- xvi.

gotham city, 11:11pm
caverna vermelha

               JASON TODD, após cortar relações com o Batman, se viu na obrigação de ter um novo esconderijo, algo que foi relativamente simples para um homem com os seus contatos.

               A Caverna Vermelha — como ele mesmo batizou, como uma sátira ao abrigo do seu ex-mentor — não era exatamente uma caverna. Na verdade, se parecia com um prédio abandonado. Ao menos pelo lado de fora. Costumava ser uma grande biblioteca, construída no estilo gótico, com direito a gargulas e grandes telhados pretos.

               Seu interior tinha sido completamente reformado pelo vigilante, de modo que um prédio aparentemente secular e antiquado se transformasse em uma base militar assim que cruzasse a primeira porta, mas, claro, qualquer um que por algum motivo desejasse visitar as ruínas da biblioteca teria que passar pelo reconhecimento facial instalado pelo Capuz Vermelho, que permitia sua entrada e a de mais ninguém, já que este trabalhava sozinho. Ou pelo menos trabalhava. Pela primeira vez em muito tempo, tinha algo parecido com uma parceria. E embora Jason insistisse na filosofia do lobo solitário, não podia negar que havia algum conforto em ter alguém com quem contar às vezes.

               Entretanto, já tinha se arrependido. Assim que viu a situação de Maddie Oceans quando seu carro explodiu. Era sua culpa, por ter se envolvido com ela.

               Carregava o corpo inconsciente de Maddie nos dois braços. Se inclinou na frente do identificador facial, que depois de três segundos abriu a porta. Para Jason, foram como horas. No interior do estabelecimento, luzes se acenderam a medida que que o vigilante entrava. Ele andou rapidamente até uma cama desarrumada. Segurou Maddie com um braço, com o outro empurrou as ferramentas e partes de armaduras que ele tinha deixado ali, e delicadamente deitou a garota naquele espaço, com medo, como se estivesse manuseando uma boneca de porcelana.

               Parou por um momento, se abaixou próximo à cama, com os olhos vagando sob cada detalhe no rosto da parceira. Tinha um corte profundo na sobrancelha, e estilhaços de vidro arranharam uma de suas bochechas. Fora isso, parecia estranhamente pacífica, como se estivesse em um sono profundo. Mas ainda havia outros problemas, como um pedaço de metal cravado no tórax da garota.

               — Me desculpe, Maddie. — Sussurrou, mesmo sabendo que ela não poderia ouvir, mas o sutil som da respiração da garota o confortou. Ainda estava viva

               Só então Jason percebeu que, desde que a explosão aconteceu e Maddie se feriu, ele não respirava direito. Ficou irritado consigo mesmo. Não era hora de perder a calma. Tinha causado aquele problema e agora era seu dever resolver.

               Buscou deixar seus pensamentos de lado. Se levantou e encontrou seu kit de primeiros socorros. Por trabalhar sozinho em um ramo tão perigoso, Jason estava habituado a lidar com ferimentos, mas dessa vez estava nervoso, sua mão tremia levemente enquanto ele molhava um pedaço de algodão com álcool e preparava a agulha para sutura.

               Primeiro cuidou do ferimento mais grave. Teve que cortar a blusa que Maddie estava usando para ter uma melhor visão do procedimento. Quase se desculpou de novo, mas se sentiu um idiota.

               — Você não vai sentir nada. — falou em voz alta, mas estava tentando se tranquilizar.

               Com uma pinça cirúrgia, puxou o pedaço de metal, o qual saiu com facilidade, isso causou um enorme alívio em Jason. Significava que não tinha perfurado as costelas ou o pulmão. Em seguida estancou o sangramento, limpou o local do corte e costurou.

               Tinha um sentimento estranhamente familiar enquanto fazia aquilo. Lembrou-se de quando, ainda como Robin, saía para missões particulares sem a supervisão do Batman. Não podia evitar, o objetivo de Jason e Bruce, em teoria, era o mesmo: justiça. Mas os dois possuíam conceitos diferentes de justiça. Então, às vezes, o Robin pegava seu traje e propositadamente ia para os cantos mais perigosos da cidade, esperando que criminosos em potencial o atacassem, e sempre atacavam.

               Naquela época, Robin era excessivamente confiante e não tinha uma boa noção da própria força. No fim da noite, ele sempre voltava para casa com ossos quebrados e cortes profundos, que sobravam para o Batman tratar, já que levá-lo ao hospital naquele estado levantaria suspeitas desnecessárias.

               De repente se sentiu mal por pensar naquilo. Maddie não era sua aprendiz e ele com certeza não era seu mentor. Tinha sido divertido passar algum tempo com ela mas aquela explosão deixou claro que uma amizade — ou qualquer que fosse aquilo entre os dois — estava fora do seu alcance, da sua realidade. Enquanto lutasse contra o crime do seu próprio jeito, seria um alvo ambulante e isso também servia para qualquer pessoa de quem ele ousasse se aproximar.

               Com pesar, admitiu para si mesmo que teria que continuar sozinho a parti dali, como sempre deveria ter sido, para evitar que coisas como aquela se repetissem. Iria cuidar de Madeleine até ela se recuperar e depois nunca mais a veria novamente.

               Fez o melhor que pôde com as suturas para amenizar as inevitáveis cicatrizes dos diversos cortes. Limpou da maneira mais meticulosa que conseguiu, tendo que retirar os restos das roupas da garota para isso, mas assim que terminou, a cobriu com o melhor cobertor que tinha, a fim de mantê-la aquecida e tornar pelo menos o seu sono mais confortável. Puxou uma cadeira e se sentou ao lado da cama.

               — Espero que você não demore pra acordar — ele começou, com uma tentativa de sorriso autopiedoso, estava mesmo falando como se ela pudesse ouvir, mas grato por saber que ela não podia. — Tenho que te levar para casa. Aliás, essa é a minha casa, mais ou menos. Assim como na sua, não tenho fotos de familiares.

               Seu sorriso cessou ao lembrar dos últimos momentos dos dois no apartamento de Maddie. Lembrou de como estavam furiosos um com o outro. Jamais admitiria isso, mas ele não estava com raiva de verdade, só estava com medo. Com medo de perdê-la.

               — Sinto muito por você ter descoberto do pior jeito que esteve com um homem morto nesse tempo todo. Eu morri, de fato. Não tanto tempo atrás, voltei para o mundo dos vivos, mas ainda não me sinto como um deles, não me sinto vivo de verdade. Acho que não estou.

               Tentou não se perguntar no que ela pensaria se pudesse ouvi-lo. Será que ainda estaria com raiva? Ou ela iria rir da cara dele e dizer que estava tudo bem? É ingênuo esperar a melhor das hipóteses, então ele se concentrou no seu monólogo.

               — Sinto muito pelo que fiz com você. É minha culpa você estar deitada aí.

               Ele se levantou e deu dois passos na direção da cama, depois se inclinou sobre o corpo desacordado de Maddie até estar próximo o suficiente para ouvir e confirmar que ela ainda estava respirando. E estava, mas ele ainda não se afastou.

               — Cometi um erro achando que você poderia ficar perto de mim e não sofrer as consequências. — Agora ele sussurrava, Maddie parecia tão pacífica que ele não queria ousar incomodá-la. Se aproximou um pouco mais e lhe deu um delicado beijo na testa. — Isso não vai se repetir.

               E se afastou, foi para outra sala. Talvez se ele fingir que não se importa, ela se recupere e acorde mais rápido. E tudo vai voltar ao normal.

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