Quatro - Um reviver do meu mundo
Não há nada de tão absurdo que o hábito não torne aceitável
Cícero
Foi como sentir meus ossos se dissolvendo na água salgada, igual um comprimido de aspirina. Eu me teletransportei para o oceano e vi os peixes nadando ao meu lado. Os corais mais coloridos do que a TV já me mostrou alguma vez. Eu vi o sal mais brilhante que nunca em toda a minha vida.
E era tudo tão real.
- Aeryn, você precisa parar agora. - Aaliyah estava aqui. Ela sorriu me passando conforto, mas em seus olhos eu já vi o medo. - Precisa se controlar, Aeryn. Essas ondas nos matarão. Precisa parar isso.
- Eu não sei como. - Confessei.
- Só peça que pare.
- Pare! - Gritei com o ar. - Pare agora... por favor, pare.
- Aeryn...
- PARE! - Cai de joelhos chorando. - Eu ordeno que vocês parem.
Eu ordeno...
Fiquei de olhos fechados esperando o pior. O medo já havia me consumido, mas por madame Stela eu não podia morrer. Não podia ferir ninguém. Não mais. Já deixei madame Stela para estar aqui. Não posso deixá-la para sempre e para a morte.
Eu não posso.
Eu não...
- Aeryn?
- Eu sinto muito. - Chorei.
- Está tudo bem, minha querida. Você conseguiu.
Eu consegui?
Abri os olhos sem saber o que veria a minha frente. O mar estava calmo. Calmo como eu não tinha o visto ainda, em uma serenidade tão grande. Wen-mar era tão bonita quando eu não a estava destruindo. Os raios de sol já surgiam no horizonte. Mais uma vez provando que depois de uma tempestade, as vezes vinha algo bom.
- Parabéns, Aeryn.
- Eu não quero destruir o seu reino, Rainha Aaliyah.
- Não é o meu Reino, querida. É o seu. E você vai vai destruí-lo. Eu confio em você. - A Rainha tocou meu ombro. - Te ensinaremos a se controlar. Eu prometo.
- Obrigada.
- Fique sozinha um pouco. Eu volto logo.
❦
Nunca pensei que sentiria falta de um abraço apertado, logo após uma confusão. As vezes, acontece de uma criança que partiu retornar. E nunca era bom. Todos falavam. As crianças, com certeza. Algumas Madres também. E quem passou por essa experiência pode dizer com clareza como é a rejeição.
Ela dói demais.
Nunca aconteceu comigo. Mas eu sempre observava as crianças que voltavam, e de alguma forma, eu sofria tanto. Não dormia por noites e passava os dias pensando tanto. Ninguém deveria ser rejeitado dessa forma. Já estamos em um lugar que implanta suposições e medos. Não sabemos quem fomos e consequentemente, não enxergamos agora o que somos. Pessoas sem um passado, constroem um presente incerto. O aprender vem do viver.
E quem fomos antes daquele ponto de partida? Isso é o que sempre me questionei. Sempre quis saber. E aqui em Wen-mar, eu sinto algo. Algo que ainda não consigo explicar. É um sentimento desconhecido. Algo como Lar. E por mais que eu continue achando tudo isso muito estranho e confuso, aqui eu tenho um passado.
Aqui eu tenho bem mais do que isso.
E minha falta de controle, quase levou tudo embora. Estava confusa e com medo. Não pude deixar de pensar que se as coisas tivessem continuado por mais alguns segundos, um Reino inteiro estaria destruído.
E por culpa minha.
Aquela noite, eu acordei no meio da madrugada na frente do mar. As ondas estavam calmas e meu coração estava tão leve. A areia entre meus dedos não era um incômodo. Eu só fiquei lá, parada e quieta, olhando para o azul perfeito do oceano que transbordava emoção. Algo estava me aquecendo, mesmo com o frio da noite.
Então ele apareceu, entre as águas, veio andando em minha direção. Eu podia olhar para ele e ele para mim, mas eu não conseguia guardar nenhum detalhe do seu rosto. Ele estava tão bonito. E tão solitário. O cessar dos passos, alarmou em uma batida do meu coração. Os olhos dele eram azuis. E eu estava tão fixada naquele ser. Um homem, uma mulher, eu não saberia responder. Era apenas alguém que me conquistou com bem pouco.
- Eu vou lutar por você, Aeryn. - Sua voz cantou nos meus ouvidos. Eu chorei. Foi emocionante, eu quis correr para o mar.
Mas não corri.
- Quem é você? - Questionei.
- Eu também quero saber. Descubra quem sou eu, e poderá me encontrar. Estou perdido e preciso de você.
- Perdido onde?
- Onde o Sol maltrata os imperdoáveis, e abriga o perdão sem dó.
- Isso é uma metáfora?
- Nada em Wen-mar é apenas uma metáfora, meu amor.
E o teto surgiu diante de mim. Acordei no meu quarto e com o coração tranquilo. Puxei o cobertor e sai da cama, indo encontrar o oceano, através da minha janela. Lá estava ele. Exatamente como a alguns segundos. Calmo e belo. E eu me sentia segura com ele. Pausei a mão no peito, fechei os olhos e respirei fundo. Tinha um rosto sem detalhes nas minhas memórias. Eu não podia o reconhecer se o visse. Pelo menos, acho que não. Eu o vi, sem vê-lo. É como um momento que nunca existiu.
Mas então me virei para voltar para cama, e tinha um rastro de água no chão. Eu o deixei lá. E meu momento inexistente acaba de se tornar mais real. Eu tinha que me adaptar a Wen-mar. Esse lugar tem mais para mim, do que estão me contando.
No final, Soldado Vega realmente tinha razão em desconfiar que eu não poderia ajudar. O povo não confiará em um estranho que acaba de se mudar, e não sabe nada sobre as necessidades do Reino e do Povo. Há pessoas por aí, portando arcos e flechas e gritando PERIGO em todas as direções. O povo vive nessa escuridão a muito tempo, e eu cheguei, mostrando que também existe trevas em mim. Há luz aqui dentro e eu posso encontrá-la. Mas preciso que eles confiem em mim e me deixem ajudar.
- O que pretende fazer, Aeryn? - Aaliyah me questionou. Estava na porta do meu quarto, eu a havia chamado.
- Preciso voltar lá para fora. - Ela segurou sua pergunta, e eu completei minha resposta. - Para ajudar Wen-mar, eu preciso conhecê-la.
- É perigoso.
- Tudo é perigoso, Rainha. Seus próprios homens tentaram me matar. O Perigo está em todo lugar por aqui. Se vou ajudá-la, preciso que me ajude a lidar com isso.
Antes que ela pudesse me responder, um dos guardas se juntou a nós arrastando alguém com ele. Eu olhei a cena, uma garota se debatia e gritava nos braços do homem.
- O que é isto, soldado?
- Essa garota foi pega andando pelo Jardim. - Explicou ele.
O soldado a empurrou para frente e pudemos vê-la bem.
Eu não mereço.
Eu não mereço.
Eu não mereço.
Eu não mereço.
- Amanda Ross.
- Aeryn?
Literalmente, eu não mereço.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top