Capítulo 12
Marcos já estava a dois dias trancado em um cubículo, sem ver ninguém conhecido e sem nenhuma ideia do que pretendiam fazer com eles. O que não deixava a situação se tornar uma tortura completa era o fato de que todos eram incrívelmente bem alimentados.
• Flashback on •
Marcos andou calmamente até as grades ao ouvir passos pelo corredor. Um incômodo barulho de ferro chiando que fazia algumas pausas se aproximou e com ele apareceu dois homens. Um empurrava um carrinho de comida como os usados em hotéis e o outro aparentemente fazia sua guarda.
Pararam de frente a cela de Marcos e o disseram para que se afastasse. O que empurrava o carrinho se abaixou e passou uma marmita por uma abertura retangular na parte de baixo das grades. Marcos a pegou e a encarou por alguns segundos enquanto os dois homens seguiam para as outras celas fazendo o mesmo. Ele retirou a tampa de papel de alumínio e analisou o conteúdo.
- Nossa - disse Paula do outro lado. - Arroz, feijão, bife, alface e cenoura. Por essa eu não esperava.
Paula assim como Marcos apenas encarava a comida.
- Nem me lembro quando foi a última vez que comi tão bem - Fred dava garfadas rápidas em meio a suspiros. De todos, ele aparentemente era o que mais estava com fome.
Marcos pensou que essa fome toda pudesse ter alguma relação ao uso dele de drogas. Talvez uma reação, mas como ele não tinha certeza resolveu deixar de lado e se sentar para comer. O pedaço de carne e o arroz trouxeram automaticamente à sua memória o strogonoff de dona Ana.
Seu João, dona Ana... como será que estão? Será se foram na polícia? Coitados. Devem estar desesperados de preocupação, pensou ele enquanto comia.
• Flashback off •
Durante os dois dias preso foi o mais do mesmo. Três refeições por dia e ninguém mais entrava no corredor além dos mesmos dois homens do primeiro dia. Marcos, Paula e os outros começaram a teorizar o que esse sumiço de todos significava.
Alguns minutos depois de terminar de jantar, Marcos escutou um barulho de passos novamente. Dessa vez o chiado do ferro não os acompanhava. Ele continuou deitado e rapidamente os barulho aumentou e dois homens apareceram de frente a sua cela.
- Levante-se - um deles disse.
Eles abriram a cela e o algemaram. No corredor, Lúcio o esperava.
- Para onde estão me levando? - perguntou.
Ele pôde perceber Paula e os outros chegando próximo às grades para saber o que estava acontecendo.
- Vamos conversar um pouco - ele disse.
Atravessaram o pátio, subiram a escada e se encaminharam para a sala de reuniões. Marcos foi empurrando para dentro da sala ainda vazia e se sentou. Courtney entrou em seguida e se sentou em sua frente sem demonstrar expressões visíveis.
Lúcio, ainda parado dentro da sala, olhava desconfiado para Marcos que, com suas mãos agora fechadas, apresentava um o olhar de ódio em direção à Courtney. Ele ainda a encarava se sentar quando deu um salto para trás estremecendo de susto quando Lúcio bateu a palma de sua mão na mesa com toda sua força.
- Comporte-se - disse o encarando de forma fria e ameaçadora. Em seguida ele se retirou da sala.
Marcos respirou fundo antes de começar a falar.
- Quem são vocês? O que querem de mim? - perguntou.
- Passamos muito tempo vigiando você - Courtney o encarou usando os cotovelos como suporte e as mãos apoiadas no rosto. Seu cabelo loiro e pele branca com certeza muito bem cuidados a deixava com um ar mais jovem. - Kate era nossa agente principal mas é claro que tinhamos outros. Como você já pode imaginar, sei tudo sobre você. Um emprego em um bar, poucos amigos, sem namorada, um apartamento mais ou menos em um bairro como aquele... Conseguiu ir mais longe do que eu esperava.
- Não me importa o que você esperava! O que eu quero saber é quem são vocês! E por que eu estou aqui?
Courtney fechou a pasta com os arquivos que estava lendo.
- Somos uma companhia multinacional, muito reconhecida que faz pesquisas e desenvolve novos medicamentos que podem vir a prevenir ou curar doenças que até então não tem cura como o Alzheimer.
- Sei. E por isso sua empresa fica em uma ilha desconhecida né!? Desconfio que os clientes que elogiam a fachada do prédio não aprovariam o que acontece nos fundos dele não é mesmo?! - ele a encarou mas ela não disse nada. - O que eu e essas outras pessoas estamos fazendo aqui?
- Vocês são parte essencial para a criação dos medicamentos.
- Como assim?
- Todas essas pessoas que estão aqui... querem o melhor para a humanidade - disse gesticulando. - Algumas são voluntárias e outras tem ou já tiveram algum tipo de doença de difícil cura. Até você marcos.
Ele riu após ouvir isso.
- Revise seus arquivos e se nada mudar, compre um óculos. Eu não tenho nenhum tipo de doença!
- Não tem. Mas já teve.
- Está enganada. Se isso fosse verdade eu saberia.
- Querido você não sabe, nem a metade da história. Mas se você tem tanta certeza...
- Para de enrolação e me diga, como assim somos parte essencial do processo de criação? Vamos trabalhar para você? É isso? Trabalho forçado? Não... é muito pior não é?
- Vocês entram na parte dos testes, como voluntários.
- Cobaias, você quer dizer.
- Depende da forma com que você enxerga.
- Não pode estar falando sério.
- É uma questão de otimização do tempo. Perderíamos muito tempo e dinheiro testando as fórmulas primeiro em ratos para só depois, se desse certo, vir a testar em humanos. Resolvemos pular etapas e ir direto ao ponto. Essas pessoas estão ajudando a salvar muitas vidas ao redor do mundo.
- E se algumas, ou no caso, muitas vidas forem perdidas no processo não há problema algum não é mesmo?!
- Fatalidades acontecem independente do lugar em que você esteja - disse ela de forma firme. - Nossa organização tem um importante compromisso com o desenvolvimento humano. Nosso tempo é curto, quanto mais rápido cheguemos ao resultado, mais pessoas serão salvas.
- Vocês são criaturas nojentas e sua organização está comprometida apenas com o lucro e nada além dele. Se acha muito confiante não é?! Pra querer ficar sozinha... aqui... comigo. - Marcos inclinou o corpo para frente ficando corcunda em cima da mesa. - Não tem medo?
Courtney o olhou de forma desafiadora. A mesa não era muito larga e se Marcos quizesse poderia alcança-la tranquilamente.
- Escolha suas ações com cuidado, rapaz! - disse.
- Se não o que? - ele deu um impulso para trás voltando a se sentar normalmente - Vai mandar um dos seus soldados me matar? - falou gesticulando.
- Não vão matar você. E nenhum dos outros, eles não podem fazer isso.
- Vocês são doentes.
- O mundo é doente. As pessoas com as quais você se importa ficam doentes. O que você faria se descobrir que o seu João ou a dona Ana tem uma doença incurável? Vai usar remédios para controlar? Para adiar a morte? Não me parece muito satisfatório.
- Mas essa é a única solução! Até que se desenvolva algum remédio que cure, esse é o único jeito.
- E é nessa solução que estamos trabalhando.
- Não. Vocês estão usando isso como pretexto para encobrir seus próprios interesses. Usam as pessoas para testar suas fórmulas nem um pouco seguras sem ter ideia da reação que ela causará ao corpo da pessoas e depois, caso dê certo, vocês produzem mais e vendem pra quem puder pagar. Simplificando, tudo se resume ao dinheiro.
Ela parece estar começando a ficar irritada, pensou Marcos.
- Eu e Mônica já tivemos parentes que trabalharam aqui, mas Paula e Fred não. Porque estamos aqui?
- Porque não são importantes, simples assim. O fato de seu pai e o pai de Mônica terem trabalhado aqui não foi o que os trouxeram para esse lugar - Courtney abriu novamente a pasta com os arquivos. - Paula é uma vendedora em uma butique irrelevante, tem família e podemos dizer que tem alguns amigos. Fred não tem pais e é alcoólatra. Emfim, ninguém se importa. Pegamos pessoas que não são importantes, as quais não fariam uma falta substancial na sociedade e as trazemos.
- Você acha que não sou importante? Que não vou fazer falta? Há pessoas que se importam comigo, elas vão me procurar.
- É mesmo?
- Sim. E elas me acharão.
- Vamos esclarecer as coisas. Esse não é o único motivo pelo qual você está aqui, e sim você não é uma pessoa importante. Seus "amigos" estarão tão drogados ou bêbados, ou estando em alguma festa, que por acaso é só o que eles fazem, que nem vão lembrar que você existe. E quanto ao seu João, coitado. Ele vai tentar fazer alguma coisa, apenas tentar.
- Com certeza ele vai na polícia dar queixa do meu desaparecimento.
- Mesmo? E o que você acha que vai acontecer? - Courtney disse formando um leve sorriso em seu rosto. - Acha que ficarão te procurando? Uma pessoa que mora naquele bairro deplorável? Uma busca é o máximo que vão fazer, e depois, vão arquivar seu caso e você vai entrar para as estatísticas de pessoas desaparecidas que moravam naquele lugar. Caso insistam na busca, nós acionamos nossos contatos na polícia e seu caso será esquecido da mesma forma que apareceu, do nada.
Marcos apresentava um semblante de susto. No final, ela tinha razão com relação aos seus amigos e, pensando no que ela falou sobre a polícia, ele percebeu que se não conseguisse escapar daquele lugar, nunca seria encontrado. Seria, como ela disse, apenas mais um número entrando para as estatísticas de desaparecidos.
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