Prólogo
Suspirei cinco vezes antes de entrar na tenda do meu pai.
Diziam que cinco era um número que trazia sorte. Eu não acreditava em sorte, mas o fiz mesmo assim.
Abaixei a cabeça como sempre. Em uma tentativa que ignorar o que meus olhos assistiram algumas vezes naquele lugar. Meu pai nunca tinha se importado em ainda ser dia.
Minhas mãos tremiam, e meu corpo suava, sob a roupa feita de sacos.
No dia anterior ele tinha se irritado e cortado meu cabelo com sua própria espada, até mesmo Julion riu quando me viu sair de minha tenta com mechas de tamanhos diferentes.
Eu não era o que ele queria que eu fosse. Eu nunca seria, mas não era difícil ser um menino, quando era tão alta e desengonçada, e nunca tinha tentado ser outra coisa.
Contei cinco passos da entrada até o onde sabia que ele estaria, ignorando os cochichos e as risadas. Sem ousar tirar os olhos do chão. O olhar das pessoas ao meu redor pareciam me tornar cada vez menor, quando finalmente parei diante de Racon.
Meu pai levou alguns minutos para me analisar, tomou uma mecha de cabelo em sua mão, e soltou uma risada estranha.
— Patético.
Não respondi. Não ousaria respondê-lo.
— Me disseram que andou estudando sobre assassinato por veneno. — Falou.
E eu entendi sobre o que era tudo aquilo.
Ali, no acampamento, Racon tinha todo tipo de especialistas, assassinos noturnos, que eram bons em ataques sorrateiros e escondidos pelas sombras, estudiosos dos venenos, que sabiam todo tipo de veneno disponível naquele lugar e qual usar para conseguir o efeito necessário, tinha especialistas em combate sem armas, ou com armas, em lanças ou adagas, e até mesmo tinha ladrões com mãos tão leves que poderia roubar praticamente qualquer coisa até mesmo dos contrabandistas mais cautelosos. Racon ordenou a minha primeira aula alguns anos atrás quando pegou uma de suas servas tentando me ensinar há escrever, aprendi com um ladrão, e então com assassinos. E foi quando os testes de meu pai começaram.
— Urei, pegue os copos. — Meu pai ordenou.
Levantei ligeiramente o olhar apenas para ver as perninhas do garoto, que, como eu, tinha acabado de completar nove anos correrem até uma mesa próxima para cumprir a tarefa dada por Racon. Urei colocou dois copos velhos de estanho em minha frente, antes de disparar um sorrisinho malvado.
— Beba um deles. — Racon ordenou. — Escolha com sabedoria.
Meu coração disparou. Eu estava tendo aulas sobre veneno há quase duas semanas, mas ainda não tinha conseguido decorar grande parte do que o assassino tinha me ensinado de má vontade.
— Beba! — Ele gritou, e eu me encolhi.
Mais risadas deixaram meu nervosismo ainda pior. Eu sabia exatamente o que era a morte.
Tinha visto inúmeras vezes o momento em que o sangue jorrava, e os olhos se tornavam sem expressão. Tinha sentido nos ossos o silencio que se fazia naqueles poucos segundos da morte. Eu sabia exatamente que era aquilo o que me esperava se tomasse no copo errado, e provavelmente conheceria uma dor terrível antes que finalmente o silencio me alcançasse.
Tomei o primeiro copo nas mãos, lembrando das instruções do assassino.
Temperatura. Odor. Cor. Sabor. Uma das quatro coisas sempre mudava em uma bebida que continha algum tipo de veneno.
Senti o cheiro vindo do copo, analisei a transparência da agua com cuidado. quando não percebi nada fiz o mesmo com o segundo copo.
Aquele estava claramente envenenado. O cheiro azedo logo identificou o pó de cera. Feito de uma árvore do norte das terras sem lei. Que matava instantaneamente.
Me livrei do copo como se fosse brasa e tomei novamente o primeiro em minhas mãos.
— Beba de uma vez. — Racon tornou a falar impaciente.
E aquilo me fez pensar duas vezes. Se eu tivesse escolhido o copo certo, ele apenas teria resmungado algo, e tentado me punir de outra forma.
Nem todos os venenos mudam a bebida, existem aqueles raros, caríssimos e extremamente perigosos que não deixam nenhum vestígio, e ai você tem que usar sua inteligência e analisar o que acontece ao seu redor.
As palavras do assassino me lembraram. E eu hesitei.
— Escolha um. — Racon falou. — Sabe que vai acontecer se me desobedecer.
O primeiro eu sabia que me daria a morte instantânea. O segundo poderia ser apenas água, ou não poderia.
E então eu bebi.
Quase não consegui segurar o copo pelo tremor que agora estava em todo meu corpo. E quando a água fresca passou pela minha garganta como se estivesse tão gelada quanto uma noite chuvosa. Meu corpo se esfriou, e lágrimas se acumularam em meus olhos.
Olhei para cima esperando o tapa que sempre vinha depois de me deixar chorar, mas ele não veio. Racon me olhava com frieza e satisfação. E então eu fiz a única coisa que me restava. Corri.
Eu podia sentir o veneno se espalhando dentro de mim. Esfriando minhas veias, congelando meu sangue, até que eu estivesse tremendo tanto, que meus dentes doíam por bater uns nos outros.
Aquele veneno não induzia a dor, não apodrecia a vitima por dentro, ele congelava.
Era a pior coisa que eu já tinha sentido. Meus dedos pararam de se mexer e já não conseguia mais sentir que estavam ali.
Minha corrida perdeu velocidade, quando o bosque se fechou ao meu redor. E meus movimentos e pensamentos já não faziam sentido.
Quando parei de sentir as lágrimas rolarem pelo meu rosto, que notei que seria minha vez de encontrar a morte a qualquer momento.
As pessoas quase sempre morriam sozinhas.
Não seria diferente comigo.
Minhas pernas pararam de funcionar e eu solucei, meu corpo pequeno tentando desesperadamente lidar com tudo aquilo.
Respirei cinco pesadas vezes. E pensei que não poderia respirar outra.
Estava muito frio.
E cada vez mais frio.
Meu corpo caiu na terra e eu tentei dizer adeus, mesmo que ninguém estivesse lá para escutar.
Tudo pareceu distante e difícil, e eu cedi.
Uma onda de calor me envolveu de repente, levando embora cada pedaço do frio que ainda parecia cortar minha pele. Mas o labirinto de escuridão que tinha me enfiado, era complexo demais para que eu pudesse sair, mesmo sem o frio, mesmo com o calor.
— Respire. — Ouvi uma voz distante.
Respirar? Eu estava respirando, não estava?
— Vamos garota.
Uma pressão enorme em meu peito, me devolveu o ar, que entrou em meus pulmões que agora queimavam como brasa.
Tudo doía.
— Durma agora. — A voz chegou mais uma vez aos meus ouvidos.
E eu obedeci
Apenas não faça nada errado.
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