Três - Minha destruição é real
Sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância
Sócrates
A primeira coisa que notei ao abrir os olhos foi o grande lustre no teto. Obviamente não era o meu quarto, e até agora nada tinha cara de meu por ali. Lembrei do meu aniversário.
Aaliyah, a rainha. Pensei em todos os sonhos loucos que tive ao longo dos anos. E nada fazia sentido. Absolutamente nada na existência de Aaliyah.
Fechei os olhos novamente sentindo a música chegar até meus ouvidos. Era suave, calma, ótima pra se acordar ou voltar a dormir. Me sentei na cama pra observar o lugar melhor.
Grandioso e glorioso.
A cama em que antes eu dormia era grande e com muitos travesseiros, todas as paredes eram em tons claros e eu quis vomitar em cima delas. O chão era algo mais chato ainda. O vel da cama era em tons de branco e a auréola prateada. Tapetes estavam espalhados por todo o lugar. A janela pendia até o chão e bem ali tinha uma varanda.
Me levantei sem pressa, podendo notar agora que vestia roupas de dormir. Não faço idéia de quem me vestiu. A última coisa que me lembro é da luz e depois da escuridão.
O resto ainda é um mistério.
Da janela eu notei o mar, e senti meu peito se encher de calor. O mar estava na minha visão e sumia nas torres altas do que eu logo constatei ser um castelo. Mais a frente havia navios no Porto. A floresta ficava abaixo da minha janela, e também se estendia por todo um espaço. No meio dela, um lago que via-se perfeitamente daqui. As árvores pareciam sombrias, negras...
- Eu diria mortas.
Reconheci a voz da Rainha, e me virei parecendo o menos curiosa possível. Lá estava ela: Deslumbrante novamente. O vestido em tons de salmão, os cabelo soltos. Novamente a princesa de contos de fadas que eu vi da primeira vez.
- Você pode ler minha mente? É a segunda vez que responde uma pergunta interna minha. - Falei, enquanto voltava a olhar para o mar.
- Não posso ler sua mente, mas posso sentir seus sentimentos, Aeryn. Sei que está assustada em estar aqui. - Pude notar sua presença ao meu lado.
- Me fale mais deste lugar.
- Durante um passeio, eu ficarei mais feliz.
❦
A Rainha andava ao meu lado pelo corredor vazio. Fora alguns guardas que passaram por nós a alguns segundos, eu não havia visto mais ninguém. Um castelo tão grande, comecei a me sentir mais desconfortável que no Orfanato com as outras crianças.
- O que exatamente eu estou fazendo aqui? - Perguntei a ela.
- Você não faz mesmo idéia, não é? - a
Confirmei. - Você não sabe nada sobre os seus pais? Ninguém nunca te contou?
- Cresci num orfanato. Muitas madres e crianças, mas ninguém parecia saber sobre portais e Rainhas. - Soltei de uma vez, e respirei logo em seguida.
- Eu devia saber.
O corredor já chegava ao fim e dava início ao Jardim, que não pude ver da janela do quarto em que estava. Dois guardas estavam por ali, e se curvaram à Rainha. Aaliyah sorriu para eles, e continuamos o nosso caminho.
- Sua família era muito importante para Wen-mar. A sua avó... Grace, ela era filha da Rainha. Mas ela nunca concordou com essa história de que o sangue escolhe o destino de alguém. Ela era uma lutadora. E quando sua avó subiu ao trono pela primeira vez, ela escolheu afastar sua mãe de tudo isso. Wen-mar já foi um lugar incrível, repleto de pessoas incríveis e coisas incríveis aconteciam por aqui. Mas quando sua avó subiu ao trono as coisas mudaram.
- Por quê? O que ela fez de tão ruim?
- Ela exilou a sua mãe. Exilou a primeira filha e única herdeira legítima do sangue Lipphaus. Ela a expulsou de Wen-mar e a obrigou a viver na Terra em que viveu durante todos esses anos. Infelizmente, a saída de sua mãe causou uma fenda no nosso universo. Não teríamos um herdeiro legítimo, entao, os anos se passaram e agora Wen-mar é... Mais trevas do que luz.
- Por que a minha vó expulsaria sua única filha?
Eu era a pessoa que não sabia nada do que estava acontecendo. Eu podia negar, confiar ou ignorar. Mas nada disso resolveria o fato de que eu estava em um Universo que obviamente, não era meu. E que as coisas que Aaliyah estava me contando, era a primeira coisa que eu ouvia sobre minha história. Sobre a minha vida. Minha família. Parecia loucura. Tudo uma loucura, mas essa loucura estava colocando sentido em um potinho que eu nunca pude ter.
Porque eu nunca soube quem eu era.
- Eu não peço que acredite em mim, mas que busque a verdade em você. - Desviei o olhar para olhar novamente o céu nublando. Uma nuvem vinha de algum canto bloqueando o sol de mais cedo. - Mas não se cobre tanto, Aeryn. Terá algum tempo antes que tenha que escolher governar ou não.
- Eu posso sair? - Apontei o portão.
- Sozinha não, mas leve um guarda com você. Explore o quanto quiser, mas saiba que não há nada de muito bom lá fora.
- Eu quero ir assim mesmo.
- Soldado Vega?
Um dos soldados parados na entrada se aproximou de nós. Ele era alto como uma porta, musculoso e extremamente sério. O cabelo curto e os olhos negros era a coisa mais sombria naquele homem. Assim como os outros, tinha olhos que alguém que não via a esperança a tanto tempo.
- Quero que acompanhe Aeryn para além dos portões. - Ele assentiu. - Mas não se esqueça quais nossos limites.
- Sim, alteza. - E veio para o meu lado.
Encarei a Rainha rapidamente desconfiada, mas segui para o portão, com o soldado Vega no meu encalço.
O castelo era no topo de uma montanha, bem reservada e esquisita. Não encontrei uma alma pelo caminho. Vega no meu pé, sem piar um único som. As vezes eu esquecia que ele estava ali. Não sei por quanto tempo caminhamos, mas quando dei por mim já estava na beira de uma Cachoeira. Me sentei na beira com as pernas cruzadas e olhei para baixo admirando minha imagem. O soldado Vega ficou atrás sem falar nada, e resolvi que também manteria aquele silêncio.
Tudo parecia tão surreal comigo. Não sei a que nível de loucura cheguei, mas obviamente não é um daqueles em que se pode voltar atrás. E a confiança estava latejando na minha cabeça. Em quem eu deveria confiar: Na Rainha que me contou a história da minha família, ou em mim que não sei exatamente nada sobre a mesma.
Observei uma movimentação atrás de mim pelo reflexo da água, e só tive tempo mesmo de rolar no chão antes para nao ser acertada. Cerrei os olhos ao ver uma espada encravada no solo onde a dois segundos eu estava sentada. Subi os olhos para o indivíduo e observei um corpo másculo me encarando.
- Soldado Vega!?
- Desculpe princesa, mas já não acreditamos mais nessa esperança. Não pode nos pedir para por um preço na nossa sobrevivência.
Isso que eu ganho por querer sair, do único lugar onde eu estava segura, até então.
E soldado Vega foi atingido na mão, soltando a espada rapidamente e olhando para mim. Neguei e procurei uma brecha para correr. De onde tinha vindo a flecha? Pisquei os olhos e O soldado Vega recebeu outra flecha. E então eu o vi.
Saindo de trás de uma árvore, eu contemplei Robin Hood. Ou melhor, alguém que carregava um arco e flecha e a maldade no olhar. Estremeci. Preciso correr para longe. O rosto estava coberto, mas a fisionomia entregava os braços musculosos e o corpo bruto.
Soldado Vega o viu, assim como eu. Ele tentou pegar a espada que estava no chão, e recebeu outra flecha. O homem se aproximou com o olhar preso nele, engoli minhas glândulas ou algo assim. Nem consegui acompanhar o movimento, mas também não era algo que eu desejava ver. O som da lâmina atravessou meus ouvidos e eu apertei os olhos com força.
- Por favor, não faça isso.
Ouvi o barulho novamente, mas logo então ele cessou. Hesitei em abrir os olhos, mas infelizmente era tarde demais. Soldado Vega já estava no chão, e a espada dele havia tirado sua vida. Ele o matou com a própria espada. Minhas mãos não conseguem ficar paradas. E aqueles olhos castanhos chegam em mim.
- Você sabe quem eu sou? - Perguntei com hesitação. Soldado Vega me falou que não tinha esperança mais. Talvez não seja o único.
Pensei que ele fosse me responder, mas ao invés disso, me deu as costas e partiu sentido contrário ao que eu havia vindo. Olhei novamente para o corpo no chão, e foi motivo o suficiente para que eu começasse a correr de volta ao Castelo.
Eu não posso me defender. Não há como defender um reino inteiro. Aaliyah estava enganada em relação a mim. Eu não posso decidir se vou governar ou não. Trouxeram a Herdeira errada. Eu não podia ser a salvação de Wen-mar, mas eu poderia destruir ela. Um trovão partiu o céu, e foi nesse momento que comecei a ver os portões de entrada. Outro trovão e eu já atravessa o Jardim.
Aaliyah já vinha em direção a mim, antes mesmo que eu tentasse procurar por ela.
- O que aconteceu, Aeryn? - Questionou de emediato.
- O seu soldado tentou me matar! Eu quero saber o motivo de haver pessoas que não confiam em mim.
- Porque elas não te conhecem, querida. Pessoas temem o que elas não conhecem. - Outro trovão. Minhas roupas estavam ensopadas. - Fique calma, Aeryn. Controle-se, Princesa.
O barulho das ondas batendo nas rochas chegou até mim me fazendo acordar daquele transe.
O que há comigo?
- Eu quero ir pra casa.
- Está é a sua casa, querida.
Outro trovão e a chuva começou a cair forte, como uma tempestade perigosa e eu me vi parada em frente a uma porta.
Os portões marrons eram como os portões do Mundo Feliz, o lar onde cresci. Mas os portões que eu conhecia, eram amarelos e com muitas digitais pintadas. A escadinha que ligava a varanda ao quintal era a mesma. Mas tudo parecia antigo. Tudo, exceto eu. Havia um homem com um bebê no colo, chorando como se a estivesse perdendo. Não vi seu rosto. Não vi nada. Tentei me mover, mas foi como estar presa no chão.
Trovões e mais trovões.
Senti alguém me segurar e balançar meu corpo, e abri os olhos. Aaliyah estava lá, comigo no castelo. Ela me olhava assustada, como se eu estivesse mudando de cor.
- Princesa, você está bem? - Ela questionou. Não respondi. Guardas se aproximaram de nós.
- A barreia norte se rompeu em uma parte. Precisamos parar a inundação.
- ...inundação?
- Chame os soldados e vá até lá ajudar os civis. A água sobe muito rápido. Será impossível fazer algo se os civis já estiverem comprometidos. Precisamos proteger Aeryn. - Ela ordenou.
Me proteger?
- Aeryn, controle-se. - Ela me balançou mais uma vez. - Precisa se controlar agora. Wen-mar depende de você.
- ...não posso.
- Acorde, Aeryn! - Ouvi sua voz mais uma vez.
- Eu não sei o que fazer. - Minha voz saiu cortada pelo choro.
- Pense em algo bom. Alguém. Você só precisa se controlar. - A Rainha continuou me instruindo.
"Quero que seja feliz, Aeryn. Eu te amo".
Madame Stela.
Um dos guardas se aproximou da Rainha e sussurrou algo em seu ouvido. Ela travou no lugar, mas tentou disfarçar e pediu que o soldado se retirasse.
- Aeryn... preciso que se acalme agora. - Pediu mais uma vez.
Mas dessa vez seus olhos me imploravam para parar. Não entendi o quê estava acontecendo, mas também não tive tempo. Meu ar pareceu faltar e meu corpo pesou bem mais que o normal me fazendo cair de joelhos.
Apoiei as mãos no chão e vomitei... água.
Água?
Algo estava muito errado.
Fiquei de pé e corri.
- Aeryn!
Ignorei o chamado da Rainha e corri escada a cima até o meu quarto. Passei pela porta e corri para a janela. A minha frente estava o mar. Cobri a boca com as mãos e me desesperei. As águas batiam firmes contra as rochas e as ondas eram gigantes.
Elas estavam vindo diretamente para nós.
E meu corpo pareceu reagir a elas.
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