Capítulo 13

Reflexivo, era como Marcos estava. Sentado naquela cadeira cinza gelada, sobre o chão também gelado ele refletia sobre o que ouviu. Precisava mesmo encontrar novos amigos. Sandro não era um amigo, como é descrito no significado da palavra, mas era uma boa companhia. As outras pessoas que conviviam com ele continham ainda menos proximidade.

Estava confuso e com muita raiva porque tudo que ela disse sobre a questão da polícia estava de acordo com a realidade. Seu bairro realmente não era um dos melhores e as visitas da polícia a ele não eram muito comuns. Marcos sentia uma frustação pessoal ao pensar sobre o fato de que essas pessoas ricas possuem muita influência, capaz de mudar a direção da justiça de acordo com seus interesses.

Porém, sua sensação de frustação se dissolveu rapidamente dando lugar a curiosidade ao se lembrar de algo que Courtney havia dito.

- E qual é o outro motivo? – questionou ele levantando a cabeça novamente e a encarando.

- O que?

- Você disse que o fato de eu “não ser importante” não era a única razão pela qual me pegaram.

- Ah, sim. Realmente. Você se lembra do seu pai?

- Pouco. Mas sei que ele trabalhava para essa empresa. O que eu estar aqui tem a ver com meu pai?

- Seu pai era um excelente cientista, o melhor na época em que trabalhava aqui e talvez fosse o melhor que já tivemos - ela fez uma pausa. - Porém ele também era humano, o que significa que ele também errava e foi um desses erros, um bem inconsequente, que causou sua morte.

- Como assim?

- Seu nascimento tornou seu pai uma pessoa mais feliz. Chegava ao trabalho mais alegre e até obtinha mais resultados para as pesquisas da empresa. Não via a hora de ir para casa para ver você. Mas, pouco tempo depois ele descobriu que você tinha uma doença grave que não possuía cura. Como eu disse, você já teve sim uma doença grave. Sabendo disso, ele se dedicou a trabalhar na criação de um remédio que pudesse curar você, e isso o levou a ficar no laboratório até tarde durante muito tempo. Ele não nos contou por qual motivo fazia isso mas, como era nosso melhor cientista e era o chefe do laboratório, não perguntamos o que estava fazendo, afinal ele tinha nossa total confiança. Entre todas as pessoas desse lugar, apenas o segurança do laboratório sabia o que ele fazia lá dentro. Eles eram melhores amigos, quase irmãos eu diria. Uma pena termos perdido os dois, eram bons funcionários – disse pensativa.

"Um segurança", Marcos cochicou distraído esquecendo de que Courtney também estava na sala.

- O que disse? - perguntou confusa.

- Hã?

- Você disse algo. O que foi?

- Nada de “importante”.

- Continuando... - disse impacinte sem se interessar em saber o que ele havia dito. - Seu pai desenvolveu um novo medicamento, esse que ele aplicou em você. Logo depois ele nos contou a história afirmando que havia descoberto uma cura. Nós obviamente negamos nosso aval uma vez que ele havia feito apenas um teste, precisávamos de mais. Seu pai não aceitou muito bem essa notícia e saiu com muita raiva dessa sala - ela olhou para a ponta da mesa e Marcos imaginou que  provavelmente era de pé naquele lugar que seu pai estava quando apresentou os resultados de sua pesquisa. - Robert não queria esperar. Estava inquieto e confiante com o que descobriu.

- Como você mesmo disse, ele era seu melhor cientista, não?

- O que quer dizer com isso?

- Não convivi muito com ele mas, se ele era tão bom como diz, então ele sabia o que estava fazendo.

- Se não conviveu com ele, então como assim confia tanto?

- Não confio nele. Mas pelo que ouvi acredito que ele era extremamente competente no que fazia.

- Mesmo estando sobre forte emoção, querendo a qualquer custo salvar a vida do seu filho? - Courtney perguntou e, como esperava, não obteve resposta. Marcos não a lançou um olhar de desafio dessa vez. - Muito bem - continuou. - A situação piorou quando bloqueamos seu acesso ao freezer onde guardamos os remédios. Ele estava desequilibrado e foi quando resolveu roubar o medicamento com a ajuda do seu amigo segurança, e foi aí que eles erraram.

- Qual era o nome do segurança?

- Flávio. Por que? Você o conhecia?

- Não.

- Tem certeza?

- Não! Eu não o conhecia.

- Certo... Depois que seu pai roubou o remédio, ele aplicou em você. Fomos atrás mas quando chegamos ao hospital ele já tinha saído. Ele e Flávio fugiram em uma lancha e durante a perseguição se dirigiram para uma parte mais rasa do mar e a lancha acabou colidindo com algumas pedras e explodindo em seguida. Só achamos o corpo de Flávio.

O corpo estático e sua face tão parada que parecia que havia sido paralisada demonstravam o quão chocado ele ficou ao ouvir isso. Até então todos os parentes acreditavam que Robert tinha morrido por causa de um incêndio com produtos químicos no seu local de trabalho e que, por causa das queimaduras em grande parte do corpo, o velório havia acontecido com o caixão fechado.

- Não foi um acidente, foi um assassinato! Mataram meu pai, ele apenas queria salvar minha vida. Vocês pagarão por isso!

- São os dois lado da moeda. Eu vejo como um acidente.

- Nada disso. Foi um assassinato! Vocês o mataram - disse. Sua cabeça rodava e as lembranças do dia do velório agora tinham outro tom, um tom de mentira. Uma enganação.

- Ele foi imprudente. Pecisávamos fazer novos testes primeiro porque caso desse algo errado com você poderiam fazer uma investigação e acabariam descobrindo sobre nossa empresa. Além do mais, vendido para as pessoas certas, aquele remédio nos renderia milhões. Ele nos roubou.

- Como assim "nos renderia milhões"?

Sua expressão de terror pela revelação foi lentamente dando lugar à satisfação ao perceber que eles haviam fracassado em alcançar seu objetivo.

- Vocês não tem a fórmula né?! - Marcos deu um sorriso leve. - Apostaram tudo e não ganharam nada.

Courtney ficou em silêncio por um tempo.

- O remédio que seu pai criou era composto por vírus vivo - disse ela. - Descobrimos uma parte bem pequena sobre ele que nos possibilitou teoricamente prever seus possíveis benefícios, mas isso não era o bastante pois Robert destruiu grande parte de suas anotações e o que encontramos ele havia adulterado. Como não sabíamos, produzimos várias doses e fizemos vários testes, o que acabou nos custando muito.

- Vocês mereceram, mas foi pouco. Vocês ainda vão pagar pelo que fizeram ao meu pai e a todos os outros. E vai ser muito caro.

- Uma ameaça? - ela perguntou rindo.

- Um aviso - respondeu.

Eles pararam de conversar e Courtney voltou a folhear os arquivos sobre a mesa. Marcos olhava para uma mini-janela da sala e, ao começar a encarar suas mãos que agora estavam sobre as pernas, avistou o símbolo em seu pulso, sobre o qual ainda não tinha encontrado uma explicação.

- Meu tempo acabou? Ou eu sou um prisioneiro especial? - ele levantou o pulso deixando o símbolo em evidência.

Courtney encarou o desenho.

- O que isso significa e por que eu sou o único aqui que foi marcado assim? - perguntou.

- Nem todos os homens que fazem a segurança te conhece. Você precisava de uma identificação.

- E por que eu sou "especial"?

- Porque você sobreviveu ao remédio do seu pai.

- E o que isso tem a ver?

- Queremos saber se ainda há traços do medicamento no seu organismo.

- Eu fui medicado e ainda não tinha nem mesmo um ano de vida. Não sei se você é boa de matemática, mas se fizer as contas, vais saber que isso foi há mais de vinte e dois anos.

- Me diga, quando foi a última vez que teve uma gripe ou algo parecido?

- Não sei, não me lembro.

- Pois bem, a prevenção da gripe e algumas doenças parecidas é uma das consequências do uso dele.

- Consequências?

- Sim. Ele foi feito para curar você e depois disso, como imaginamos, ele se instalou no seu organismo e por ser muito forte, acabou por evitar que você pegasse gripes, resfriados, diarréia e outras doenças parecidas. Precisamos descobrir os outros benefícios dele mas para isso precisamos recriá-lo. E isso nos leva a você.

- Não entendi?

Courtney apertou em um botão no telefone de mesa e rapidamente dois cientistas apareceram na porta e se dirigiram a Marcos segurando seu braço.

- Não! Me soltem!

- Não vão te levar a lugar nenhum. Vamos tirar um pouco do seu sangue para analisar se o vírus realmente ainda está vivo.

Eles pressionaram o braço dele sobre a mesa e o amarraram com uma borracha amarela. Depois passaram álcool sobre o local e enviaram uma agulha. Rapidamente o sangue subiu para dentro do estojo, eles retiraram a borracha e saíram da sala. Courtney saiu na sequência. Marcos nem reparou exatamente quanto tempo ela ficou fora pois ficou pensando no que ouviu e se seu pai sabia de todo essa atividade monstruosa que acontece dentro daquele lugar.

- Como está o braço? - disse Courtney passando pela porta novamente.

- Vai me dizer logo qual é o resultado ou vai continuar fingindo que se importa? Acho melhor parar porque acreditar que vocês estão ajudando a humanidade e que essas pessoas são voluntárias já é insanidade o suficiente.

Ela deu uma leve risada.

- Só confirmou o que já suspeitávamos. Deu positivo.

- E o que isso significa?

- Que sua estadia será prolongada. Precisaremos do seu sangue para a produção. Ainda não descobrimos se podemos retirar o vírus. Ao que parece, ele está parcialmente inativo e se tentarmos qualquer coisa com ele assim não daria resultado, por isso precisaremos "ativá-lo" e já que ele previne a grípe, é isso que faremos. Vamos aplicar o vírus da gripe em você e esperar que ele seja combatido, e logo depois retiramos seu sangue para nossa produção.

- Eu serei como um depósito ambulante? Não podem fazer isso!

- É claro que podemos - disse Courtney se dirigindo para fora da sala.

Aquele ambiente frio tornava o peso das revelações extremamente desconfortável. Marcos não sabia mais o que pensar, era a preocupação com seu João e dona Ana, seu pai, o desespero em não saber o que de fato fariam com ele, uma forma de escapar daquele lugar, Julia/Kate... eram tantas coisas que ele nem conseguia organizar seus pensamentos. Não conseguia terminar um raciocínio sobre um assunto que outro já aparecia de repente. Ele respirou fundo, tentou focar seus pensamentos e se acalamar pois acabaria enlouquecendo se continuasse daquele jeito.

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