virar contra mim mesmo eu não tendo dado nenhum motivo para isso. Poderia ter sido qualquer um, todos mereciam o benefício da dúvida.
- Verdade. Não deveríamos ter feito aquilo. Deaculpe novamente.
- Mas já passou - disse. - Contanto que não se repita...
- E não vai. Ei, você... - Fred pensou por um instante -, disse que conhece Julia de antes disso não é mesmo? - perguntou, mas sentiu que não deveria ter feito a pergunta.
- Conheço... - Marcos ficou sem responder enquanto se lembrava de tudo que havia acontecido. - Ou achava que conhecia.
- Quer saber? - disse Fred levantando as mãos chamando a atenção de Marcos. - Isso me parece um assunto muito sério e bastante pessoal, me desculpe por perguntar. Não precisa responder, era só curiosidade mesmo.
- É. Essa é uma história complicada mas, resumindo, eu pensei que ela fosse uma pessoa e chegando aqui descobri que ela era outra completamente diferente.
- Eram próximos?
- Bastante, se assim posso dizer.
- Gosta dela? - perguntou Fred.
- É complicado - foi tudo que Marcos decidiu responder.
- Não é - disse Fred. Marcos se assustou, parecia ter levado uma bronca. - É só responder que 'sim' ou que 'não', ou no seu caso meu amigo, admitir o fato para si mesmo.
- Parece saber do que está falando.
- E sei. Como você acha que eu acabei nessa droga de vida? - perguntou.
Marcos não respondeu de imediato. Não sabia o que dizer.
- Eu gostava de uma garota aí. Eu queria algo sério, e ela aparentemente não queria o mesmo pois fui trocado por outro cara com menos de cinco meses de namoro.
- Nossa, mas que droga.
- É mesmo. Ela não me pareceu nem um pouco ressentida com que tinha acabado de fazer comigo. Ainda gosto dela, mas sei que não devo tentar de novo pois não vale a pena. Assim eu fiz, admiti pra mim mesmo e agora sigo em frente.
- Minha história é muito mais complicada - comentou Marcos.
- Mas o princípio é o mesmo, fomos enganados. Pronto, aconteceu. Se você perceber que ela ainda gosta de você e que isso não vai mais se repetir, tenta de novo. Agora se esse não for o caso, esquece essa ideia.
- Tem razão.
- Depois que ela me largou tudo acabou desandando e eu acabei assim.
- Eu sei, morar na rua não é fácil, já passei por isso.
- Mas eu não moro na rua - corrigiu ele. Marcos o encarou confuso. - Minha vida não é ruim não, tenho casa e tudo mais. Porém às vezes eu exagero tanto que acabo sem conseguir voltar para casa e acabo dormindo na rua.
- Você precisa de um tratamento - falou Marcos.
- E você de se resolver com Julia. Percebo que você gosta dela e ela de você.
- Você não deveria sair dando opiniões na vida pessoal das pessoas dessa forma - disse brincando.
- Você também não, mas fez mesmo pensado dessa forma - retrucou ele.
- Eu te dei foi um conselho muito bom.
- Eu também, só você não percebeu.
- Sabe, você não me conhece. Eu não tenho costume de seguir os conselhos que me dão - disse Marcos. Ele escutava todos e tentava segui-los principalmente se eles vinha de seu João ou dona Ana. Nem mesmo ele acreditou no que disse tanto que disparou a rir sendo acompanhado por Fred que percebeu que Marcos havia mentido. - Mas sem brincadeira Fred - Marcos o encarou e ele o olhou de volta -, quando eu disse que você deveria fazer um tratamento, eu estava falando sério.
- Quando eu te dei meu conselho também. Mas... - ele caminhou sem falar por um instante. - O que você disse, não é tão fácil assim.
- Eu sei que não pois conheço gente que passa pela mesma situação, mesmo assim você tem que tentar. A diferença é a força de vontade, alguns tem e outros não. Você acha que se eu decidir seguir seu conselho vai ser fácil pra mim esquecer de tudo é começar do zero?
- Não disse pra você esquecer de tudo. E outra, meu conselho tem mais chance de dar certo do que o seu pois eu já tentei isso uma vez e não funcionou da forma esperada. O seu só depende de você.
- Porque o seu não deu certo?
- Precisa de acompanhamento e tudo mais. É difícil fazer isso sozinho.
- São objetivos difíceis não é mesmo!?
- São.
- Por que não tornamos isso uma meta? - perguntou Marcos. Fred o olhou confuso.
- Como assim uma meta?
- Simples. Você me deu um ótimo conselho. E por isso ele é uma droga, porque era exatamente o que eu não precisava ouvir porque, agora que você já disse, isso está rodando na minha cabeça e cada vez eu penso ele faz mais sentido - disse suspirando com se tivesse perdido uma aposta. - Eu também te dei um ótimo conselho. Façamos o seguinte: estamos... nesse lugar e até a alguns minutos atrás a gente estava dentro de uma cela sendo usados como cobaias humanas. Então, se mesmo assim a gente conseguir sobreviver a isso, cumpriremos o que o outro aconselhou.
- Parece bom. Não custa tentar.
- Não mesmo - Marcos respondeu. - Fechado? - disse estendendo a mão.
- Fechado então - disse Fred apertando a mão dele.
Galhos e pedras espalhados pelo terreno dificultavam a caminhada. Fred estava olhando para a copa das árvores quando acabou tropeçando por causa de sua sandália que se prendeu em uma raiz suspensa na terra.
- Merda - ele xingou.
- O que houve? - perguntou Marcos parando mas ainda olhando para frente.
- Tropecei aqui - disse voltando um pouco para trás e pegando sua sandália que havia se soltado do pé. - Ah, achei que tivesse arrebentado.
- Essas raízes dificultam mesmo a caminhada - comentou Marcos. Fred jogou a sandalia no chão e a calçou. A luz do sol acertava o lado esquerdo de seu rosto o iluminado de perfil. Fred se virou para trás olhando ao seu redor e antes que pudesse raciocinar com cautela e pensar em uma solução mais bem elaborada, seu corpo foi movido pelo impulso de desespero. - Por sorte não estamos precisando correr, se não isso seria mais compli-
Marcos não terminou a frase pois sem perceber seu corpo foi empurrado com força para o lado esquerdo por uma mão que apareceu em seu ombro naquele instante e no seguinte não estava mais lá. Tudo que ele conseguiu perceber a seguir foram dois estalos finos e bastante altos onde um deles acertou o tronco de uma árvore, fazendo as mulheres se abaixarem devido ao barulho assustador. Porém o primeiro barulho foi abafado por algo que não era a madeira da árvore. Marcos se arrastou pelo chão empoeirado e o que viu na sua frente ao levantar a cabeça o deixou preocupado, Fred estava deitado de barriga para cima com o braço esquerdo sangrando. Marcos imaginou que o tiro fosse para ele mas que por causa do empurrão a bala acabou acertando outro alvo.
Julia que estava a frente agachada com as outras mulheres se virou para trás procurando Marcos e Fred e os encontrou deitados no chão e Lúcio a uma distância ainda grande deles.
- Fred? - falou Marcos se arrastando para mais perto dele. - Fred? Como você está?
- Baleado - ele respondeu.
- Hilário - disse Marcos. - Agora vamos sair daqui. Fomos descobertos.
- Acho que não consigo me levantar. Meu tornozelo está doendo - disse ainda reclamando da dor.
Marcos pegou o outro braço dele e o levantou. Depois passou pelo ombro começando a caminhar, passos na frente ele se encontrou com Julia que vinha em sua direção assustada.
- O que houve? - perguntou.
- Fred foi baleado. Mas o problema é o tornozelo, ele diz que está doendo. Consegue saber se ele quebrou alguma coisa?
Julia se abaixou rapidamente e examinou o local. Em seguida ela se levantou pegando o outro braço e começaram a caminhar mais rápido entre as árvores enquanto escutavam as cascas delas se rachando ao serem atingidas pelas balas de Lúcio e seu pessoal.
- Parece ser apenas um torção. A dor deve passar logo - disse.
- Paula! - Marcos gritou. - Mônica! Venham aqui!
Elas retornaram apressadas, Marcos passou Fred para elas que tomaram o lugar dele e de Julia que sustentavam o corpo.
- Preciso que carreguem ele até que ele possa andar novamente. Agora corram! - disse Marcos sacando sua arma. Julia fez o mesmo pegando a de Fred que estava entre o elástico de sua calça e suas costas. - Vamos tentar atrasar eles, mas vocês precisam ir rápido.
Mônica e Paula tomaram a frente carregando Fred e chamado seu nome a todo momento.
Julia e Marcos escolheram cada um uma árvores pra se proteger e começaram a disparar. As balas acertavam o chão e as árvores nas quais eles estavam escondidos, a poeira subia na batida e se acertasse uma pedra de raspão, era capaz de sair até uma faísca. Lúcio e seus outros cinco homens estavam equipados com coletes à prova de balas e vez ou outra também usavam as árvores como cobertura. Com as balas quase no fim, Marcos conseguiu acertar um deles com dois tiros, um em cada coxa. Julia foi mais precisa e acertou o pescoço de um outro homem. Não conseguiram continuar depois disso pois ficaram sem munição.
Sem mais recursos, eles se levantaram e correram na tentativa da fuga, não estavam mais vendo Fred e as meninas o que era sinal de que sua ideia tinha dado certo. Os passos atrás deles se tornavam mais fortes e mais rápidos a medida em que se aproximavam. Agora precisavam ser rápido e se esconder, era a única alternativa que havia sobrado.
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